Revista Veja, 18 de julho de 1984
Cercado por cinco descomunais monstros intergalácticos, o cavaleiro de roupas prateadas enfrenta uma batalha de vida ou morte. Subitamente ele cai ao chão mas, quando está prestes a ser devorado, reage com uma espada de raios laser. Em minutos os monstros são dominados e o cavaleiro, do alto de uma montanha, ergue os seus braços e emite seu brado de vitória: "Bem-vindos à terra do império". Para as 45.000 pessoas que assistiram a essa cena no imenso palco de oito andares montado no estádio Arrowhead de Kansas City, uma das principais cidades da região mais central dos Estados Unidos, no último dia 6, nem os monstros nem os efeitos de raio laser causaram tanta emoção quanto um pequeno detalhe da cena: a luva branca que o cavaleiro usava em uma das mãos. Pois quem estava ali, em carne e osso, era Michael Jackson - e, quando a pequena luva cintilou sob as centenas de refletores, a multidão, eletrizada, abandonou-se ao delírio.
Naquele instante, usando um dos acessórios indispensáveis ao seu vestuário, ele iniciava de maneira triunfal a primeira apresentação de "Victory", o show musical mais caro, espetacular e controvertido dos últimos anos, reunindo Michael e seus irmãos do conjunto The Jacksons. A cena se repetiria nos dois dias seguintes no mesmo estádio Arrowhead, primeira escala de uma turnê que nas próximas semanas levará "Victory" a cerca de quinze outras cidades americanas e que desde já se desenha como um grande triunfo - de público, de cobertura de imprensa e possivelmente também de dinheiro, com uma receita bruta estimada em 50 milhões de dólares. Afinal, trata-se da primeira vez que Michael Jackson sobre a um palco desde que, há dois anos, se tornou o maior fenômeno da música popular que o mundo conheceu desde os Beatles.
Com 35 milhões de cópias vendidas de um único LP, "Thriller", Michael é o autor do disco de maior sucesso em toda a história da indústria fonográfica. Com 45 milhões de dólares depositados em sua conta bancária somente em 1983, é o músico mais bem pago do mundo. E, com uma larga influência sobre toda a nova geração musical americana, tornou-se um símbolo da cultura dos anos 80. Aos 25 anos de idade, ele poderia dar sua vida e obra por completas.
"Victory" é a grande oportunidade que 2,2 milhões de americanos - até o final da turnê - terão para ver toda essa mágica ao vivo. "Este vai ser o acontecimento dos próximos dez anos", diz o diretor de uma rádio de Seattle. "Você pode não ligar para quem está se apresentando. Mas quer ver." De fato, não basta ouvir - o mais explosivo fenômeno musical dos nossos dias precisa ser visto. Em primeiro lugar porque, mais que um cantor ou compositor, Michael é um inigualável mestre do palco: nada se compara à furiosa precisão de sua dança, inovadora e empolgante, nem à sua estonteante capacidade de juntar som e movimento. "Quando entro em cena, é como um passe de mágica: perco o controle de mim mesmo", ele diz. Em segundo lugar porque este excepcional intérprete se tornou também, nos últimos anos, um mistério aos olhos do público - sua vida é secreta, envolta em mística e marcada por fantasias que às vezes o fazem parecer Peter Pan, o menino que não queria crescer. Ou, então, um cruzamento de Howard Hughes, o célebre milionário americano que jamais era visto, com E.T.
Acontecimento Histórico
Nada mais natural, assim, que a turnê de Michael Jackson e seus irmãos aterrisasse em território americana com o alarde de um disco voador chegando à Terra. Em Kansas City, a primeira cidade escalada para receber a passagem de "Victory", a população começou a viver o clima de "jackson-mania" um mês antes da estréia. Como os ingressos para os shows só podiam ser comprados por meio de cupons publicados nos jornais a partir do dia 19 de junho, multidões de jovens amanheceram diante das bancas naquele dia para garantir seus exemplares. Houve também um número recorde de jornais de assinantes roubados à porta das casas naquela madrugada. Hordas de adolescentes desfilavam pela cidade vestidos e penteados como Michael Jackson, ou ensaiavam passos de break, a dança negra que brotou nas ruas americanas e nas quais Michael se inspira para montar suas coreografias. "Foi o maior espetáculo que já vi na vida", comentava entusiasmada Edith Marino, uma fã de 22 anos, à saída do show.
