terça-feira, 1 de julho de 2014

Tour de Force: Por trás dos bastidores da 'Victory Tour' (People, Maio 1984)


People, 7 de maio de 1984
Por Peter Carlson

Apesar de rumores contrários, os Jacksons continuam a se preparar para o evento pop do ano em um ritmo - devagar - que está levando os fãs e potenciais sócios de negócios a um frenesi
 
Em 16 de abril, em um estúdio de ensaios ao norte de Hollywood, Tito Jackson, irmão de você-sabe-quem, presidiu o primeiro ensaio dos músicos do que seria o grupo backup para a turnê dos Jacksons de 1984. A banda - que inclui o guitarrista David Williams, que tocou no álbum de Michael Jackson, Thriller, e o baterista Jonathan "Sugarfoot" Moffitt, que já pertenceu à banda de Lionel Richie - se reuniu, riu um pouco, e então começou a tocar, flutuando para um riff familiar de Billie Jean. Logo após a banda começar a esquentar, Tito os chamou para acertar as regras. "Nós começamos às 7," ele disse. "Isso significa 7. Vocês não devem chegar carregando os seus instrumentos às 7 para começar a tocar 15 minutos depois." Muito depois de Tito terminar suas instruções, Nelson Hayes, o assistente coordenador dos Jacksons, estabeleceu outra regra. "Eu sou contratado dos Jacksons desde 1981," ele disse. "Eles não gostam de drogas". Ele pausou para efeito dramático. "Façam qualquer coisa parecida nesta turnê e vocês provavelmente não estarão conosco até o final dela."

Isto são boas notícias não por conta das nobres mensagens comunicadas por Tito e Hayes - embora Deus saiba, a presença de um pouco de pontualidade e sobriedade no mundo da música pop seria uma mudança bem-vinda. Não, as boas notícias aqui são muito mais simples. Já que o álbum dos irmãos, Victory, está quase pronto e agendado para ser lançado em Junho, deve haver apenas um motivo para os ensaios: os Jacksons estão se preparando para cair na estrada.

Isto vem como um choque para os observadores da indústria, que murmuram há meses que a
muitíssimo comentada turnê nunca iria acontecer, que ela havia sido sufocada por advogados, e promotores, contadores e empresários, que as pessoas ao redor de Jackson estavam atoladas. "O talento em questão é um diamante," diz o promotor de São Francisco, Bill Graham, tentando ser discreto - considerando os boatos de que ele seria o diretor nacional da turnê. "Mas se você visse a forma como as coisas estão sendo feitas em torno deste talento, você pensaria que eles estão lidando com petróleo." Jack Beckman é mais um que duvida da turnê. O empresário da Reunion Arena de Dallas (com 19.000 assentos) voou para Los Angeles três vezes para tentar trazer os Jacksons para a sua arena. Ele já participou de reuniões com vários assessores e advogados dos Jacksons. Ele já até se reuniu com o patriarca Joe Jackson. E ele sabe tanto sobre a turnê dos Jackson agora quanto sabia antes. "Eu estou acompanhando isto por meses e estou prestes a desistir," ele diz. "Pode não acontecer. Pode ser tão cara que acabe afundando no próprio peso."

Mas espere um minuto. Estamos nos antecipando um pouco. Para ajudar aqueles leitores que tenham saído recentemente de um coma, vamos voltar um pouco ao passado. Em 1965, Joe Jackson, um estivador de Gary, Indiana, organizou seus cinco filhos - Michael, Jermaine, Marlon, Tito e Jackie - em um grupo musical chamado Jackson 5. Com uma pequena ajuda de Diana Ross, eles assinaram um contrato fonográfico com a Motown e venderam 100 milhões de discos. Em dezembro de 1982, Michael - agora voando solo - lançou seu segundo álbum, Thriller, que vendeu cerca de 33 milhões de cópias (pelo menos até a última contagem) e gerou sete singles no Top 10. Estas estatísticas inéditas pareceram empurrar Michael para algo além do mero super-estrelato; mas para um lugar especial que deixa jornalistas, fãs e empresários famintos com os olhos vidrados. Até o New Republic, dificilmente uma fanzine pop, estava logo proclamando Michael "o performer musical mais bem sucedido de todos os tempos... maior que Sinatra, Elvis, os Beatles, Jesus, Beethoven - todos eles."

No último mês de novembro, Joe Jackson reuniu seus seis filhos - Randy se tornou o sexto membro do Jackson 5 em 1973 - no elegante restaurante Tavern on the Green, em Nova York, e anunciou que havia contratado o czar do boxe, Don King, para produzir uma turnê americana de reunião dos Jacksons. O contrato parecia uma licença para imprimir dinheiro. Houve conversas para uma turnê de 40 cidades, um filme do show, uma transmissão ao vivo via satélite, além de camisetas e dinheiro falso. A Pepsi-Cola apostou pelo menos U$5 milhões pelo privilégio de ajudar a patrocinar o evento. As estimativas do potencial financeiro da turnê escalaram de mesquinhos U$20 milhões para sensacionalistas U$100 milhões. Não só a turnê tornaria a família muito mais rica, mas traria novamente os garotos juntos. "Michael têm tido um sucesso muito grande," diz Tito, "e algumas vezes, o sucesso dos Jacksons foi enfraquecido. Eu acho que a turnê é uma chance para nós mostrarmos o nosso sucesso também."

