domingo, 6 de outubro de 2013

Pepsi investiga danos à imagem de Michael (Folha de S. Paulo, Outubro 1993)

Folha de São Paulo, 6 de outubro de 1993
Por Nelson Blecher

Cachê do cantor pode chegar próximo a US$2 milhões; investimento em mídia e promoções atinge o dobro


A Pepsi está monitorando, através de pesquisas, o impacto das recentes acusações de abuso sexual contra o cantor Michael Jackson feitas em Los Angeles pelo pai de um menino de 13 anos.

A Pepsi, que patrocina a turnê Dangerous, afirma que está bancando boa parte dos custos dos shows no Brasil. O cachê de Michael é estimado entre US$1 milhão e US$2 milhões. Os shows no Morumbi, nos próximos dias 15 e 17, têm apoio da Folha.

A revelação foi feita à Folha por Gerry Schmidt, 41, diretor de marketing da Pepsi-Cola do Brasil. "As pessoas estão a favor do cantor," disse Schmidt. "Levantamentos já conduzidos em vários países-chaves indicam que a maioria dos consumidores não acredita que Michael seria responsável (da acusação)". Na pesquisa Datafolha realizada em 28 de setembro, 72% dos entrevistados declararam não acreditar nas acusações.

O executivo, sem revelar detalhes, afirma "não existir risco de danos à imagem" do cantor, que se mantém vinculada à da Pepsi há nove anos.

A filial brasileira reservou US$4 milhões de seu orçamento anual de US$30 milhões em investimentos promocionais e de mídia. "Trata-se de capitalizar o contrato assinado dois anos atrás," diz Schmidt, ao acrescentar que se trata da maior negociação já registrada entre um popstar e uma empresa."

O primeiro contrato de patrocínio foi firmado com a família Jackson em janeiro de 1984. Antes da assinatura, a Pepsi se assegurou de que os Jackson não tinham problemas com drogas, nem opiniões políticas. O contrato custou à companhia US$5 milhões, considerado caro à época.

A expectativa da Pepsi é de aumento "expressivo" de vendas do refrigerante, tal como, segundo ele, vem ocorrendo nos mercados por onde passa o furacão musical. "Quando ele cantou no Japão, em dezembro de 1992, houve um crescimento de 50%," diz Schmidt. "Projetamos aumento de 25%".

"O Brasil está pegando uma belíssima carona," diz ele, ao acrescentar que o verdadeiro alvo da turnê é Buenos Aires, onde cada ingresso custará US$100, em média, e só a arrecadação de bilheteria deve render US$20 milhões.

Para "capitalizar" a presença do cantor, a Pepsi veicula dois comerciais em rede nacional ("Dreams" e "I'll Be There"). Anúncios em jornal e outdoor completam a programação.

Estrela tumultua filmagens

O início do relacionamento entre Michael Jackson e a Pepsi-Cola nada teve de lua-de-mel. A estrela fez o presidente da Pepsi dos EUA, Roger Enrico, comer, ou melhor, beber em sua mão.

A Pepsi queria estrear os dois primeiros comerciais no final de fevereiro de 1984, durante a entrega do prêmio Grammy. As filmagens foram atropeladas pelo perfeccionismo do cantor. Michael não gostara da música. Exigia que o close não ultrapassasse quatro segundos.

O pessoal da Pepsi descobriu que a Quaker Oats oferecera US$10 milhões, o dobro do cachê estabelecido. A oferta foi depois retirada. Mas Michael insistia em que a câmera desgrudasse de seu rosto.

Convencido pela família, concordou em honrar o contrato desde que fosse usada a música Billie Jean, o hit do ano. Quando tudo parecia certo, explodiu a bomba.

No dia 27 de janeiro, uma fagulha que escapou dos fogos de artifício usados no estúdio de gravação do comercial Espaçonave - que custou US$20 mil por segundo - transformou os cabelos do cantor numa tocha. Os executivos da Pepsi tremeram com a possibilidade de seus fãs boicotarem o consumo do refrigerante.

Os atritos prosseguiram na fase de edição. Faltava um dia para o Grammy e um porta-voz de Michael ameaçava a companhia. O cantor havia feito cortes em tomadas de cena, mas algumas cópias originais ainda não tinha sido substituídas.

A estréia compensou o nervosismo. A Pepsi foi para as manchetes, tal como nos anos 50, quando o então dirigente russo Nikita Khruschov bebeu o refrigerante da marca.

"Com esses dois comerciais, Michael Jackson transformou uma companhia", escreveu Enrico em seu livro autobiográfico. "E o Ouro Vacilou" (Ed. Bertrand Brasil), em que narra esses episódios.



Cantor criou fundação

A turnê Dangerous também divulga e arrecada fundos para a Heal The World, organização internacional criada por Jackson para canalizar recursos para crianças carentes para programas de vacinação, combate à fome e à violência.

A Fundação recebeu, na primeira parte da turnê Dangerous, em 92, doações de cerca de US$750 mil da Pepsi Internacional.

Em 92, os recusos da fundação concentravam-se em projetos em Sarajevo.


Show recruta coro de órfãos

 
A produção dos shows de Michael Jackson no Brasil já começou a contatar instituições beneficentes para recrutar as 20 crianças órfãs que cantarão com o popstar nos shows dos dias 15 e 17. As crianças, por determinação da produção internacional de Dangerous, deverão ter entre 5 e 10 anos e medir de 1 a 1,1 metro. As escolhidas vestirão trajes típicos de vários países.

"Estávamos selecionando crianças de escolas americanas, mas recebemos instruções de que elas devem ser órfãs, carentes e de várias raças," diz Fábio Almeida, 28, responsável pela seleção e ensaio do coro. No show, as crianças acompanham Jackson na música Heal The World, que fecha o espetáculo.