Folha de São Paulo, 3 de setembro de 1987
Por Angela Marsiaj
MICHAEL JACKSON ESPECIAL - Anteontem, às 21h25, na Rede Globo. Lançamento do LP Bad com trechos sobre a vida do cantor e um curta (18 minutos) de Martin Scorsese sobre a faixa-título.
A televisão torturou os espectadores na primeira parte de "Michael Jackson Especial" - programa de lançamento do LP Bad - à espera de algo novo. O que valeu à pena, o curta de Martin Scorsese sobre a faixa-título, só foi transmitido nos 18 minutos finais. No Brasil, houve ainda um agravante: o programa chegou com um dia de atraso em relação à data mundial por opção da Rede Globo em respeitar artistas e público do Viva o Gordo, segundo fontes da emissora.
Do lançamento em si, na primeira parte, nada. Só velhos clips, cenas repetidas e a mesma lenga-lenga superficial sobre a história do cantor e compositor que qualquer fã conhece. Nada realmente informativo e, infelizmente, nada de palavras do próprio Michael Jackson. Claro, faz parte do seu mito o fato de ele ser recluso. Mas que não fosse isso. Qualquer coisa um pouco mais jornalística, em cima do fato, já teria servido de alimento mais rico ao espectador, que ficou sem conhecer a maioria das faixas do novo disco. Marketing. O remédio é comprar.
A Rede Globo, que havia anunciado uma parte de produção brasileira, restringiu-se a incluir a apresentação do ator Miguel Falabella. A medida que o programa avançava, o ator ia se travestindo de Michael Jackson nas diversas fases e ganhava ares de palhaço patético ao narrar. O texto dito por ele chegava a comparar Jackson - com sua vida de isolamento - ao cidadão Kane do filme de Orson Welles ou ironizava dúvidas sobre ele ser gay ou não.
Dos longos minutos de espera pelo clip da faixa título Bad, só uma coisa se salvou: os comerciais da Pepsi-Cola. Um mostrou um garotinho louro que entra no camarim de Jackson aproveitando sua ausência, veste seu casaco e óculos, e no final ouve a pergunta do cantor em "off": "Está procurando por mim?", dita em inglês. Outro colou Evandro Mesquita - por incrível que pareça - numa parceria com Tina Turner, cantando o refrigerante. Afinal, os comerciais terminavam com Pepsi Cola Music.
Filme de Scorsese
Mas o tédio da espera teve a recompensa dos 18 minutos finais: um curta de ficção de Martin Scorsese (diretor de Taxi Driver). Curioso é que a trama do filme parece repetir a história de Michael Jackson. Parece mesmo uma resposta aos detratores do cantor. O menino negro que, após operação plástica e tratamento com cremes, embranqueceu e efeminou-se, encontra seu espelho no aluno Daryl, o único negro numa escola para rapazes grã-finos, interpretado por Michael Jackson.
No filme, Daryl volta da escola interna - onde tinha amigos que se orgulhavam dele - para casa. Chega após viagens de trem e metrô ao bairro negro e pobre de onde veio, encontrando-se com a rapaziada barra pesada do lugar. É obrigado a enfrentrar a cobrança dos antigos companheiros: "Você é 'bad'?" ("bad" aí não é apenas mau, na negativa, mas um valor, o valor). Testado, Daryl não consegue roubar e agredir um homem nos corredores do metrô e faz com que ele fuja da gangue.
Toda a historinha é filmada com a sobriedade do preto e branco. Após o fracasso, Daryl/Jackson não desiste e aí sim mostra a que veio. Na sequência vem o videoclip da faixa-título Bad. O filme ganha cores, edição veloz. A coreografia, dele, Gregg Burge e Jeffrey Daniel, junta dançarinos homens com aspecto agressivo, à la Thriller, movendo-se em bloco (aliás, sobre semelhanças, experimente cantar o refrão "I'm bad, I'm bad" sobre o baixo básico de Thriller).
A alta-voltagem do clip e de Michael Jackson só diz uma coisa: Quer ver o que é "bad"? Tome "bad". A música é a resposta e Jackson pergunta: "Quem é 'bad'?" Após a demonstração de força de Daryl/Jackson, com o que ele sabe fazer de melhor, vem a reconciliação com sua antiga comunidade: ele e o líder da gangue trocam um cumprimento de mãos característico negro. Volta o preto e branco do filme.
Apesar do curta de Scorsese, o conjunto da apresentação é comparável àqueles jantares de cardápio fraco em que se avisa: "Poupe-se para a sobremesa, é o melhor". O doce é bom. Mas todo mundo sai da mesa com fome.