segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Pressão Para Superar Thriller (Spin, Julho 1987)

Spin, Julho de 1987
Por Quincy Troupe

Michael Jackson enfrenta o desafio monumental de superar Thriller. Já um ano atrasado nas gravações de seu disco, cercado por sua família e sua religião, o maior popstar do mundo está com medo

É outubro de 1986 e Michael Jackson está enfurnado em um estúdio de música em West Hollywood, tentando finalizar a sequência de Thriller, o disco mais vendido de todos os tempos. O novo álbum está em produção há já mais de um ano e está atrasado. Alguns problemas aconteceram.

Os últimos quatro anos não foram tão bons para Michael Jackson. Desde Thriller e a desastrosa Victory Tour dos Jacksons, ele conseguiu desencadear a maior repercussão da história do entretenimento. Aconteceram amargas brigas em família, um cisma com as Testemunhas de Jeová, amizades interrompidas com Diana Ross e Paul McCartney e a sina de celebridade maior do que a vida que o levou a se isolar. Até na solidão notícias de suas cirurgias plásticas e sua câmara hiperbárica conspiram para torná-lo uma piada nacional - uma piada repetida sempre que outro ítem irrelevante de merchandise de Michael Jackson chega às lojas. Em tempo recorde, ele passou de ser uma das celebridades mais admiradas para uma das mais absurdas. E a pressão para se restaurar aos olhos do público está paralisando-o.

"Ele tem medo de terminar o disco," diz um sócio de Jackson. "Quanto mais perto chega de terminá-lo, mais aterrorizado ele fica em relação à confrontação com o público. Quincy Jones só pôde protegê-lo até uma certa altura, mas quando ele deixa o estúdio está tudo lá. Ele é lembrado de que todos estão esperando por este disco e ele volta de novo para a concha. Ele está com medo."

A primeira coisa que as pessoas que o conhecem contam para você é que existe o Michael e existe a entidade corporativa chamada "Michael Jackson". "Ele tem uma personalidade dupla," conta um membro de sua equipe. "Ele é muito esperto e brilhante de forma auto-destrutiva. Ele tem um Q.I. extremamente alto e algumas manias e transtornos de personalidade. Ele pode ter seis ou sete lados dentro de si e todos eles estão competindo um contra o outro."

Ao longo do último ano, Quincy Jones devotou seu tempo para salvar Michael Jackson de Michael Jackson. Desde o último inverno, no entanto, Jones tem perdido a batalha. Michael Jackson faz mais e mais contratos - filmes, comerciais, refrigerantes, roupas, brinquedos, perfumes. Tudo isso o distrai de fazer o álbum; ao mesmo tempo, tudo isso depende do lançamento do álbum. Encontrar um caminho dentro desde impasse para fazer um álbum que poderia possivelmente superar Thriller é o maior desafio que Michael já enfrentou.

É um dia claro e ensolarado em West Hollywood. Para o norte, as montanhas de Hollywood parecem majestosas diante de tantos outdoors, palmeiras, lava-rápidos, lanchonetes e mini-mercados que dominam o sedento distrito. De noite, a área se transforma num local para prostitutas, michês e travestis. É o perfeito lugar para quem procura pelo anonimato.

O Westlake Studio é um segredo bem guardado, um prédio de tijolos vermelhos com janelas pintadas. Nenhuma placa sinaliza sua locação; ele se une perfeitamente à arquitetura dos prédios vizinhos. Mas no beco apertado atrás do Westlake estão Mercedes, Rolls-Royces, Ferraris e limusines com vidros escurecidos.

Dentro do estúdio, Michael Jackson anda enquanto o tocador de órgão Jimmy Smith grava faixas para uma canção chamada Bad. É uma canção forte e arrogante sobre o que um jovem pode fazer na cama, aparentemente feita para o estilo de swing marcante de Smith. Ele fez um take maravilhoso após o outro, improvisando solos com um sorriso enorme.

