Folha de São Paulo, 14 de dezembro de 1988
Por Ana Maria Bahiana
Michael Jackson continua querendo: 1. salvar o mundo; 2. jamais sair da infância; 3. ao mesmo tempo manter distância de tudo e de todos e mostrar que é "uma pessoa comum".
Estas, pelo menos, são as idéias básicas de Moonwalker, o estranho híbrido de videoclip, filme policial de ficção científica que estará sendo lançado dia 10 de janeiro nos Estados Unidos exclusivamente como videocassete doméstico. Fora da América, o filme, numa versão diferente e menor, será exibido em cinemas a partir de meados de dezembro, devendo estrear em fevereiro no Brasil.
O projeto teve uma dessas origens confusas, típicas da indústria cinematográfica atual. Há quatro anos, John Romeyn, um dos produtores-executivos do curta Captain EO - feito especialmente para os parques "Disneylândia" e "Disney-world" - uniu-se ao diretor de musicais e efeitos especiais Colin Chilvers e, juntos, levaram ao produtor Dennis Jones, que trabalhara em filmes como De Volta Para o Futuro, Poltergeist e Curto Circuito, a idéia de fazer um longo vídeo musical e de aventuras com Michael Jackson. Para garantir que o projeto conseguisse furar a barreira das "500 e tantas" idéias por dia que o empresário do cantor, Frank Dileo, diz receber, "Jones uniu forças com o diretor Jerry Kramer, que já fizera o vídeo Making Michael Jackson's Thriller e, todos juntos, eles conseguiram não apenas o "nihil obstat" mas a total cooperação do astro e do seu empresário - que passaram até a ser produtores-executivos do filme.
Quatro anos, três diretores - cada qual assinando uma porção do filme -, 200 efeitos especiais - executados não por uma superempresa como a ILM, mas pelos esforços conjugados de quatro pequenas oficinas de Los Angeles, com um "aproach" mais artesanal das técnicas de trucagem - e muitas páginas refeitas de roteiros depois, Moonwalker está pronto e sendo exibido em sessões fechadas nos Estados Unidos.
É um filme muito esquisito, ou melhor, não chega a ser um filme, é uma criatura híbrida de videoclip e filme, a meio caminho entre uma coisa e outra (principalmente entre o estilo que Michael aprecia, o "clip" longo, que ele popularizou com Thriller), e que deve estar muito melhor ambientada na telinha da TV que nas telonas do cinema. A rigor, Moonwalker é uma versão superampliada da canção Smooth Criminal, com um tênue fio de história justificando as pirotécnicas técnicas, e um enorme nariz-de-cera com outros "clips" menores e uma retrospectiva da vida, obra e mitologia de Michael Jackson. Para seus criadores, claro, é mais: "uma mistura de ação e musical, extremamente divertido; é exatamente como os fãs de Michael poderiam esperar", é a definição de Jerry Kramer. "Uma história fantástica, como um conto de fadas moderno, ou Peter Pan", disse o supervisor de efeitos especiais Hoyt Yeatman.
O nariz-de-cera é quase um mostruário do que se pode fazer, hoje, em termos de manipulação de imagens. A canção Man In The Mirror, que abre o filme, é tratada com requintes de edição, decupando cenas de Michael, ao vivo. A antologia biográfica de Michael "são 24 anos ininterruptos de sucesso!", justifica o diretor dessa sequência, Jerry Kramer - mistura tudo, colagens, imagens computadorizadas, animação, ao som de um "pout-pourri" de canções desde ABC do Jackson Five, até We Are The World, Badder, uma nova versão visual para Bad, é o momento engraçadinho do filme, com o menino Brandon Adams e um elenco de crianças copiando, passo a passo, a coreografia do "clip" original. Speed Demon, o "clip" seguinte, mistura cenas ao vivo - Miko, filho de Marlon Brando, faz uma ponta como guarda-costas de Michael Jackson - e animação de bonecos feitos com massa de modelar, numa técnica chamada "Claymation", criada e desenvolvida pelo premiado técnico Will Vinton (e celebrizada em vários comerciais de TV, o mais famoso sendo o das Passas da Califórnia, as hoje célebres California Raisins, fenômeno de "marketing").
Não há muita história: é, apenas, Michael fugindo de fãs e repórteres, transformando-se num coelho (ecos de Roger Rabbit?), dançando.
Leave Me Alone, um "clip" que só será incluído na versão em cassete, é o momento mais interessante dessa primeira parte: dirigido pelo também premiado Jim Blashfield, o vídeo é uma colagem estimulante de imagens, mitos e lendas do universo Michael Jackson - o chimpanzé Bubbles (que está ao vivo no "clip"), os ossos de "homem-elefante", Elizabeth Taylor, luvinhas de strass, "teria Michael Jackson, enfim, chegado ao ponto de se permitir uma bem-humorada visão crítica?"
A idéia é estimulante mas não vai muito à frente - o longo "clip" de Smooth Criminal, dirigido por Colin Chilvers e com efeitos especiais de Rick Baker (o responsável, entre outras coisas, pelas trucagens de Thriller e de Um Príncipe em Nova York) e mais quatro oficinas especializadas, é mais uma versão do mito - Michael, a Terna Criança, que, com canto, dança e magia "high-tech", pode salvar o mundo. Nele, Michael e três amigos - as crianças Brandon Adams, Sean Lennon (filho de John e Yoko Ono) e Kellie Parker - descobrem por acaso os planos sinistros de um certo Mr. Big (o ator Joe Pesci), aliás, Frank Lideo - um trocadilho com o nome do empresário de Michael - que quer dominar o mundo drogando compulsoriamente todas as crianças. Na luta para escapar de Mr. Big, Michael volta no tempo aos anos 30, cantando e dançando com um bando de alegres "gangsters", transformando-se num potente carro de corrida (uma réplica do célebre carro italiano Bertone, copiado do protótipo que está num museu de Milão) e, finalmente, numa nave especial Robsom, uma espécie de "transformer" gigantesco que - sim! - salva a Terra e aniquila o vilão (e ainda volta, em carne e osso, para cantar Come Together, dos Beatles, em outra sequência que não estará na versão cinematográfica de Moonwalker).
Uma coda, com o grupo vocal sul-africano Ladysmith Black Mambazo, encerra o filme. Eles interpretam, a capela, uma canção composta por eles mesmos, The Moon Walks, enquanto rolam os créditos e recapitulam-se cenas em câmera lenta.