terça-feira, 25 de setembro de 2012

BAD 25: Crítica de Veneza

The Hollywood Reporter, 31 de agosto de 2012
Por David Rooney


Spike Lee capta um monumento da carreira de Michael Jackson e um período preciso na cultura de música popular dos Estados Unidos com sua extensiva retrospectiva da criação, marketing e legado do álbum de 1987, Bad.

VENEZA - Michael Jackson continua sendo maior em morte do que em vida. Poderia parecer que Kenny Ortega cobriu o seu legado com o documentário de 2009, This Is It, mas Spike Lee faz ainda melhor com Bad 25, um tributo obsessivamente detalhado aos vinte cinco anos do álbum de 1987 que completou o tsunami comercial que foi a trilogia que Jackson começou com Off The Wall e Thriller.


O filme é uma sensacional fotografia do auge dos videoclipes como forma de arte, assim como do intricado processo de camadas pelo qual o pop superior é moldado. Mais sensacional, ele serve para remover o véu de loucura e acusações e restaurar a reputação de Jackson como um músico multi-talentoso de rigorosa disciplina, profissionalismo e perfeccionismo - sem contar sua influência pioneira na dança e modo. Seguindo as exibições em Veneza e Toronto, Bad 25 deverá ir ao ar na ABC no feriado de ação de graças.


Lee dirigiu o videoclipe de Jackson de 1996, They Don't Care About Us. Apesar dele conduzir as entrevistas pessoalmente, ele se mantém fora do quadro aqui, com exceção de um ou dois trechos curtos. Mas é claro que sua conexão com o material é profunda, revelando a si mesmo, por exemplo, em sua exaustiva atenção à criação do curta-metragem de Martin Scorsese para a faixa-título do álbum. Não menos fascinante é sua menção às múltiplas influências coreográficas do vídeo de Smooth Criminal, de A Roda da Fortuna de Fred Astaire ao Soul Tr
ain ao Pernalonga e a Buster Keaton. A riqueza de especialistas falando aqui torna o filme de interesse além da base de fãs de Jackson, mas para todos aqueles curiosos sobre o processo de produção e marketing da música popular.

O apetite do diretor por trivia é contagiante. Quem lembrava que um dos primeiros papéis de Wesley Snipes foi no clipe de Bad? Ou que o grito "Shamone!" era uma homenagem de Jackson a Mavis Staples? Ou que o verso "Annie, are you OK?" foi inspirado pelo nome dado a bonecas de demonstração de massagem cardíaca?

É óbvio que Lee está se divertindo tanto quanto a platéia ao sentar com Scorsese e a editora Thelma Schoonmaker enquanto eles assistem ao seu trabalho no curta de Bad 25 anos depois. O escritor Richard Price, que roteirizou o filme para Scorsese é - perdõem-me - impagável, discutindo como um italiano e um judeu asmáticos foram selecionados por Jackson para fazer o clipe "para mostrar aos irmãos que ele também está do lado deles." Mas Lee também aborda com seriedade as formas como Jackson reafirmou sua conexão com a comunidade negra.


Apesar de reconhecer as fraquezas do álbum - todo mundo, incluindo Stevie Wonder, concordam que o seu dueto com Jackson, Just Good Friends, foi um erro - o filme não é inocente de hagiografia. Mas as entrevistas com fãs famosos, incluindo Mariah Carey, Justin Bieber, Cee Lo Green, Chris Brown e Sheryl Crown - que foi a cantora de apoio cabeluda da Bad Tour - são geralmente elogiosas. (Talvez a exceção seja Kanye West, que parece ter uma opinião excessivamente boa de si mesmo para prestar tributo a outra pessoa).


Talvez o erro mais significativo de Lee é de pular abruptamente - ao fim de cada reconstrução meticulosa de faixa-por-faixa da gravação do álbum e filmagem de seus muitos clipes - para imagens de Jermaine Jackson anunciando a morte de seu irmão. Lee então junta uma série de respostas para "Onde você estava quando ouviu que ele havia morrido?", segurando a câmera enquanto seus entrevistados choram. Soa como manipulação e pesa o clima comparada ao estimulante contexto social e curiosidades iluminadores que diferem o documentário e o coloca no momento-chave da carreira de Jackson.


Mas isto é apenas um motivo. Por mais forçado que tenha sido inserido, ele serve para introdução de The Man in the Mirror como uma aula mestra em como construir o perfeito hino pop. A informação aqui vem dos autores da faixa, Glen Ballard e Siedah Garret, assim como do produtor Quincy Jones e de Andrae Crouch, entre outros. A imagem final de Jackson apresentando a canção em um show no estádio de Wembley em 1988, acompanhado por 72,000 fãs histéricos, é o ponto alto em emoção no filme.


Lee foi feliz em ir não atrás apenas de rostos famosos. Ao invés disso, ele cava cada aspecto da música conversando com engenheiros, arranjadores, músicos, professores de canto, atores, dançarinos e coreógrafos, executivos da indústria fonográfica, empresários, advogados, biógrafos e jornalistas musicais. Particularmente engraçado é o direto Joe Pytka, que dirigiu os clipes de Dirty Diana e The Way You Make Me Feel. Mas contribuições ricas vêm de uma enorme variedade de fontes.


O filme não foge do lado negativo. Ele cobre a histeria inescapável que acompanhou o lançamento do álbum, o estigma Wacko Jacko, o espectro do racismo, a animosidade em relação a Jackson em alguns círculos por conta de seu sucesso estratosférico e por ele ter pisado em território sagrado ao comprar o catálogo dos Beatles. Tempo significativo é gasto em sua vulnerabilidade por ter vivido debaixo dos holofotes desde a infância, refletido na canção Leave Me Alone, com seu estilo a lá Viagens de Gulliver.


Na maior parte, no entanto, Lee mantém seu foco na extraordinária conquista profissional que o álbum ainda representa, capturando Jackson no auge de sua busca por independência criativa. Além do seu valor como um profundo retrato do artista, este é um super relato da indústria musical e uma cápsula do tempo indispensável da cultura pop.



Traduzido por Bruno Couto Pórpora