terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Insônia, Ameaças, Fuga: Noites com o Rei do Pop

Em 3 de junho de 2014, foi publicado nos Estados Unidos o livro Remember The Time: Protecting Michael Jackson in His Final Days. Um relato de memórias de Bill Whitfield e Javon Beard, dois seguranças que trabalharam para o Rei do Pop durante dois anos e meio - entre dezembro de 2006 e junho de 2009. Engraçado, triste e trágico, conhecemos a intimidade do carinhoso pai Michael Jackson e a solitária rotina de seus anos finais. Nesta tradução exclusiva, confira um trecho do capítulo 3 da parte um do livro. Todos os direitos do texto original pertencem à Weinstein Books.


Bill: Nós instalamos botões de pânico em diferentes áreas da casa - em seu quarto, no quarto da família.

No caso de uma emergência, o Sr. Jackson ou as crianças poderiam nos alertar imediatamente. O alarme não soava dentro da casa, apenas no trailer, para nos alertar. E era um alarme bem alto, posso te dizer. Eu me lembro a primeira vez que ele soou. Foi cedo numa manhã. Eu o escutei e corri para fora do trailer e voltei para a casa. Eu cheguei em frente à porta da cozinha, saquei a minha arma e invadi a casa, como se estivesse pronto para alguma grande merda acontecer.

Eles estavam todos sentados à mesa do café, comendo seu cereal. Eles me viram e congelaram: o Sr. Jackson à esquerda, Paris na cabeceira da mesa, Prince sentado à minha direita, de frente para o Sr. Jackson. Eu não vi Blanket. Ele estava do outro lado da sala, perto da TV, onde havíamos instalado botões de pânico nas paredes. Ele estava apenas andando e apertando os botões. Todos estavam sentados à mesa, me encarando, e então Blanket deixou escapar: "Bill, isso é uma arma de verdade?!"

O pequenino achou que era legal. O Sr. Jackson não. Puxar uma arma automática na sala da família com seus filhos tomando café da manhã? Oh, eu ouvi muito dele a respeito disso.

Javon: Ele não gostava que as crianças vissem armas, mas ele gostava que estivéssemos bem armados. Nós dois portávamos pistolas semi-automáticas Glock com compartimento extra. Tínhamos Tasers. Cada uma delas com uma carga de 1.2 milhão de volts, o suficiente para derrubar um homem de 140 kilos. Tínhamos um esconderijo de armas reserva: metralhadoras automáticas MP5, AR-15s de estilo militar, 12 espingardas automáticas e MAC-10s escamoteáveis. Tínhamos três estojos de munição, cerca de 300 cartuchos para tudo o que tínhamos. Usávamos armadura corporal leve sob os nossos ternos o tempo todo. Alguns podem dizer que era um exagero, mas essas pessoas não sabem o tipo de ameaças que o Sr. Jackson recebia em uma base regular. Nós planejávamos e nos preparávamos para o pior, mas esperávamos e rezávamos pelo melhor.

Bill: Qualquer um que viesse à casa - reparadores, técnicos de serviço, quem fosse - todos eles tinham de assinar acordos de confidencialidade antes de serem permitidos de entrar na propriedade. Era um contrato que carregava uma multa de US$10 milhões por divulgar qualquer detalhes sobre o Sr. Jackson, sua casa, seus filhos, etc. Se eles não assinassem, não entravam. Nós também tínhamos de revistá-los e confiscar os seus celulares. Se eles não aceitassem, não entravam. Aqueles que eram permitidos nas propriedade eram acompanhados por um membro do time de segurança ao longo da casa até que terminassem seu serviço.

Isso era um procedimento padrão para todos, até para os palhaços que contratávamos para as festas de aniversário das crianças. Os palhaços não sabiam de quem era a festa aonde iriam se apresentar até que chegassem lá.

Eles apareciam, nós os apresentávamos o acordo de confidencialidade e eles viravam tipo, 'Hãn?'. Então nós os revistávamos e confiscávamos seus telefones.

"Nós precisamos ficar com os telefones até você sair."

"Mas e se alguém ligar?"

"Você quer ser o nosso palhaço ou não?"

