quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Dança do Furacão (Veja, Janeiro 1984)

Revista Veja, 25 de janeiro de 1984
Por Okky de Souza

Com 20 milhões de cópias vendidas do LP Thriller, Michael Jackson é o maior fenômeno musical desde os Beatles

Desde que os Beatles se dissolveram em 1970, o mundo da música popular passou a conviver com uma inevitável pergunta: poderá alguém, algum dia, igualá-los em popularidade? A disputa por esse trono aparentemente inatingível - o do artista que agrada a todos e bate os próprios recordes - ganhou nos últimos meses seu mais sério pretendente até hoje. Em vez de cantar rock, como os Beatles, ele interpreta a música negra americana. No palco, ele não apenas ginga com uma guitarra na mão - também dança e magnetiza a platéia ao primeiro gesto. Ele também não vem de Liverpool, mas de Gary, cidade encravada no Estado americano de Indiana, onde nasceu há 25 anos. Michael Jackson - este é o seu nome - é o astro mais quente e cintilante entre todos os que habitam a música popular.


Não se trata, em absoluto, de uma revelação. Desde o início dos anos 70, ainda criança, Michael Jackson já arrebatava multidões como o menino prodígio do Jackson Five, o grupo formado por seus irmãos. Ano a ano, porém, ele foi atingindo novos patamares na escalada do sucesso, até fechar o ano de 1983 como o maior fenômeno musical desde os Beatles. Seu último LP Thriller, lançado em janeiro do ano passado, vendeu até hoje nada menos de 20 milhões de cópias em todo o mundo, tornando-se o segundo LP mais vendido em toda a história da indústria fonográfica - atrás apenas da trilha sonora do filme Os Embalos de Sábado à Noite, de 1978. Na semana passada, um ano depois de lançado, o disco ainda ocupava o primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos, país que consumiu, sozinho, 8 milhões de cópias do LP. Não é só: do LP Thriller foram retirados sete compactos, dos quais cinco ultrapassaram a marca de 1 milhão de cópias vendidas. Enfim, essas cifras extraordinárias renderam a Michael Jackson, na semana passada, um outro recorde: o de artista mais premiado pela revista Billboard, a respeitada bíblia do disco. Em sua edição especial com os melhores de 1983, a revista lhe outorgou nada menos de doze dos catorze prêmios concedidos.

FATOR DECISIVO - Jackson arrebatou prêmios em todas as categorias imagináveis - melhor cantor, artista pop, artista negro, melhor compacto e LP do ano - e seus méritos não se limitaram ao mundo do disco: ele abiscoitou prêmios também na área de vídeos. Explica-se: para chegar ao topo da popularidade, ele adotou uma estratégia peculiar que substitui as apresentações ao vivo por vídeo-teipes de produções milionárias, que são transmitidos pelas emissoras de TV ou podem ser adquiridos em lojas. Foi assim que os três vídeos que Jackson produziu em 1983 - para ilustrar as canções Billie Jean, Beat It e Thriller - tornaram-se um fator decisivo para impulsionar o fenômeno Michael Jackson. Dois desses vídeos - Beat It, no qual aparece como um dançarino saltimbanco, e Thriller, em que faz um lobisomem - foram apresentados no Brasil, no Fantástico, da Rede Globo. A roupa de couro que usava em Beat Ittornou-se uma febre entre os jovens americanos, assim como seu cabelo gomalinado com um antiquado "pega-rapaz" na testa.

Acima de tudo, porém, Michael Jackson se tornou o músico mais popular do mundo por ser, efetivamente, um artista extraordinário. Em cena, no palco ou em vídeos, suas interpretações são arrebatadas como as dos grandes mestres do blues. Se a canção é uma balada, ele a interpreta com ar constrito, suas mãos tremem e o tenor de sua voz alcança falsetes perfeitos como a nota aguda de um violino. Se a canção é um agitado funk, Jackson entra numa espécie de transe e se transforma num dos mais brilhantes bailarinos que a música popular já produziu. Com inesgotável energia, ele aplica os truques e meneios da dança jazzística e os combina com as piruetas ritmadas, que o fazem movimentar cada centímetro do corpo.