Na aparência, tudo parecia bem. Por trás, no entanto, rumores de brigas. Por meses, foi dito que Michael - que demitiu sua equipe de dois empresários no ano passado -  ficou desencantado com Don King, cuja obsessão violenta com auto-promoção não esconde o fato dele não ter nenhuma experiência com divulgação musical. Michael supostamente enviou a King uma carta afirmando em termos inequívocos que King não pode falar ou negociar por Michael. King, cuja ideia de um dia perfeito é poder falar 24 horas, ficou estranhamente mudo. "Votaram pelo nosso silêncio," ele disse, em alusão à filosofia de negócios dos irmãos - de decidir por consenso.

Os boatos corriam de que os irmãos contrataram o executivo fonográfico da MCA, Irving Azoff, ou Graham, ou o promotor de L.A. Jerry Weintraub para cuidar da turnê. Então, em março, Frank Russo, um veterano promotor de Nova Inglaterra, anunciou que ele havia conquistado a honra e que King se tornou uma mera pessoa representativa. Russo se entregou ao lirismo ao descrever como os Jacksons o haviam contratado. "Todos os irmãos me abraçaram, eles abriram champanhe," ele contou ao Providence Sunday Journal. "Eu não conseguia acreditar que isso estava realmente acontecendo a um cara de Rhode Island." Três semanas depois, Russo estava demitido.

As idas e vindas de empresários obscuros, periféricos à criação musical de fato, atrairia pouca atenção exceto por isto: na confusão, a turnê em si foi deixada de lado. Empresariado por consenso pode ser um experimento nobre em uma democracia participativa, mas não está funcionando de forma eficiente. Até a semana passada, nenhuma arena havia sido agendada e nenhuma lista de shows divulgada. Promotores locais acabam lidando com um empresário diferente em cada conversa e saem com nada além de um "talvez" balbuciado.

Arny Granat, o principal promotor de Chicago, conta que já aconteceram literalmente centenas de ligações entre seu escritório e os "15 ou 20" representantes dos Jacksons. "É um pesadelo," conta Granat.

Entretanto, a muito esperada extravaganza nacional se tornou uma turnê encolhida. Segundo uma fonte, a odisseia estava marcada para começar em 8 de maio, em Oklahoma City. Agora, deve começar entre 15 e 22 de junho "em algum lugar no meio" do país antes de percorrer 11 ou 12 outras cidades, conta o coordenador da turnê, Jack Nance. "Ninguém sabe quando ou onde eles vão," diz Vernon Williams do Gary Post-Tribune, um observador de longa data da família. "O negócio todo está envolto em mistério. Primeiro eles iam percorrer 40 cidades, então 30, então 15, agora são 12 e logo mais eles vão poder fazer a turnê inteira sem sair de casa."

As mudanças de datas e os boatos colocaram os Jacksonmaníacos em um frenesi. Em Boston, quando um embate entre Russo e os proprietários do Sullivan Stadium ameaçou privar os fãs da oportunidade de ver os Jackson, o Boston Herald, um jornal local, imprimiu cupons permitindo aos leitores a "marcar este quadrado se você quer que Michael Jackson se apresente em Boston." O jornal foi inundado com milhares de cupons, os quais foram entregues para os Jacksons na Califórnia. Em Detroit, o jornal News imprimiu por engano o seu número de telefone em cima de uma foto de Michael Jackson, e recebeu mais de 100 ligações de crianças que queriam falar com ele: "O Michael está aí? Quando ele estará em casa?"

No estado de Iowa, alunos coletaram 25.000 assinaturas em um abaixo-assinado pedindo aos Jacksons que toquem em seu estado. "Nós poderíamos fazer este show às 4 da manhã no Natal e mesmo assim os ingressos esgotariam," afirma Steve Peters, que agenda a parte de entretenimento da universidade. "Nós não poderíamos pedir mais se os bebês do Cabbage Patch abrissem o show."

Em Tacoma, Washington, em 25 de fevereiro, 14.000 fãs de Jackson lotaram o Tacome Dome para assistir clipes de Jackson e covers do cantor e uma Jackson de verdade, a irmã LaToya, que prometeu à plateia, "Nós definitivamente viremos."

Políticos - que conseguem farejar um movimento popular a uma milha de distância - em todo o país se aproveitaram da jacksonmania. Em Boston, o prefeito Raymond Flynn lançou declaração pública convidando os Jacksons a tocarem no salão da prefeitura. Em Detroit, o prefeito Coleman Young convidou um promotor com supostas ligações com Jackson para sua mansão oficial, na esperança de atrair o grupo para a Arena Joe Louis. Em Iowa, o governador Terry Brandstad entrou em contato com King: "Como governador de Iowa, eu estou escrevendo para persuadir Michael Jackson e a família Jackson a incluir Iowa em sua turnê Victory de 1984."

Mas a cidade natal dos Jacksons conseguiu fazer as outras parecerem apáticas. Em Gary, o prefeito Richard Hatcher está circulando um abaixo-assinado, e o presidente da câmara municipal, Dr. Vernon Smith, solicitou 5.000 cartas das crianças da cidade pedindo que o grupo vá se apresentar. Os pais da cidade falam em transformar a casa da família em um ponto de referência. Em 20 de abril, a cidade promoveu um evento chamado "Michael Jackson Venha para Casa", que contou com 27 participantes em três diferentes concursos de covers de Michael Jackson.

"Digam, 'Michael, Gary ama você!'" o mestre de cerimônias, Bobbie Wilson, gritava ao microfone.
"Michael, Gary ama você!" o rugido ressoou.
"Digam de novo!" Wilson gritou.
"Michael, Gary ama você!"
"E de novo!"
"Michael, Gary ama você!"

Até o momento, nem Gary ou qualquer outra cidade sabem se Michael irá corresponder a este amor em pessoa. 




 Traduzido por Bruno Couto Pórpora