E eles nos davam o telefone.

O Sr. Jackson não confiava em ninguém. O homem era paranóico, muito paranóico. Não dormia muito. Eles sempre andava pela casa às três, quatro da manhã, checando as trancas de todas as portas. Nas noites em que eu fiquei no trailer, eu o vi fazer isto várias vezes. Tínhamos milhares de dólares em equipamento de vigilância cobrindo cada centímetro desta propriedade, guardas de segurança armados patrulhando o território, e mesmo assim ele ia de porta em porta checar as trancas.

Eu aparecia de manhã e os caras que ficaram durante a noite me davam um relatório. "O cara tava checando as portas novamente," eles diziam. Tornou-se normal para nós.

Javon: Ele frequentemente saía da casa na calada da noite só para se certificar que estávamos no trailer e dizia, "Só checando que vocês estão aqui." Nós dizíamos, "Senhor, não vamos a lugar algum."

Bill: Havia uma linha telefônica direta para o trailer, e apenas o Sr. Jackson tinha o número. Recebíamos ligações no meio da noite. Ele escutou alguma coisa. Estava preocupado com alguma coisa. Não era preciso muito para preocupá-lo. Uma noite, estávamos de plantão e, por volta das duas e meia da manhã, nós escutamos a porta da casa bater e, de repente, essa batida forte de alguém na porta do trailer. Nós o abriamos e lá estava o Sr. Jackson, segurando as crianças perto dele. As crianças estavam meio sonolentas e cambaleantes, vestindo pijamas, tremendo no frio.

O Sr. Jackson tinha esse olhar de pânico em seu rosto, os olhos bem abertos. "Alguém está dentro da casa," ele disse. "Eles estão tentando entrar no meu quarto pela porta do terraço."

O meu primeiro pensamento foi de que deveríamos sair, saltar nos carros de dar o fora. Mas o Javon dizia, "Cheque o quarto! Vamos checar o quarto!" Então ficamos para investigar. Nós trouxemos o Sr. Jackson e as crianças para dentro do trailer. Javon ficou com eles. Eu saquei a minha arma, entrei na casa e subi as escadas até o quarto do Sr. Jackson.

O pensamento no fundo da minha mente era de que alguém devia ter subido de volta na varanda.

Assim que estava dentro do seu quarto, eu pude ouvir ao que ele se referia. Havia este murmúrio vindo de fora da porta para o terraço, como alguém tentando entrar. Eu subi, abri a porta e olhei para fora. Ninguém lá. Mas agora eu podia escutar melhor o som. Soava mais como uma batida. Eu olhei para cima e lá estava uma asa saindo desta abertura, freneticamente batendo ao redor. Um pombo. Tudo isto por conta de um pombo.

Eu estendi a mão e o agarrei. Puxei-o para fora da abertura e o joguei por cima do terraço. Eu não poderia dizer se ele decolou ou o quê. Eu posso ter quebrado a sua asa. Tudo o que eu vi foi a coisa indo direto para baixo. Eu desci e disse ao Sr. Jackson que era apenas um pássaro. É claro, agora ele estava todo preocupado com o pássaro. Ele perguntou, "Você não o matou, né?" "Não, senhor," eu disse. "É claro que não. Eu só o deixei ir." "Ah, bom."

Javon: Naquele momento, já passava das três da manhã. Prince falou, "Papai, podemos voltar para a cama agora, por favor? Nós temos aula amanhã de manhã e eu estou cansado."

Então todos se arrastaram de volta para casa e para a cama. Enquanto caminhavam, o Sr. Jackson disse, "Viram, crianças? Melhor prevenir do que remediar."

Bill: Cerca de duas semanas depois, talvez em meados de fevereiro, por volta de uma e meia da manhã, eu recebi um telefonema desesperado da sua empresária, Raymone. Ela estava toda nervosa e dizia, "Você tem de tirar o Sr. Jackson da casa!"

"Qual é o problema?"

Ela não quis me dizer. Ela apenas dizia, "Tire ele da casa! Eu reservei um quarto de hotel. Tire ele da casa!"

