segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O Pai Michael Jackson

Em 3 de junho de 2014, foi publicado nos Estados Unidos o livro Remember The Time: Protecting Michael Jackson in His Final Days. Um relato de memórias de Bill Whitfield e Javon Beard, dois seguranças que trabalharam para o Rei do Pop durante dois anos e meio - entre dezembro de 2006 e junho de 2009. Engraçado, triste e trágico, conhecemos a intimidade do carinhoso pai Michael Jackson e a solitária rotina de seus anos finais. Nesta tradução exclusiva, confira um trecho do livro. Todos os direitos do texto original pertencem à Weinstein Books.

Javon: A professora, sra. Ilean, voou [para Las Vegas] logo depois das festas. Ela era uma asiática do Bahrain. O Sr. Jackson a conheceu enquanto estava viajando e ele a havia contratado para lidar com a tutoria escolar das crianças. Ele tinha alugado um apartamento para ela a uns cinco minutos da casa. Nos dias da semana, um de nós a buscava às 07:30 e a trazia para a casa para dar as aulas. O Sr. Jackson não brincava quando se tratava da educação das crianças. Escola começava às 8:00 em ponto. Nós ajudamos a professora a pendurar a lousa, organizar os computadores, estantes de livros, mapas, pôsteres educacionais com o alfabeto e a tabuada, tudo isso. Cada uma das crianças tinha a sua própria mesa. Parecia como qualquer sala de aula que você vê numa escola de ensino fundamental. Era sempre assim mesmo quando viajávamos e ficávamos em hotéis. Um quarto separado era sempre reservado e nos certificávamos que o hotel arrumasse as carteiras, e aquele quarto era usado como a classe das crianças.

Bill: Mesmo com a vida que levavam, o Sr. Jackson insistia que houvesse estrutura e rotina no ambiente educacional das crianças. Eles até usavam uniformes escolares. Prince e Blanket usavam camisas brancas com calças pretas e gravatas. Paris usava sapatos de couro e um vestido preto, tipo um vestido de aluna de colégio de freiras. Estavam sempre limpos e com a roupa impecável. Cabelos penteados, uniformes passados. E de segunda a sexta, todas as manhãs, as crianças levantavam, se vestiam, desciam para o café e então “iam para a escola”. O Conselho de Educação de Nevada tem todos esses requerimentos para ensino doméstico, que inclui que as crianças sejam aprovadas em testes para poderem passar para a próxima série. A Sra. Ilean organizava seus planos de aula para cumprir todos esses critérios. Ela distribuía lições de casa, exigia relatórios dos livros, exigia períodos na sala de estudos. A qualidade da educação deles era tão boa ou até melhor da que você vê em qualquer escola particular de primeira linha. Essas crianças eram bem espertas. Estavam constantemente lendo. Os cérebros delas eram como pequenas esponjas, sempre curiosas, sempre fazendo perguntas. Quando os levávamos para jantar ou ir ao cinema o Sr. Jackson, sentado no banco de trás, fazia perguntas sobre o que haviam aprendido naquele dia. Ele sabia exatamente o que eles estavam estudando. Ele sentava toda semana com a professora para ver os planos de aula e se manter informado sobre o que estava sendo ensinado. Ele os ajudava com suas lições de casa também, de tarde e de noite. Eles iam até ele o tempo todo. “Papai, você me ajuda com a lição de casa?” Era uma das coisas que ele mais gostava de fazer. Assistiam a muita pouca televisão na casa. Eles tinham noites de filmes, assistiam DVDs juntos como família, mas não era como em muitas casas em que você vê as crianças acampadas em frente à TV. Eles faziam a sua lição de casa, liam livros, brincavam, escutavam música.