Em termos de mobilização popular, "Victory" pode ser comparado apenas a um show que não aconteceu: o que reuniria os Beatles - sonho perseguido por vários empresários no final dos anos 70 e finalmente tornado impossível, na prática, com a morte de John Lennon em 1980. Desde que a turnê nos Jackson foi anunciada, criou-se nos Estados Unidos a expectativa por um acontecimento histórico. Um dos primeiros a reforçarem essa expectativa foi o próprio presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Em maio último, quando Michael Jackson foi convidado à Casa Branca para receber uma homenagem por sua participação numa campanha contra o uso de drogas, Reagan pediu-lhe pessoalmente que incluísse Washington no roteiro da turnê.
Ao fazer o pedido como um fã qualquer, Reagan juntou sua voz à de milhões de americanos que, se já viviam a jackson-mania com os discos e vídeos do cantor, esperam encontrar em "Victory", efetivamente, um cavaleiro de outra galáxia. Por isso mesmo, mobilizam-se para que a turnê - que ainda não tem fixadas todas as datas e locais por onde passará - inclua suas cidades. Em Boston, por exemplo, um jornal local publicou uma espécie de cupom-voto que os leitores deveriam devolver à redação com o seu pedido para que os Jackson fosse à cidade. O jornal recebeu de volta 30.000 cupons. Enquanto isso, uma estação de rádio local organizava uma passeata reivindicando a inclusão de Boston no roteiro de "Victory", e reunia 5.000 fãs com faixas e cartazes.
Já em Gary, a cinzenta cidade industrial do Estado de Indiana em que nasceram os Jackson, cerca de 30.000 pessoas participaram de um abaixo-assinado para que Michael fosse à cidade - se não para cantar, pelo menos para receber uma homenagem. O furacão detonado pelos Jackson acabou por atrair a atenção também de outros políticos, além de Ronald Reagan, envolvidos na presente corrida eleitoral americana. Na estréia da turnê, um dos mais entusiasmados espectadores das primeiras fileiras do estádio de Kansas City era Jesse Jackson (nenhum parentesco), o candidato negro à Presidência da República.
Sem garantias
Ao lado da excitação, "Victory" trouxe também uma maré montante de desapontamento, queixas e rancor, envolvendo a turnê, até sua véspera, na mais formidável controvérsia que jamais cercou um show deste tipo. A palavra-chave, nesse tumulto, era cobiça - e no centro da tudo estava o mirabolante processo engendrado pelos promotores de "Victory" para tirar o máximo de proveito financeiro da oportunidade. Segundo este esquema, os ingressos eram vendidos sempre em lotes de quatro, ao preço de 30 dólares (ou cerca de 55.000 cruzeiros) cada um. Ninguém poderia comprar mais ou menos do que quatro ingressos, e duas pessoas residentes no mesmo endereço não poderiam comprar mais que um lote de ingressos.
Pior que tudo, o interessado, depois de adquirir seu lote e enviar a produção, por meio do vale postal, os 120 dólares correspondentes aos quatro ingressos, não recebia nenhuma garantia de que as entradas lhe seriam realmente entregues.
De fato, como os promotores calculavam que a procura de ingressos seria maior que o número de lugares disponíveis nos estádios, o interessado deveria esperar que um sorteio, feito por computador, decidisse se ele seria um dos felizardos a obter os ingressos. Em caso contrário, ele receberia o dinheiro de volta, de quatro a seis semanas depois - e os promotores, enquanto isso, teriam um lucro extra investindo o dinheiro alheio por um mês ou mais. Naturalmente, ninguém gostou. Os protestos foram aumentando como bola de neve, a imagem de Michael começou a sofrer e uma briga surda se estabeleceu entre ele e os organizadores. Até que, um dia antes do início da turnê, Michael Jackson fez valer sua força.