Mas Michael quer algo mais. Depois do playback, ele ouve Lola Smith perguntar se todo mundo percebeu os grunhidos de Smith enquanto ele tocava. Agora Michael quer esses grunhidos gravados, diz que ele precisa tê-los em fita. Smith volta para a cabine de gravação para tocar novamente, desta vez com grunhidos funky. Durante estes takes, Michael sai de sua toca, se remexendo e batendo o pé. Ele não fala muito, exceto com Jones ou Frank DiLeo, seu empresário baixinho e gordo, que acaba de chegar ao estúdio em meio à fumaça de seu charuto.

Enquanto Michael mordisca uma româ e sussurra ao ouvido de DiLeo, Smith começa outro solo, este ainda mais surpreendente que os outros. Ele termina o take e retorna para a cabine, suando e cambaleando como um homem que transou a noite toda. Michael o abraça calorosamente.

Este é o Michael que é um prazer de se trabalhar, um abençoado compositor e brincalhão. Quincy Jones o assiste com óbvia satisfação. Os problemas do ano passado parecem terem ficado no passado. Os muitos Michaels se uniram a um e ele está no estúdio trabalhando bem.

As coisas não foram sempre tão fáceis. Michael demanda constante estimulação. Ele é infantil mas dominador, perspicaz mas distraído. Ele é rico e poderoso, mas também uma criança insegura. Ele pode ser doce de forma angelical ou cortantemente frio. Todo capricho seu é realizado. Ele consegue o que quer, mas apenas enquanto ele vive na sua concha de isolamento.

A intimação de que ele está escondendo algo é vital para o mistério de Michael, o que o torna uma estrela. E sua fiel relação com as Testemunhas de Jeová é o seu segredo mais ilusório. O que os outros suspeitam ser uma forma de sexualidade subterrânea ou sombria pode ser justamente apenas o oposto: uma reflexão sobre as severas proibições das Testemunhas contra sexo e fantasias sexuais. Se proliferam histórias de que ele não permite nem brincadeiras com conotação sexual na sua presença. As pessoas que trabalham com ele têm de aprender a viver com isso.

Algumas vezes a tensão até atinge Michael. Entre as crenças das Testemunhas de Jeová estão - um apocalipse em que apenas as Testemunhas sobreviverão, duras sanções contra o sexo antes do casamento e a homossexualidade e avisos contra o contato com este mundo secular. Michael se rebelou em sua música, especialmente em Thriller, que era muito sobre o que as Testemunhas abominam - sexo adolescente, sexo fora do casamento, mães não casadas, gangues, vampiros. Foi apenas uma revolta simbólica, mas uma revolta potente que tocou milhões de vidas.

E enviou ondas de choque para as Testemunhas. No Kingdom Hall que Michael frequenta em Encino, houve uma divisão entre seus jovens fãs das Testemunhas e os anciãos, que já haviam comunicado avisos velados sobre seu sucesso, pregando para ele contra o pecado do orgulho. O video de Thriller, com suas sugestões de vampirismo e estranhos rituais sexuais, trouxe tudo de novo à tona. Logo aconteceram reuniões fechadas entre Michael e os anciãos, discussões sobre o estado da sua alma e os efeitos catastróficos de seu video.

Quando Thriller se tornou um sucesso sem precedentes na MTV, a central das Testemunhas de Jeová em Nova York lançou um comunicado oficial o condenando. Em Los Angeles, Michael foi chamado para ainda mais reuniões com os líderes da religião. Rapidamente após estas reuniões, Michael deu sua própria declaração repudiando o video, prometendo nunca mais apresentar tais imagens ou idéias novamente. A humilhação pública o deixou abalado.

Também haviam problemas em casa, especialmente em torno do patriarca Joe Jackson - se intensificando com o sucesso de Michael. Michael terminou o contrato do seu pai pela primeira vez em 1981. Assim que sua carreira solo decolou, o rancor cresceu entre seus irmãos, estimulados pelas maquinações do pai. Um por um, cada um dos irmãos Jackson lançou álbuns solo - e um por um foi um fracasso. Então, em 1979, Michael lançou Off The Wall, que vendeu o número impressionante de 7 milhões de cópias. Depois disso, alguns dos Jacksons pararam de se falar e culparam Michael pelo fracasso do grupo.

