The Atlantic, 11 de setembro de 2012
Por Joseph Vogel
As histórias por trás destas faixas que finalmente verão a luz do dia no re-lançamento de 25 anos do álbum
No final de 1986, Michael Jackson andava pelo Studio D de Westlake cantando para si mesmo, "I feel so bad, I feel really bad, God music makes me feel good."
"Na época, nós não tínhamos idéia que o nome do álbum iria ser Bad," brinca o assistente de engenharia de som, Russ Ragsdale.
Não foi a única revelação para a equipe de Westlake. Acabou que, no intervalo entre Thriller o começo oficial das sessões de Bad, Jackson havia composto certa de 60-70 músicas novas. Onze terminaram no álbum oficial, deixando númerosas faixas maravilhosas em vários estágios na sala de mixagem.
Ao longo dos dois últimos anos, sob a direção do Espólio de Jackson, uma equipe cuidadosamente arquiva e digitaliza estes demos. "Algumas das faixas que encontramos são demos muito cruas," conta o co-executor do Espólio de Jackson, John Branca. "Algumas estavam tão completas que qualquer outro artista exceto Michael Jackson poderia considerá-las prontas. E outras estão no meio termo." Destas, seis demos foram escolhidas para o Disco 2 do box set de Bad 25 (a ser lançado em 18 de setembro).
Recentemente eu pude escutar com exclusividade a estes demos nunca lançados. Eu fiquei impressionado pela qualidade e pelo acabamento delas. Não são meros fragmentos de canções. Enquanto a produção em algumas delas soa um pouco datada, todas tem ótimos hooks e refrões. O que as torna muito especiais, no entanto, é a sua autenticidade. Nenhuma delas recebeu uma roupagem moderna. O que elas oferecem é um retrato mais íntimo de Jackson, o artista fonográfico, em seu período de 1985-87. Nós escutamos suas idéias, seu calor, sua dor, seu humor e sua energia. O melhor do pacote, para mim, é a maravilhosa balada mid-tempo I'm So Blue, embora duas faixas mais agitadas também tenham se tornado favoritas minhas, Price of Fame e Al Capone. Cada uma das seis demos (e duas que haviam sido lançadas anteriormente) contém sua marca única - e a mais importante, todas são 100% reais, Michael Jackson puro.
O que se segue é uma crítica faixa-a-faixa com informações adicionais do engenheiro de som e amigo de longa data de Jackson, Matt Forger:
"Don't Be Messin' 'Round"
Eu escrevi um longo artigo sobre a criação desta contagiante faixa (você pode lê-lo aqui), com estilo de Bossa Nova, em junho quando ela foi lançada como B-Side com a balada No. 1 de Jackson, I Just Can't Stop Loving You. Uma favorita dos fãs (e uma música que Jackson trabalhou durante muitos anos e pela qual ele tinha grande afeição), é uma abertura apropriada para esta coleção. Alguns dizem que seria fascinante para os ouvintes escutarem as versões extendidas (muitas das músicas e demos de Jackson têm versões mais longas que ele relutantemente diminuía a pedido de Quincy Jones) assim como suas posteriores reencarnações.
Matt Forger: "O que eu amo nestes demos é a sua crueza. Michael tinha a liberdade de se expressar sem ter de pensar, 'Oh, Quincy vai julgar os vocais, ou ela tem de ser perfeita.' É apenas Michael indo em frente, experimentando, se divertindo."
"I'm So Blue"
Esta é uma balada simples mas linda que fala sobre afastar a tristeza. Seu sentimento lânguido e melancólico é reforçado por um teclado exuberante, acordes e gaita. Ela evoca um crepúsculo quente de verão, enquanto Jackson narra um conto de amor perdido. "Still I'm crying/Tell me what should I do." O refrão sem palavras (sha da da da da da da) é um suspiro resignado. Como os antigos homens do blues, ele se refugia de sua solidão e tristeza na música.
Matt Forger: "Esta é uma música que Michael trabalhou comigo e com Bill Bottrell. Já estava mixada naquela era. É um mid-tempo, melancólico, tipo de música para se ouvir num dia chuvoso perto da lareira. Lembra um pouco Stevie Wonder - a harmonia, a tonalidade. Stevie era uma grande parte da vida de Michael. Não é incomum você ver esta influência no trabalho dele."
"Abortion Papers"
Jackson não é o primeiro artista fonográfico a explorar o polêmico tema do aborto em uma música. Ele também já apareceu no trabalho de Neil Young, Madonna, Sinead O'Connor e Lauryn Hill, entre outros. Em Abortion Papers, Jackson aborda o assunto cuidadosamente (e de forma ambíguia); ao invés de apresentar uma perspectiva política dogmática, ele a personaliza através da história de uma garota em conflito, criada em uma casa profundamente religiosa com seu rígido pai leitor da Bíblia. Em suas notas sobre a faixa, Jackson escreveu, "Eu tenho de fazê-la de modo que eu não ofenda as garotas que fizeram aborto ou as traga sentimentos de culpa, então tem de ser feito com cuidado... Eu tenho que pensar muito sobre isso." Jackson narra a faixa com um vocal forte e apaixonado. Ironicamente, o melhor da faixa é que ela contagia. Parece um pouco estranho querer dançar e cantar uma música sobre aborto, mas é exatamente o que o groove viciante inspira. Parabéns a Jackson por tentar abordar um assunto sensível de forma responsável, embora pareça que até mesmo ele não tinha certeza de como seus ouvintes a levariam.
