terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Fazendo uma Montanha de um Molar (Sawf News)

Sawf News, 14 de janeiro de 2011
Por Charles Thomson

Como o TMZ transformou uma consulta dentária do filho de Michael Jackson, Blanket, em uma notícia internacional.

Entre os jornalistas menos escrupulosos de ambos os lados do Atlântico, há um velho ditado, "Nunca deixe os fatos ficarem no caminho de uma boa história."

Eu não consigo pensar em uma história recente que tenha incorporado esta filosofia melhor do que o furo do TMZ de ontem, acusando Michael Jackson de pressionar um dentista para colocar seu filho caçula, Prince Michael II (aka Blanket), para dormir com um anestésico.

'MJ Pressionou Dr. Para Dar Anestesia Indevidamente Ao Seu Filho', lê a manchete do TMZ. Chocante mesmo. Certamente mais chocante do que 'Filho de Michael Jackson Foi ao Dentista Há Dois Anos e Meio Atrás', o que teria sido uma avaliação muito mais precisa da situação - por enquanto, o TMZ acusou Jackson de 'submeter um de seus filhos a tratamento médico de risco'; a verdade era muito mais banal.

No centro desta história, está a acusação de que em julho de 2008, o Dr. Mark Tadrissi realizou cirurgia bucal em duas ocasiões, uma vez em Jackson e outra em seu filho Blanket, e para tal foi necessário o uso de anestésico. A dificuldade? O Dr. Tadrissi não tinha autorização para utilizar anestesia geral em seu escritório, mas chamou um anestesista e seguiu em frente com as cirurgias. O Dr. Tadrissi foi investigado em 2009 e sancionado pelo Conselho de Examinadores Dentais do Estado de Nevada em 2010.

O artigo do TMZ parece ter sido escrito com dois propósitos específicos: o primeiro, para sugerir que Jackson era imprudente em relação à medicações -- particularmente anestesias, uma overdose que causou sua morte em junho de 2009 -- e o segundo, para sugerir que ele era um mau pai, ordenando que seu filho de então seis anos de idade se submetesse a um procedimento que envolve o 'arriscado' uso de anestesia geral. Na verdade, os fatos e as provas não demonstram nenhuma dessas afirmações.

Descrever o uso de anestésico em uma criança durante uma cirurgia bucal como "tratamento médico arriscado" é totalmente impreciso e irresponsável. Segundo o website da Academia Americana de Odontologia Pediátrica (AAPD), "A anestesia geral pode ser útil para crianças que necessitam de um procedimento cirúrgico significante." A cirurgia dentária do filho de Jackson necessitava de duas horas. O website da APPD também afirma que "anestesia geral pode ser usada de forma eficaz e segura quando administrada por uma pessoa devidamente treinada em instalaçoes devidamente equipadas." Isto me leva perfeitamente ao meu próximo ponto.

De acordo com a própria versão dos fatos do TMZ, que afirma ser tirada de documentos internos, o Dr. Tadrissi disse a Jackson que ele não seria capaz de administrar a anestesia - então Jackson instruiu o médico para trazer um anestesista qualificado.

De acordo com um documento legal obtido pela SawfNews.com - um Acordo de Estipulação interposto pelo Conselho de Examinadores Dentais do Estado de Nevada em março de 2010 - o Dr. Tadrissi fez exatamente isso, contratando um "anestesista licenciado em Nevada" para administrar o anestésico durante a cirurgia do próprio Jackson. A cirurgia de seu filho não é mencionada no acordo, mas não há evidências que sugerem que as ações do Dr. Tadrissi foram diferentes se tratando do garoto.

A confirmação de que o Dr. Tadrissi contratou um anestesista licenciado torna alguns trechos do artigo do TMZ completamente fictícios, especialmente sua manchete incrivelmente enganosa, 'MJ Pressionou Dr. Para Dar Anestesia Indevidamente Ao Seu Filho'. O anestésico não foi dado pelo dentista e não foi dado de forma inadequada. Além disso, Jackson não pressionou o médico para administrar nada. Pela suposição do próprio TMZ, Jackson pediu especificamente por um anestesista profissional.