Quando Joe Jackson reapareceu na vida do filho após Thriller, gerou uma intensa luta entre Michael, Joe e uma horda oportunista de produtores, promotores e amigos. Usando do medo de Michael de ter traído e abandonado os seus irmãos, Joe conseguiu abrir o seu caminho pelo menos parcialmente de volta para a vida do filho. Logo ele estava novamente fazendo negócios no nome de Michael. Ele se juntou a um grupo de produtores em Hollywood para fazer um filme baseado em Beat It, que o próprio Michael estrelaria. Michael não sabia nada sobre isso e eventualmente repudiu qualquer envolvimento com o filme.

Mas nenhum dos projetos ligados ao nome de Michael - que se tornava a cada dia mais rentável - era tão grande quanto o que o promotor de boxe Don King sonhou: uma turnê de reunião do Jackson 5. King contornou Michael e foi falar diretamente com seus pais, oferecendo a Joe e sua esposa, Katherine, milhões para serem seus parceiros na turnê. Enquanto King manipulava Joe, Joe manipulava Michael. Os planos de Michael envolviam uma turnê solo gigantesca para apoiar Thriller, assim como vários projetos cinematográficos, mas a pressão de seu pai e seus irmãos finalmente se tornou grande demais e ele sucumbiu aos seus desejos. A turnê e o álbum que seria montado para justificar sua existência foram chamados de Victory.

Foi um desastre. Michael foi hospitalizado quando seu cabelo pegou fogo durante as filmagens de um comercial para a patrocinadora da turnê, a Pepsi; ameaças de boicote de grupos da comunidade negra por conta dos preços exorbitantes dos ingressos; King foi reduzido a pessoa representativa e trocado pelo dono dos New England Patriots, Chuck Sullivan, que perdeu milhões na turnê e teve de vender seu estádio para cobrir as perdas.

Embora Michael tente preservar a imagem pública de uma família harmoniosa, era impossível disfarçar a crescente inveja. Terminados os shows, com suas obrigações cumpridas, ele queria seu passe. "Foi devastador," disse Joyce McCrae, um amigo de longa data da família e também empregado. "Culminou na pior experiência que Michael já viveu com sua família. O sucesso tremendo dele afetou cada membro da família. Alguns estão com inveja. Jackie é o mais amargo, o mais machucado pelo sucesso de Michael, porque ele acha que deu espaço ao Michael no Jackson 5 em primeiro lugar. Ele também é o mais velho. Há essa presunção de que ele criou o Michael."


(parte 2) 

Michael Jackson entra no quieto estúdio em West Hollywood vestido com uma camisa vermelha, calças pretas (adornadas por um cinto marrom com uma águia dourada na fivela), meias brancas e alpercatas pretas. Ele usa óculos escuros ao estilo dos anos 50, um fedora marrom e seu longo cabelo encaracolado está preso em um rabo de cavalo. Um chimpanzé também vestido senta em seu ombro por um minuto, em seu colo por outro.

Em um lado do estúdio, uma mesa repleta de frango frito, salada de batata e vegetais foi arrumada. Os homens-chave estão presentes: Quincy Jones, que está sentado no chão, tomando notas entre garfadas; Bruce, o engenheiro de bigode; e Frank DiLeo, sentado perto da mesa de controle e enviando longas cortinas de fumaça para o teto. Eles estão fazendo uma pausa antes do grupo Run D.M.C. entrar para colaborar em uma faixa anti-crack. Michael está sentado ao lado de um piano e fala pouco.

Aos 29, Michael Jackson mal parece ter 19 anos: com sua pancake branca no rosto, ele parece um fantasma. Assimilação tradicionalmente é um fenômeno social - negros, hispânicos e asiáticos se moverem para a cultura branca assim que prosperam - mas Jackson o redefiniu. Através de cirurgias plásticas e cosméticas, ele assimilou a si mesmo biologicamente, se recriando caucasiano.