Tomou a iniciativa, em Kansas City, e decretou que o processo de venda de ingressos, a partir daquele momento, seria modificado: cada pessoa poderia comprar quantos ingressos quisesse, o preço passava a ser de 20 dólares e ninguém empataria dinheiro sem garantia de receber ingressos. Para Michael, a gota d' água foi a carta de uma garota de 11 anos, Ladonnia Jones, publicada num jornal de Dallas, no Texas. Em tom lamentoso, ela perguntava a Michael: "Como você pode ser tão egoísta?". Para afastar de si as suspeitas de cobiça, Michael anunciou que todo o dinheiro que receberá com a turnê será doado a instituições de caridade. "Michael fez isso porque é um bom sujeito", disse seu gerente, Frank Dileo. Na verdade, ele não precisa de dinheiro: sua fortuna pessoal é estimada em 75 milhões de dólares. O que ele quis, com essa reviravolta, foi marcar a distância que hoje separa o pai, Joseph Jackson, seu empresário-mor, idealizador da turnê e defensor da idéia de que Michael tem de render máximo para a família.
Arrebatador
Para o público presente ao concerto de estréia em Kansas City, porém, a controvérsia em torno de "Victory" evaporou-se juntamente com a fumaça que envolvia o palco na cena do cavaleiro e dos monstros. Isso porque "Victory" é um espetáculo arrebatador, que oferece tudo aquilo que o público pode esperar de um concerto de música negra, de um show de Michael Jackson ou de um espetáculo de dimensões gigantescas. Durante 2 horas os irmãos Jackson, alternando-se entre os vocais e os instrumentos, desfilaram antigos sucessos da época em que formavam o grupo infantil The Jackson 5, como "I Want You Back", ou os grandes sucessos só de Michael, como "Billie Jean" e "Thriller". Durante o show, fachos de laser, bombas de fumaça e fogos de artifício cruzavam o palco e o estádio.
E há, naturalmente, o que interessa - a presença de Michael Jackson. Ao longo do show ele pode ser visto em atitude constrita, interpretando a romântica balada "I'll Be There" sem acompanhamento instrumental. No minuto seguinte, explode o dançarino voador que, ao som de "Beat It", trota pelo palco com a energia de um corpo de baile inteiro, arrancando delirantes aplausos da platéia a cada movimento de suas pernas, braços ou quadris movidos a misteriosa eletricidade. Curiosamente, só uma passagem da carreira dos Jackson peramanece ausente do espetáculo: as canções do novo LP do grupo, "Victory", lançado nos Estados Unidos na semana da estréia do show e que estará nas lojas brasileiras no final da semana.
O LP é uma espécie de festa promovida por Michael Jackson para seus irmãos, em que o anfitrião pouco circula entre os convidados. Das oito canções do LP, apenas uma, "Be Not Always", é escrita e interpretada por Michael Jackson. As demais são compostas e interpretadas por Marlon, Tito, Jackie, Jermaine e Randy Jackson. O disco segue fielmente o estilo musical de Michael e é uma agradável coleção de canções entre o pop e o funk, mas sem maior originalidade. Há uma exceção: a faixa "State Of Shock", na qual Michael divide os vocais com Mick Jagger, líder dos Rolling Stones, num raro caso de simbiose perfeita entre dois estilos muito diferentes. Nem mesmo "State Of Shock", porém, foi incluída no repertório do show "Victory", um espetáculo claramente concebido para Michael ajudar a família a celebrar os vinte anos de música dos irmãos Jackson - todos eles pisando no palco pela primeira vez desde a infância.
Segurança
Para que a essa celebração nada faltasse, a produção de "Victory" montou uma extraordinária infra-estrutura técnica. O palco de oito andares, montado a partir de croquis desenhados pelo próprio Michael Jackson, tem cerca de 50 metros de altura por 30 de largura. A ele são acoplados milhares de lâmpadas, sete computadores e cinco elevadores internos. Para que esse mamute tecnológico funcionasse sem problemas, montou-se um sistema elétrico de 12.000 volts, quando o normal em shows de estádios é utilizar 5.000 volts. Em cada estádio da turnê estarão funcionando 100 caixas de alto-falantes, pelo menos quarenta a mais que o habitual. E para carregar esse circo de 370 toneladas pelos Estados Unidos, mobilizaram-se 24 caminhões com trailers e uma equipe de 100 pessoas. Naturalmente, tal estrutura exigiu um dos maiores investimentos até hoje feitos num show musical, mas o retorno promete ser compensador.