Matt Forger: "Esta foi a música que inicialmente perdemos durante o processo de arquivar. Estava entitulada 'Song Groove' na caixa, então passou despercebido. Quando nos tocamos qual faixa era, começamos a montar o quebra-cabeças. Foi gravada por Brian Maloof e Gary O., dois engenheiros de som que trabalharam com Michael por um breve período. Quando a escutamos nós sabíamos que seria polêmica, especialmente com o que anda acontecendo politicamente. Mas quando você escuta a música, há uma história sendo contada. Michael realmente refletiu sobre como a abordagem deveria ser. Ele não estava certo sobre como narrá-la. Havia variações diferentes de vocais - ele não queria que fosse uma crítica. Ele foi bem claro em relação a isso. Mas ele queria apresentar uma situação real e complicada."
"Free"
"Got to be free," exclama Jackson ao final desta alegre balada. Seu vocal soproso e brilhante trás de volta a vitalidade da era Jacksons/Off The Wall. Os versos nesta faixa estavam claramente sendo trabalhados, mas o refrão ("Free, free like the wind blows/To fly away just like the sparrow...") e a harmonia são o suficiente para mandar para longe as precoupações do dia. Bela canção.
Matt Forger: "Em alguns momentos, voltar e ouvir estas coisas novamente foi uma experiência muito emocionante para mim. Este foi especialmente o caso quando eu comecei a trabalhar na canção Free. Quando você ouve essa canção, você ouve o espírito e a alegria de Michael. É crua, é solta, é ele em seu elemento, fazendo o que ele amava fazer. A primeira vez que eu a escutei, eu chorei. Ela soa como os nossos dias no estúdio."
"Price Of Fame"
Um dos temas recorrentes no trabalho de Jackson - penetrante no álbum Bad e em seus outtakes - é sobre estar no controle vs. ser controlado. Dada a natureza de sua vida, especialmente depois de Thriller, esta preocupação faz sentido. Como ele mantém sua identidade, sua sanidade, sua privacidade em meio ao sufocante escrutínio, adulação e expectativas? Fora deste contexto vem a ruminação psicológica sombria, Price Of Fame, com sua abertura ao estilo de Spirits in a Material World do Police e versos a lá Billie Jean (também tem os acordes que ecoam Who Is It). "Father always told me you won't live a quiet life," ele canta, "if you're reaching for fortune and fame." O vocal é encharcado com uma dolorosa ironia. Enquanto Billie Jean narra o apelo de uma mãe para ser "cuidadoso com quem você ama," aqui o pai domina com duros ditados sobre a realidade do show business. "It's the price of fame," Jackson canta no refrão. "So don't you feel no pain/It's the price of fame/So don't you ever complain." Embora a produção não esteja completa para os padrões de Jackson, ela oferece um vocal poderoso (ouça a maneira como ele ataca o verso "My father never lies!"). É uma justaposição marcante à felicidade fácil da faixa anterior, revelando o porque ele tão desesperadamente desejava voar e ser "livre".
Matt Forger: "Bill [Bottrell] e eu trabalhamos nesta e eu acredito que esta é a mixagem de Bill daquela época... Você pode notar que é uma música carregada emocionalmente. É claramente baseada na experiência dele. Mas Michael muitas vezes fazia canções que eram baseadas em sua experiência mas se misturavam com outros personagens e em experiênciais de outras pessoas também."
"Al Capone"
Al Capone soa tanto como Smooth Criminal como Streetwalker soa como Dangerous (ou seja, não são muito parecidas). Em ambos os casos, no entanto, Jackson tomou elementos que ele gostava e os transformou em algo completamente novo. É uma prova dos instintos, paciência e ética de trabalho de Jackson. Embora esta versão anterior tenha grande potencial (e provavelmente teria sido lançada por muitos contemporâneos de Jackson na forma como está), ele a guardou e veio com o clássico atemporal que é Smooth Criminal. A demo também demonstra o notável talento de Jackson por refrões que grudam. Uma audição e aquelas harmonias em falsete irão ligar o repeat do seu cérebro.
Matt Forger: "Este é um exemplo de uma música onde uma parte dela inspira a próxima versão da canção. Houve muitos casos em que Michael fez isso, onde ele se enfurnava dentro de uma canção e refinava conceitos, ou letras ou melodias. A linha de baixo em Al Capone - você pode ver como ela evoluiu para Smooth Criminal. E todo o tema gangster seguiu junto - embora quando tenha evoluído tenha se tornado menos sobre uma figura histórica particular e mais sobre uma situação e história. Você também pode ouvir Michael experimentando com esse tipo de vocal staccato, este jogo de palavras rápido que ele usaria mais tarde."
"Streetwalker"
Streetwalker mantém o seu lugar como um dos melhores outtakes da era Bad (seguido de perto pelo destaque não incluído, Cheater). Embora tenha sido lançada em 2001 na edição especial de Bad, é bom tê-lo nesta coleção já que ele se encaixa perfeitamente com o material do álbum e agora será ouvido por mais milhões de pessoas. Jackson queria colocar a faixa na lista final de Bad, mas eventualmente concordou com Quincy Jones em trocá-la por Another Part of Me. A canção apresenta uma arrasadora linha de baixo, gaita de blues e um vocal clássico de Jackson.
"Fly Away"
Também lançada originalmente na edição especial de Bad em 2001, esta bela balada é pura felicidade sonora. Ao contrário de alguns dos demos iniciais de Hayvenhurst, a produção aqui é pura e exibe a voz de Jackson em forma sublime.
Remixes:
Há um punhado de remixes no final do Disco 2 destinados, sem dúvida, a introduzir Jackson para uma nova geração de ouvintes. De longe, o melhor destes o altamente energético remix de Speed Demon feito por Nero. Parece que poderia ser um sucesso nas boates ou no rádio hoje.
Traduzido por Bruno Couto Pórpora