O Run D.M.C. entra cambaleando no estúdio vestidos de preto - chapéu preto, camisa preta, calça preta - exceto pelos casacos brancos da Adidas e suas longas e grossas correntes de ouro em volta do pescoço. "Yo, e aí?" eles gritam para Quincy ao invadirem o estúdio.

Jones os abraça e os apresenta a Michael. Eles parecem surpreendidos com esta presença quieta e tímida, como se eles pensassem que o Michael Jackson verdadeiro seria diferente. Segundos passam, pontuados pelo silêncio. Os rappers então se viram e começam a fazer barulhos uns com os outros. E Michael flutua em sua calma, de volta para algum lugar sereno onde ele vive a maior parte do tempo.

O encontro perturba o Run D.M.C. Eles parecem não dar certo com o rap anti-crack - alguma coisa, de acordo com Jones, está faltando nas letras. Ele diz a eles para tentarem seu rap com mais sofisticação - metaforicamente, simbolicamente. Eles trabalham nele novamente mas não conseguem apresentar nada novo até o momento de irem embora. Michael coloca seus fones de ouvido e quietamente se dirige até a cabine de gravação. Ele ficará ali até tudo estar pronto.

Até no exílio, Michael não encontrou paz. "O ataque da mídia começou novamente," diz Joyce McCrae. "Então ele se isolou ainda mais para se proteger, e fica na companhia de pessoas como Elizabeth Taylor e outros que o aceitam como ele é, porque eles também foram atacados pela mídia e entendiam o que ele estava passando. Michael obviamente encontrou modos de lidar com a dor causada pela mídia. Você constrói um muro em torno de você e tenta fazer coisas para se tornar imune a dor sem perder sua humanidade. Esta é a parte difícil, se manter humano."

Muitos dos ataques vêm de críticos brancos de rock que de repente parecem se ressentir do sucesso sem paralelos dele. Jackson não se encaixa no modelo de idolatria dos críticos de rock. Alguém como Bruce Springsteeen toca a guitarra, compõe canções que são objeto de estudo literário e dança como um cara branco. Enquanto Michael Jackson representa uma herança cultural negra que os críticos brancos de rock não conhecem ou prefeririam apreciar nostalgicamente de alguém que já morreu.

Cada vez mais Michael se enclausurou em sua mansão em Encino, Califórnia. A mansão está atrás de um portão preto enorme, que é vigiado o tempo todo. A única coisa que os fãs que se amontoam em torno dela verão será os vidros escurecidos das limusines que entram e saem.

Dentro da mansão, Michael criou seu próprio mundo de fantasia, inspirado pela imaginação de Walt Disney. "Eu fui vê-lo a respeito de uma música," conta um compositor, "e enquanto eu estava sentado na sala de estar esperando por ele, eu tive essa sensação de que ele estava no cômodo, me vigiando. Então ele entrou, nós conversamos e ele simplesmente desapareceu. Eu olhei para o jardim e ele estava entre os arbustos e as árvores, perseguindo uns animais. Ele era como um deles."

É possível que o seu recuo a um mundo infantil tenha salvo a sua vida. "Você tem de entender que ele foi assediado," diz McCrae. "Ele já foi empurrado, já teve sua jaqueta rasgada de suas costas, já teve gente tentando cortar o seu cabelo pra guardar de recordação. Você já pensou como é assustador ter alguém vindo até você e te pegando pelo pescoço!"

"Ele não é realmente feliz," conta Dennis Hunt, crítico musical dos Los Angeles Times, que conhece Michael há muitos anos. "Ele foi afetado pela pressão de não ter privacidade. E as pessoas que o conhecem dizem que isso finalmente o atingiu, e ele está se afastando das pessoas. Ele não lida mais com as pressões como lidava antes. De forma alguma ele vai voltar a viver no mundo real novamente. As pessoas achavam que em algum ponto ele iria superar isso e se abrir, mas agora é impossível. Por causa do nível de estrelato que ele atingiu, ele está sozinho a maior parte do tempo, exceto por ter de lidar com membros de sua família, alguns amigos e seus animais."