JIBÓIA E LHAMA - Mas Michael Jackson é, sobretudo, um grande compositor. Tanto no LP Thriller como em Off The Wall - o disco anterior, de 1979, que marcou sua decolagem rumo ao sucesso -, ele introduz ousadas inovações na música negra. Jackson utiliza a soul music, mas ligada às raízes religiosas do gospel, e o funk, mais dançante e atual, e os combina com experiências eletrônicas típicas dos grupos de rock da new wave. O resultado é uma música original, inventiva, que pode ser ouvida com prazer tanto numa festa como na intimidade. Trata-se de uma música tão vigorosa e inovadora que atraiu até mesmo a atenção do ex-Beatle Paul McCartney, que há dois anos forma com Jackson uma das mais inusitadas parcerias da música pop. Num encontro casual, ambos compuseram The Girl Is Mine, que acabou incluída em Thriller e se transformou no primeiro sucesso do LP. O êxito incentivou McCartney a convidar Jackson a participar de seu novo disco, Pipes of Peace, no qual a dupla assina duas faixas.

Entabular parcerias com outro compositor é algo raríssimo na carreira de Michael Jackson, um artista que, junto com a popularidade, vê crescer também sua fama de pessoa reclusa e arredia. Por incrível que pareça, o furacão que invadiu os palcos americanos com o desembaraço de um trapezista é, na vida real, um rapaz tímido, frequentemente envergonhado diante de pessoas estranhas. Na cinematográfica mansão em estilo Tudor em San Fernando Valley, na Califórnia, onde mora com a mãe e duas irmãs, Jackson cultiva hábitos que lhe conferem também a fama de excêntrico. Ali ele cria, como animais de estimação, nada menos que uma cobra jibóia chamada "Muscles", um lhama peruano que batizou de "Louis" e um carneiro a quem chama de "Mr. Tibbs". No dia-a-dia, Jackson tem hábitos que podem ser considerados opostos aos da maioria dos astros do rock. Ele não fuma, não bebe e frequenta com assiduidade o templo das Testemunhas de Jeová, religião que abraçou na infância e da qual se diz cada vez mais devoto.

MÃE E MULHER - Michael Jackson celebrizou-se também, fora do palco, por possuir uma das mais ecléticas listas de amigos de que se tem notícia no mundo artístico. Nela se incluem do octogenário ator Fred Astaire ao cantor punk Adam Ant, da atriz Liza Minnelli ao compositor Stevie Wonder, personagens que muitas vezes se cruzam em sua sala de visitas. A lista de suas ex-namoradas também inclui nomes célebres como Brooke Shields e Tatum O' Neal. Há uma amiga, porém, a quem Michael Jackson atribui um significado todo especial: a cantora Diana Ross. "Ela poderia ser a minha mãe... ou minha mulher", ele diz. Tamanho apreço se explica: Diana Ross é, na verdade, a descobridora do fenômeno Michael Jackson, protagonista de um episódio que ocorreu em 1968, quando o artista tinha apenas 9 anos de idade.

Nessa época, Michael Jackson formava, com quatro de seus sete irmãos, o grupo Jackson Five, que pontificava nas igrejas e reuniões sociais do bairro. O pai da prole musical, um operário metalúrgico, incentivava a carreira artística dos filhos e, por isso mesmo, permitiu que o Jackson Five participasse, a convite do prefeiro de Gary, de um festival de arte negra que acontecia na cidade e cuja principal atração seria Diana Ross e seu grupo na época, The Supremes. "No momento em que olhei para Michael fiquei encantada", declararia Diana, depois.


"Ele representava o tempo todo, como eu própria fazia na infância." Diana Ross pagou, de seu próprio bolso, passagens para que o Jackson Five se submetesse a um teste em sua gravadora, a Motown, sediada em Detroit. Com a ajuda da madrinha famosa, o Jackson Five se tornou um dos grandes êxitos da música americana nos anos 70 e, dali, Michael Jackson partiu para a carreira individual, não sem antes enfrentar um inesperado problema: aos 17 anos, sua voz mudou, subiu uma oitava e ele teve que se submeter a uma maratona de exercícios vocais para recuperar a afinação.

Mesmo tendo alcançado o posto de astro maior da música popular, Michael Jackson frequentemente se reúne com seus quatro irmãos do Jackson Five para apresentações esporádicas, geralmente em palcos anônimos, fora dos grandes circuitos. Para o próximo mês de março, porém, ele prepara uma bomba: reunirá o Jackson Five para uma grande excursão pelos Estados Unidos patrocinada pela Pepsi-Cola, que investiu no projeto uma quantia certamente fabulosa, mantida em sigilo. Jackson, que não sai em turnê desde 1981, promete matar a saudade de seus admiradores com um grande espetáculo. Sem dúvida, novos recordes vêm aí.