O cuidado da produção de "Victory" com a infra-estrutura técnica é só comparável ao dedicado à segurança pessoal dos músicas e das platéias. Em Kansas City, quem não tivesse um ingresso na mão não podia entrar sequer no estacionamento do estádio. Nos acessos à platéia, cada espectador passava obrigatoriamente por um dos 30 detectores de metais instalados, prontos a identificar qualquer arma, objeto de metal ou mesmo latas que fossem introduzidas no estádio. O consumo de bebidas alcoólicas foi terminantemente proibido durante o show.
A maior proteção, obviamente, ficou para o próprio Michael Jackson. Para impedir que os fãs descobrissem qual o seu hotel em Kansas City, foram alugados para levá-lo até o estádio Arrowhead não apenas um, mas quatro helicópteros, que cruzavam os céus da cidade pousando e decolando em locais diferentes a curtos intervalos. Uma vez diante do público, entretanto, ele se soltou como sempre - e como sempre ficou com toda a atenção. De fato, embora "Victory" seja anunciado como "um show dos irmãos Jackson", Michael é um protagonista entre coadjuvantes. Nos espetáculos de Kansas City, nas únicas três canções em que Michael deixava o palco e entregava o comando do espetáculo a seu irmão Jermaine, era visível a movimentação do público em busca das carrocinhas de lanches e dos corredores de circulação - como se aquela fosse a hora do intervalo.
Era da Televisão
A cintilante trajetória iniciada em Kansas City faz as pessoas se perguntarem, mais uma vez, por que Michael Jackson é um fenômeno. Como cantor, ele é correto e alguns meneios vocais que inventou, como uma espécie de engasgada nos tons agudos que usa com freqüência, são truques de grande efeito. Mas o cantor Michael Jackson está longe de ser brilhante ou original como Elvis Presley. Como compositor, Michael foi um dos precursores da união do funk com o rock moderno, mas nenhuma de suas canções pode ser classificada de revolucionária, como tantas feitas pelo Beatles. O que Michael sabe fazer, como poucos músicos de hoje, é dominar a platéia com a disciplinada ferocidade com que dança, encontrando, para cada acorde e batida rítmica da música, um correspondente visual em seu endiabrado balé.
Michael Jackson, além disso, é o típico artista da era da televisão. Elvis, os Beatles e todos os outros grandes da música pop eram ouvidos não vistos - exceto por aqueles que conseguiam ir a seus shows. Todo o mundo, entretanto, já viu Michael pela televisão, juntando música e dança num conjunto hipnótico. Essa característica explica, em parte, porque ele é o primeiro grande ídolo de um novo veículo de comunicação: o videoclipe. Nos dois últimos anos, Michael conquistou o posto de música mais popular do mundo através dos três videoclipes que lançou nesse período com as canções "Beat It", "Billie Jean" e "Thriller"; maciçamente veiculados por emissoras de TV do mundo inteiro e vendidos também em cartuchos de videocassete. Enquanto muitos artista mantêm-se em evidência através de LPs anuais, Michael adotou uma nova estratégia. Lançou um bom LP e o divulgou exatamente com o que falta às canções do disco: seu desempenho como dançarino.
Além dessa estratégia original, Michael exibe outros indiscutíveis trunfos. Em primeiro lugar, Michael foi criado para ser um cantor-dançarino desde os 5 anos de idade, pela mão de ferro de seu pai, que sonhava - e conseguiu - ter um grupo de filhos artistas. Suas biografias costumam relatar lembranças infantis em que Michael, ouvindo a algazarra dos colegas na rua, era obrigado a ficar em casa estudando acordes musicais ou passos de dança. "Desde que me entendo por gente minha rotina inclui sete horas diárias de ensaios", ele conta. Aos 11 anos de idade, já era um estrela de razoável brilho. E, na atual fase de sua carreira, desenvolveu um perfil de apelo irresistível para as legiões de fãs infantis e adolescentes.