Eu percebi que tinha de ser algo sério. Eu falei para o Javon preparar os carros e corri para dentro da casa. Quando cheguei lá em cima, o Sr. Jackson estava andando de um lado para o outro no escuro. O quarto estava completamente escuro; ele não queria que as luzes fossem acesas, como se estivesse com medo de que alguém pudesse vê-lo. Ele fez as crianças irem de quarto em quarto com lanternas para organizarem suas coisas, fazendo as malas para ir embora. Ele sussurrava para elas, "Vamos! Vamos! Não, nós não precisamos disso! Só peguem algumas coisas!"

Eu não sabia o que estava acontecendo. Eu perguntei, "Senhor, o que há de errado? O que está acontecendo?"

Ele não quis dizer. Ele apenas disse, "Raymone ligou. Há uma ameaça. Nós temos de sair. Temos de sair. Agora mesmo."

Javon: Eu havia preparado os carros e estava do lado de fora do trailer de segurança. Não havia nada em qualquer um dos monitores; nenhum dos sensores havia sido desarmado. Antes de sairmos, Bill e eu verificamos toda a casa.

Nada. Fomos até o Sr. Jackson e dissemos, "Senhor, está tudo bem. A casa está segura. Confie em nós, ninguém vai entrar aqui."

Mas ele estava em pânico total. Ele estava quase incoerente, como se não ouvisse uma palavra que dizíamos a ele. Ele só continuava dizendo, "Temos que ir! Temos que ir!"

Bill: Não tínhamos ideia alguma do que estava acontecendo, mas carregamos as malas e as crianças até os caminhões e levamos todos para o rancho Green Valley, um resort nas proximidades de Henderson. O gerente esperava por nós na doca de carregamento quando chegamos. Nós subimos no meio da noite, sem verificação prévia de segurança, nada.

Nós o estabelecemos em seu quarto e ficamos no quarto em frente ao hall. Na manhã seguinte, eu fui falar com ele. Ele estava fumegante. Ele disse, "Eu não deveria ter de sair da minha casa por conta de ninguém. Eu não deveria ter de fugir de ninguém. Não é pra isso que eu tenho vocês?"

Eu perguntei, "Senhor, de quem você está fugindo?"

Finalmente ele me contou o que estava acontecendo. Raymone recebeu um telefonema de um ex-guarda de segurança de Neverland, um empregado a quem o Sr. Jackson supostamente devia dinheiro. O cara havia ligado para ela e fez ameaças explícitas sobre o que ele iria fazer para pegar o seu dinheiro. Ele disse que viria a Vegas e que iria escalar o muro da casa do Sr. Jackson. Então a Raymone ligou para o Sr. Jackson e o deixou em estado de pânico.

Eu disse, "E foi por isso que deixamos a casa? Sr. Jackson, você está seguro em sua casa. Nós somos mais do que capazes de proteger a sua família. Se a Raymone tivesse me dito o que estava acontecendo, eu teria resolvido o problema."

Isso o pegou desprevenido. Ele pareceu um pouco irritado.

Ficamos no rancho Green Valley por mais uma noite, então fizemos as malas e voltamos para a casa. As crianças estavam muito cansadas. Geralmente, elas costumavam levar esse tipo de coisa na esportiva; elas estavam acostumadas com o ritmo da vida de seu pai. Portas dos fundos secretas, alarmes de segurança, botões de pânico - isso era o seu dia-a-dia. Eles eram pequenos soldados. Mas de vez em quando, você via a loucura tomar o seu pedágio. Este foi um desses momentos. Aqui estavam eles, em uma nova cidade, vivendo em uma casa estranha.

Então, de repente, eles estão saindo daquela casa, fugindo no meio da noite, entrando neste hotel, e então voltando e deixando o hotel. E sem uma explicação real para tudo aquilo.

Enquanto dirigíamos de volta para a casa, todos estavam quietos no banco traseiro. Então Blanket olhou para seu pai e disse, "Papai, podemos voltar para a outra casa? Podemos voltar para Neverland?"

O Sr. Jackson balançou a cabeça e disse, "Não. Não podemos voltar para lá nunca mais. Aquele lugar foi contaminado pelo mal."



 Traduzido por Bruno Couto Pórpora