Revista Veja, 20 de outubro de 1993.
Por Virginie LeiteMichael Jackson arrebata o público no palco e provoca histeria fora dele
A maior estrela da música pop mundial, Michael Jackson, é mesmo um terremoto - no palco e fora dele. Foi o que constataram os 70.000 brasileiros que assistiram à estréia de seu show Dangerous, na sexta-feira passada no estádio do Morumbi, em São Paulo, e os que apenas acompanharam pelos jornais as peripécias do cantor no país. No palco, Michael Jackson é tão energético que faz Mick Jagger parecer um cantor de bolero. Troca de roupas dezenas de vezes, sua a ponto de perder mais de 4 quilos em cada apresentação e arrebata a platéia com seus truques e requebros. Longe do microfone, enlouquece a escala Richter mesmo que, ao contrário de Madonna, fuja das festas e badalações. No Brasil, por onde passou espalhou um rastro de engarrafamentos, aglomerações, delírio de fãs e até acidentes. Alheio à histeria que provoca, Jackson gastou a maior parte de seu tempo em São Paulo brincando - no quarto do hotel e em parques de diversões, sempre acompanhado por crianças.
Planejado nos mínimos detalhes, o show de Michael Jackson nem por isso deixa de ser vulcânico. Isso se deve, em parte, à coreografia do cantor, feita de gestos intermitentes, paradas bruscas no meio das músicas às quais se seguem novas acrobacias em ritmo alucinante. Essas explosões repentinas de Jackson levam o público ao delírio. O cantor, que não costuma comunicar-se com a platéia durante as apresentações, abriu uma exceção na estréia brasileira e tentou falar algumas palavras em português. Jackson não conseguiu pronunciar nada além de gemidos ininteligíveis, a multidão não entendeu bulhufas, mas mesmo assim ficou histérica. Parte da alta voltagem do show se deve à tecnologia, sempre de última geração - o que faz com que em cada show de Michael Jackson haja um avanço sobre os anteriores. A teatralização, no palco, das letras das músicas - o que faz com que o cantor apareça, por exemplo, vestido de gângster na música Smooth Criminal, que trata do assunto - é outro truque que torna o show de Jackson um espetáculo empolgante.
SEM SOCORRO - Fora do palco, a presença do megastar, que desembarcou em São Paulo na quarta-feira passada, causou enorme alvoroço e culminou com um acidente provocado por um dos furgões da comitiva dele na saída de uma tumultuada e meteórica visita à fábrica de brinquedos Estrela, na quinta-feira. Irritado com a multidão que se aglomerava dentro e fora da fábrica, o astro resolveu bater em retirada. O comboio saiu em alta velocidade e o furgão azul que levava um grupo de amigos do cantor atropelou dois adolescentes e um cinegrafistado SBT. O entourage não se abalou com o acidente e foi embora sem prestar socorro às vítimas. Apenas um dos acidentados se machucou com alguma gravidade. O menino Márcio Alberto de Paula, 15 anos, fraturou o fêmur. Sua irmã, Renata Eliane de Paula, 14, e o cinegrafista do SBT, André Copazzio, sofreram apenas escoriações leves. A família do menino foi procurada por um advogado de Michael Jackson que se ofereceu para pagar todas as despesas médicas, dar um kit completo de discos e camisetas do cantor, além de brinquedos. Convidou Márcio e a irmã, de uma família de classe média de São Paulo, para assistir ao show do local reservado aos deficientes físicos e ainda acenou com a possibilidade de o menino conhecer a apresentadora Xuxa. "Se eles não pagarem tudo o que prometeram, eu os processo", ameaça Geni de Paula, mãe das crianças.
Acidentes e histeria pontuaram os raros momentos em que Jackson deixou o hotel. No percurso do aeroporto até a cidade, um dos batedores da Polícia Militar que acompanhava a comitiva do cantor foi derrubado de sua moto por fãs ensandecidos que tentavam ver a caravana mais de perto. Outro acidente aconteceu com o clone capixaba do cantor, Romildo dos Santos, 21 anos, que gosta de ser chamado de Billy Jackson e se vangloria de ser o "sósia oficial" do astro no Brasil. O falso Jackson, que ganhou 7.000 dólares para promover os shows do original, resolveu render uma homenagem ao megastar. Tentou imitar a maquiagem sanguinolenta do videoclipe Thriller, vestiu-se a caráter e alugou uma limusine para acompanhar o cortejo de Michael Jackson. Resultado: bateu com a limusine num poste e os dois clone mirins que viajaram com ele sofreram ferimentos leves.
ARRASTÃO - A maior parte do tempo, no entanto, o cantor passou mesmo no hotel. Para incrementar a suíte presidencial em que ficou instalado, que ocupa um andar inteiro e equivale a catorze apartamentos comuns, tratou de pedir aos seus assessores que comprassem uma barraca de camping para quatro pessoas e quatro lanternas para brincar com os filhos de seus convidados, que o acompanham ao longo da turnê. Cansado de brincar dentro do quarto, mandou fechar o parque de diversões Playcenter na noite de quarta-feira. Lá, o cantor, que tem 35 anos, esbaldou-se das 8 e meia da noite até as 11 horas como se tivesse a mesma idade dos meninos e meninas com quem passeou de mãos dadas no parque. Andou de tobogã, roda-gigante e montanha-russa. Depois da maratona, sentiu sede e bebeu um enorme copo de Coca-Cola. Lembrete: o patrocinador de sua turnê é a Pepsi.
"Ele trabalha desde os 5 anos e não teve infância. Está vivendo essa fase agora", diz Bob Jones, vice-presidente da MJJ Produções, a empresa do cantor. Michael Jackson pode se comportar como uma criança, mas na hora de cuidar de seus interesses é bem adulto. Como faz em todos os países quando existem ingressos encalhados na bilheteria, o cantor programou um passeio na quinta-feira com o objetivo de causar frenesi e liquidar os 22.000 tíquetes restantes para o show de estréia. Cogitou visitar um hospital infantil, mas resolveu adiar o passeio. Depois, marcou um encontro com o prefeito Paulo Maluf, que lhe daria as chaves da cidade. Desistiu em cima da hora, quando descobriu que Maluf não tinha concedido até aquele momento as isenções de impostos prometidas para o seu show. Mesmo com o fracasso das duas empreitadas, a estréia de Jackson teve público de final de campeonato. Com seu talento e esquisitices, o cantor não precisou fazer muito para virar noticia e provocar um arrastão por onde passa.