Identidade Sexual
Vivendo em isolamento na espetacular mansão da família Jackson em Encino, nas vizinhanças de Los Angeles, Michael, além disso, construiu um espesso segredo sobre sua vida pessoal e sentimental. Há dois anos não recebe nenhum jornalista. Suas aparições em público são cercada de um aparato que o mantém sempre isolado. Mesmo defendido das hordas de fãs ele se fecha - quando esteve na Casa Branca para ser homenageado pelo presidente Reagan, chegou a trancar-se por alguns momentos num banheiro, perturbado com a presença de estranhos à sua volta. Tudo isso, naturalmente, levou a um espectro infinito de especulações e fantasias sobre quem é Michael Jackson.
Sua identidade sexual é uma delas. Recentemente, na falta de uma entrevista com Michael, um jornalista americano foi compensado pela família com uma autorização para percorrer a mansão de Encino - e, ao entrar no quarto de Michael, topou com ele e um amigo. Foi o bastante para que sua reportagem viesse carregada de insinuações: o quarto estava "a meia-luz", a mão do amigo estava "úmida". Outros se lançam a destilar o significado das letras de suas músicas. "Billie Jean", assim, seria um hino de hostilidade ao sexo feminino. Aliás, não se trata da história de um rapaz em plena fuga das garras de uma mulher predatória, que o acusa injustamente de tê-la engravidado?
Tais especulações, ao mesmo tempo, despertam desejos de proteção em relação ao ídolo misterioso que não tem namorada, não come carne e dorme num colchão estendido no chão. Some-se a isso sua terrível timidez e um certo ar de bicho de pelúcia desamparado, e tem-se um personagem que qualquer criança desejaria para sua prateleira de brinquedos. "O importante sobre Michael é que sua imagem foi construída com dedicação e disciplina", diz o escritor negro Nelson George, um respeitado especialista em música popular americana. "Afinal, o que é o Super-Homem, senão uma fantasia infantil de onipotência? As crianças sempre gostaram desse tipo de coisa."
Sua capacidade para conquistar faixas de público além de crianças parece encontrar explicação numa outra esfera. Michael Jackson atinge ouvintes de todas as idades exatamente por não se dedicar a atingir nenhum. Tanto Elvis Presley quanto os Beatles exigiam de seus fãs algum tipo de identificação. Michael Jackson não prega coisa alguma e, para acompanhar suas canções e piruetas, basta bater o pé ou tamborilar os dedo ao ritmo marcado. Por isso mesmo, em sua festa todos podem entrar.
Sósias Brasileiros
Trata-se de uma festa que recebe a cada dia mais adesões. Nos Estados Unidos, a jacksonmania há pelo menos um ano deixou de ser um fenômeno apenas musical para invadir os hábitos e o comportamento dos jovens. Podem-se encontrar réplicas exatas de Michael Jackson nas ruas e não há adolescente que não tenha incorporado a seu guarda-roupa algum item do figurino do cantor: a luva solitária, o chapéu enfeitado, as calças pretas que deixam meias brancas à mostra, os óculos escuros, ou suas vistosas jaquetas bordadas. A jacksonmania cruzou continentes e, nos últimos meses, aportou também no Brasil. Para constatar o fenômeno basta, por exemplo, ligar a TV: nada menos de cinco programas de auditório, transmitidos pelas redes nacionais, mantém concursos para escolher o mais perfeito sósia brasileiro de Michael Jackson ou o grupo de dançarinos que melhor imita seus trejeitos.
A maioria dos concorrentes que se apresentam nesses concursos não são simples calouros, mas profissionais que vivem de uma suposta semelhança com o cantor. Como os integrantes do trio carioca Revelation, que ganharam 500 mil cruzeiros ao vencer o concurso do programa "Cassino do Chacrinha", da TV Globo. Formado por Marcos, Oswaldo e Esio - este último filho do mestre-sala Delegado, da escola de samba Mangueira -, todos na faixa dos 18 anos, o Revelation apresenta-se em boates do Rio de Janeiro, atua como manequim de publicidade e, em caso de apresentações fora da cidade, cobra cachê fixo de 1,8 milhão de cruzeiros.