A primeira linha do artigo também é fictícia, afirmando que "Michael Jackson submeteu um de seus filhos ao mesmo tratamento médico arriscado que eventualmente o matou." Jackson morreu em sua casa após seu médico pessoal - que não era um anestesista qualificado - confessadamente administrou um anestésico sem necessidade e o fez sem nenhum dos equipamentos exigidos para tal procedimento. Por outro lado, em 2008 Jackson permitiu que um anestesista licenciado sedasse o seu filho usando o equipamento apropriado para cirurgia em uma clínica odontológica. As situações não são nem remotamente comparáveis.

Uma vez que você despe a hipérbole imprecisa do TMZ, você fica com; em 2008 Michael Jackson levou seu filho ao dentista, que disse a Jackson que seu filho necessitava de uma cirurgia de duas horas e precisaria ser anestesiado. Jackson pediu ao dentista que contratasse um anestesista licenciado. O dentista concordou. O garoto foi sedado sob as circunstâncias corretas e monitorado por um profissional durante a cirurgia. Em outra palavras, Jackson agiu como qualquer outro pai, permitindo que seu filho se submetesse a um tratamento médico necessário, mas garantindo primeiramente que fosse feito de maneira correta.

Indevidamente acusando Jackson de 'pressionar' e 'persuadir' o dentista a realizar um 'tratamento médico arriscado', o TMZ sugere que o procedimento do profissional foi perigoso. Isso é falso. O Dr. Tadrissi não foi acusado de pôr em perigo seus pacientes, não os atendendo de maneira correta ou agindo de forma incompetente. Ele simplesmente permitiu que um anestesista licenciado sedasse um paciente em sua clínica sem a autorização correta.

Então com todo o sensacionalismo do TMZ - que faria você acreditar que o Dr. Tadrissi é uma espécie de Dr. Camarada, dando anestésicos como se fossem pirulitos - o seu único erro real foi um semelhante a vender garrafas de Wild Turkey em sua garagem sem possuir licença para venda de bebidas alcóolicas. Além de cobrir o custo da investigação ($2750), Tadrissi foi ordenado a completar oito horas de aulas (quatro em ética, e quatro em manutenção de registros) e fazer um exame de jurisprudência.

Por vezes enganoso, outras vezes completamente equivocado, o TMZ transformou uma contravenção burocrática em um conto exagerado de negligência médica e irresponsabilidade parental. O momento é suspeito; o Dr. Conrad Murray acaba de ser ordenado a enfrentar um julgamento pelo homicídio culposo de Michael Jackson e a cobertura da mídia, tanto sobre o cantor como sobre o seu médico, poderia significativamente influenciar a visão dos jurados em potencial sobre a morte do astro, entre o momento e o início do julgamento. Ao distorcer os fatos a fim de retratar Jackson como uma espécie de diva demente que exige o uso de um anestésico 'arriscado' para si e para seu filho de seis anos, o TMZ pinta a imagem de um homem que poderia muito facilmente ter intimidado o seu médico para dar o anestésico ou mesmo tê-lo administrado em si mesmo.

A história sensacionalista do TMZ sobre as visitas de Jackson ao dentista é especialmente irresponsável, uma vez que o site agora é visto por muitos como um ponto de partida das notícias sobre o astro. Desde que o site foi o primeiro meio de comunicação no mundo a dar a notícia da morte de Jackson (embora muitos fãs afirmem que isto é falso, alegando que o site anunciou a morte de Jackson muito antes dela ser mesmo declarada no hospital), ele atingiu um nível de popularidade, reconhecimento e credibilidade que nunca havia tido antes. Até agora, dezenas de outros sites reproduziram a história do TMZ e muitos certamente seguirão o exemplo. Em uma indústria atormentada pelo jornalismo "copia e cola", o TMZ deveria tomar mais cuidado para garantir que o seu jornalismo seja justo e preciso. Nada disso pode ser dito sobre a matéria de ontem.


 Traduzido por Bruno Couto Pórpora.