Mas se o exílio de Michael parece ser um refúgio do mundo, foi sem dúvida uma cobertura esperta para o seu próximo passo. No último mês de março, ele embarcou numa longa e complexa campanha para comprar o catálogo de 4,000 músicas ATV Music, que continha todas as músicas dos Beatles. Com um time de advogados, ele executou um brilhante passe em seu amigo Paul McCartney, que também estava tentando comprar o catálogo, e pagou $47.5 milhões para fechar o negócio. Foi um golpe que causou tensão na sua amizade com McCartney.

Sua relação com Diana Ross está em declínio há muito tempo, o que sugere que ele finalmente se livrou da forte influência que ela tinha sobre ele desde os primeiros dias da Motown, quando ela o fez se mudar de sua casa para morar com ela. "Ela era a superestrela da Motown e ela estava no nível que Michael buscava conquistar," diz McCrae. "Diana certamente foi a sua primeira impressão de celebridade. Ele gostava do modo como ela lidava com as coisas, seu estilo e tentava imitá-la. Eu acho que Michael mudou de opinião sobre Diana desde que ele começou a andar com Elizabeth Taylor, Jane Fonda, Sophia Loren, Liza Minnelli e Katharine Hepburn." No último verão, quando Ross casou com um banqueiro noruegano, Michael se recusou a ir ao casamento.

Enclausurado em sua mansão em Encino, alienado da maior parte de sua família, Michael novamente se concentra na sequência de Thriller, mas ele se viu cheio de dúvidas e insegurança. Era o tempo do reinado púrpura de Prince, e um novo símbolo erótico que capturou a imaginação popular, um tão misterioso mas muito mais visível que Michael.

Cedo em 1986, Quincy Jones marcou um encontro em Los Angeles entre Michael e Prince. De acordo com um observador, foi um momento estranho. "Eles são tão competitivos um contra o outro que nenhum dos dois desistia. Eles meio que se sentaram lá, um olhando para o outro, mas falaram bem pouco. Foi um momento fascinante de observação entre dois caras muito poderosos."

Depois do encontro, Michael ficou sério em relação ao álbum. Ao fim da primavera, ele estava compondo em ritmo frenético. Quincy Jones também estava juntando músicos para o disco, montando arranjos e mapeando idéias. Em março de 1986, ele foi para Nova York em busca de rappers negros. "Ele e Miles Davis são os únicos músicos de sua geração que de alguma forma conseguem se conectar com as gerações mais novas," fala o escritor e biógrafo de Michael Jackson Nelson George. Muito do tempo de Jones também foi gasto com Michael em uma espécie de terapia, tentando aliviar seus ombros da tensão de ter de reproduzir o brilho inovador de Thriller. Era um problema, Jones descobriria logo, que não poderia ser resolvido.

"Michael Jackson não é um experimentador," George continua. "Ele faz algumas canções, mas não é um artista criativo como Prince. Ele é mais Cab Calloway do que Duke Ellington. Ele também fica muito confortável na área de Noviça Rebelde e toda aquela coisa Broadway-Hollywood. Digo, ele é meio que o Bing Crosby atualizado. Exceto por algumas canções, como Billie Jean, Wanna Be Startin' Something e Push Me Away, ele não é um compositor muito rico."

É o trabalho de Quincy Jones torná-lo rico. Muitos pensam que Michael não teria conseguido sem o toque de Jones. Em junho, a tensão de trabalhar num álbum logo após produzir o filme A Cor Púrpura atingiu Quincy. Ele estava exausto: seus médicos o ordenaram que parasse de trabalhar. Ele viajou para o Taiti, deixando o álbum em estado de limbo.

Quando ele retornou em julho, novos problemas o esperavam. Michael de repente parou de trabalhar do disco para estrelar Captain EO, uma aventura sci-fi de $20 milhões que Francis Coppola iria dirigir para a Disneylândia.