Também nas academias de dança a jacksonmania abriu seu espaço. Hoje há pelo menos vinte academias entre Rio e São Paulo que mantêm turmas regulares de break, tipo de dança popularizado a partir de Michael Jackson. Esse estilo de dança começa a influenciar também os sambistas. "Freqüentemente flagro minhas passistas imitando os trejeitos de Michael Jackson", espanta-se o empresário Sargentelli, que há anos mantém shows de samba autêntico em suas boates mas que, nos últimos meses, aderiu à jacksonmania: contratou para seus shows um "Andy Jackson", imitador de Michael Jackson e encarregado de um número humorístico.
Celebração
Também o mundo da moda já incorporou o estilo Michael Jackson. O estilista carioca Luís de Freitas, por exemplo, dono das etiquetas Mr. Wonderful e Miss Divine, lançou há meses a coleção 3 x 8, em que reproduz os figurinos de Michael Jackson com um toque de humor. A gravata borboleta preta que Michael usa no videoclipe de "Beat It", na concepção de Freitas, transformou-se num pequeno morcego de borracha. Já a confecção Kaos Brasilis, de São Paulo, oferece um serviço inédito: por cerca de 500 mil cruzeiros, um cliente pode adquirir um traje completo de Michael Jackson, com detalhes personalizados que o tornam algo mais que uma fantasia.
Nem mesmo os cabelos de Michael Jackson, de corte peculiar e constante aparência molhada - o wet look -, constituem segredo para os jacksonmaníacos brasileiros. No salão Black Roots, no centro de São Paulo, o cabelereiro Zezinho é especialista em fazer cortes iguais ao de Michael. Armado com paciência de escultor e uma poção especial à base de cremes e óleos capilares ("que deixa os cabelos crespos ondulados, não alisados", explica), Zezinho fabrica cerca de cinco Michael Jackson por dia, a 15.000 cruzeiros cada um. Na semana passada, um dos que se submeteram à sua tesoura foi o bancário Cláudio Ambrósio, de 25 anos. "Antes eu usava o corte black", filosofava ele à frente do espelho, após o corte. "Mas agora a realidade é outra." A julgar pelo sucesso de Michael Jackson e, agora, do show "Victory", Ambrósio tem razão. Com sua dança, sua timidez e seu carisma, Michael determinou novos padrões para boa parte dos jovens. E, se suas canções não trazem o brilho de outros grandes ídolos do rock, pelo menos uma façanha ele conseguiu: reunir milhões de pessoas, na mais esfuziante celebração já promovida pela música popular.
Uma Máquina de Fabricar Muito Dinheiro
Daqui a três meses, quando terminar a turnê de 42 espetáculos dos irmãos Jackson, os organizadores da temporada esperam ouvir, de um dos sete computadores que fazem parte do equipamento do grupo, cifras tão sonantes e eletrizantes quanto as músicas que terão levado ao delírio calculados 2,2 milhões de jacksonmaníacos americanos. Se tudo ocorrer como o planejado, a série de shows terá rendido perto de 50 milhões de dólares - algo como 90 bilhões de cruzeiros - apenas com a venda de ingressos. A esse total devem ser somados mais 5,5 milhões de dólares da Pepsi-Cola, pagos pelo modesto privilégio de poder distribuir ingressos gratuitos aos que acharem uma tampinha premiada do refrigerante. Contudo, em muitos dos estádios escolhidos para os shows - a Coca-Cola tem contrato de exclusividade, a Pepsi-Cola não poderá nem mesmo vender seu produto. Para o show de abertura em Kansas City, onde o estádio escolhido, o Arrowhead, ostenta o emblema da Coca, a Pepsi teve de contratar um avião para escrever sua marca no céu, com fumaça.
Igual guerra de marketing se desenvolve nas imediações e recintos dos estádios, de onde os produtores esperam ver jorrar pelo menos outros 50 milhões de dólares. Estádios são pressionados para ceder o recinto grátis ou por aluguéis simbólicos, e a maioria capitula - em Jacksonville, para uma renda prevista de 6,3 milhões de dólares, os proprietários do estádio vão receber apenas 75 mil dólares de aluguel. Os Jacksons vão arrecadar também 25% de todos os souvenirs vendidos nos shows - desde camisetas estampadas, a 13 dólares cada, até jaquetas de paetês e lantejoulas, de 350 dólares. Tudo somado e dividido, cada um dos irmãos receberá, no final, aproximadamente 5 milhões de dólares.