Em Nova York, o presidente da CBS Records Walter Yetnikoff estava furioso. Os lucros da gravadora caíam desde Thriller e ela contava que o disco seria lançado em janeiro de 1987. Quando ele descobriu que Michael havia composto músicas para o filme, Yetnikoff teria ameaçado processá-lo. Eventualmente eles chegaram a um acordo de que nenhuma das músicas de Captain EO seriam lançadas, e Michael voltaria em breve a trabalhar em seu álbum.

Michael retorno ao estúdio no inverno. Ao fim de outubro, Jackson e Jones haviam finalizado várias canções, incluindo Bad, que não era a faixa-título do álbum. Martin Scorcese concordou em dirigir o clipe e contratou o escritor Richard Price para fazer um roteiro de 10 minutos sobre um garoto de escola particular que é assassinado em um beco do Harlem. Em novembro, Michael e sua equipe viajaram para filmar em Nova York.

Desde o começo, aconteceram problemas no set. Os temperamentos flamejavam de ambos os lados quando Michael começou a dizer a Scorcese como dirigir o clipe. A paz foi finalmente restaurada, mas a produção perdeu o controle financeiro, com gastos adicionais de mais de $1.5 milhão.

Janeiro chegou e acabou sem um álbum finalizado. Até os mais otimistas perderam a esperança de um novo disco de Michael Jackson antes do verão.

Em março, Michael largou o projeto novamente e, sem o conhecimento da CBS, começou a trabalhar em um novo filme - filmado de forma extraordinariamente secreta. Os visitantes do set tinham de concordar em assinar um termo para não revelarem nada do assistido; a equipe também era submetida a termos rígidos para prevenir notícias das filmagens de vazarem. Em Westlake, Jones continuava sem ele.

Mas todos esses atrasos começaram a prejudicar Michael. Sua extensa máquina de merchandise já estava funcionando; sem um disco para reacender o mito, ela não fazia sentido algum. Seu perfume Magic Beat foi um fracasso no último inverno. A linha Michael Jackson de roupas e bonecos, estimadas em $20 milhões, também fracassou. A Pepsi, que planejava inundar o Grammy Awards de 1987 com comerciais de Michael Jackson, como fez em anos anteriores, cancelou sua campanha. Como parte do contrato de $10 milhões com Jackson, a empresa já detém um dos singles do álbum ainda não lançado.

É março de 1987 e está ficando tarde. O estúdio de Westlake está deserto, exceto por Michael, Quincy e Bubbles, o chimpanzé, e alguns técnicos. "Smelly", como Jones chama Michael (possivelmente porque o cantor tem obsessão com limpeza) ainda quer gravar mais uns takes. No console de gravação em frente a Quincy está uma tira cômica de jornal que diz, "Michael Jackson tem 30 anos e nunca teve um encontro." Michael a pega e lê. Então ele a coloca de volta, gentilmente, e vira de costas. Ele parece machucado pelas palavras. Então ele ri como um estudante e entra na cabine de gravação.

Sozinho na semiescuridão, iluminado apenas por um spot de luz, ele começa a cantar. Isso, finalmente, é o que importa. Em algum lugar, Prince está terminando seu novo álbum e o Run D.M.C. está pensando no deles e Walter Yetnikoff está aprendendo a viver com o balanço financeiro da CBS. Mas isto é um outro lugar. Aqui, por enquanto, nada disse existe; não existem problemas, nem contratos de merchandise, nem prazos de entrega, nem rivalidades familiares. Existe apenas Michael e a canção.

De repente, ele não é mais o recluso sonhador. Ele não é mais delicado. Ele ataca a música, dançando, balançando as mãos, se movendo com poder inesperado. Ele está em seu próprio mundo mas, desta vez, é um mundo que os outros além dele podem acreditar. Por estes poucos momentos, pelo menos, ele não é mais uma piada e nem um ícone, apenas um cantor muito, muito talentoso.

Mas então a canção termina. Quincy olha com aprovação; é um take. Michael anda até o console e o abraça. Então ele tira uma máscara cirúrgica de seu bolso e cobre o rosto - e se despede pela noite de Los Angeles.


Traduzido por Bruno Couto Pórpora