Javon: Havia muitas atividades extracurriculares, também. As crianças tinha Educação Física todos os dias. Elas corriam em volta do jardim, faziam polichinelo. Algumas vezes nós os levamos a esse parque público que ficava perto. Armamos um trampolim para eles também. Levamos eles a passeios. Nós os levamos ao Museum Lied – é o museu local de descobertas para crianças com atividades interativas e experimentos científicos que as crianças podem fazer. Paris, ela amava ir aos museus de arte e galerias. Os hotéis no Strip eram muito bons para passeios assim; eles sempre tinham exposições e instalações. Levamos as crianças para a exposição Bodies, aquela com cadáveres. Essa foi no Tropicana. Também os levamos à exposição do tubarão no Mandalay Bay. Teve também os filmes IMAX no Luxor, Deep Sea 3D e Dinosaurs. Em aula, as crianças liam e estudavam os assuntos, e nós as levávamos nestes passeios e elas tinham de entregar um relatório sobre eles. A primeira vez que saímos com as crianças sem o Sr. Jackson foi em algum momento de fevereiro. Nós as levamos ao parquinho com a professora. Ainda éramos novos na cena, mas ela já estava com ele há algum tempo e ele confiava nela. Ela pôde relatar a ele como nós nos comportamos. O telefone tela tocou e a ouvimos dizer, ‘Sim, senhor. Não, eles estão bem.’ Então sabíamos que ele estava de olho em nós e em como nós estávamos fazendo o nosso trabalho.

Bill: Nós nos aproveitávamos do fato de que ninguém sabia quem eles eram. Uma das primeiras vezes que saímos com eles foi para ir ao parque Circus Circus com a Grace. Nós fomos pegos pelos paparazzi. Alguém deve nos ter seguido de casa. Eles tiraram algumas fotos embaçadas de longe mas, felizmente para nós, não conseguiram uma foto nítida. Não dava para identificar as crianças. As pessoas muitas vezes questionaram porque o Sr. Jackson escondia os rostos das crianças com máscaras e véus quando estavam em público. Os tablóides diziam que era estranho e louco, mas eles não entendiam o motivo para isso. Se ninguém conhecia as crianças elas podiam, às vezes, ir a lugares públicos sem ele e ter uma experiência um pouco normal. Quando elas estavam longes de seu pai, podiam ser crianças comuns fazendo coisas comuns. Pelos primeiros meses, toda vez que saímos com as crianças, ou a babá ou a professora estava conosco. Mas começando lá pelo fim de abril, ele começou a pedir a mim e ao Javon que saíssemos com elas sozinhos, passeios curtos, levá-las ao parquinho. Quando saímos com as crianças sem Grace ou a professora pela primeira vez? Aquilo foi uma grande coisa. Foi aí que sentimos que havíamos estabelecido um nível de confiança. Ele protegia tanto elas. Eu me lembro de um dia em que saímos para levar as crianças para comprar sorvete. O Sr. Jackson ficou em casa. Isso foi em fevereiro, ainda frio. Estávamos no meio do caminho, e o sr. Jackson ligou e perguntou se Blanket estava usando o chapéu. Ele não estava. Tinha esquecido. O Sr. Jackson disse, “Volte e venha pegar.” As crianças nem iam sair do carro, mas ele insistiu. Se estivesse frio, as crianças tinham de estar com seus chapéus e luvas, e ponto final. Fizemos o retorno e voltamos para a casa. 

Javon: As pessoas riam da ideia dele ser pai, riam dos nomes das crianças e das máscaras e de tudo mais. Tipo, o quão estranho deve ser para o Michael Jackson ser pai. Mas quanto mais você o conhecia, mais você via que ser pai era a coisa mais normal nele. Estávamos fazendo a segurança na casa um dia, e ele ligou e disse que havia acabado o sabão líquido para roupas e se alguém podia correr e comprar mais pra ele. Antes daquele momento, eu nunca havia parado para imaginar Michael Jackson na lavanderia, lavando as roupas de seus filhos, mas ele era exatamente assim em boa parte do tempo. Ele não os mimava, tampouco. Tinha os passeios extravagantes ao FAO Schwarz e tudo mais, mas isso era apenas nos feriados e aniversários, ou uma recompensa específica por terem ido bem numa prova ou por executarem suas tarefas. Se eles não se saíssem bem, ele era ligeiro em tirar os seus privilégios. Teve essa vez em que íamos levar toda a família ao cinema. Já havíamos feito toda a pré-segurança, alugado o cinema para a tarde, feito todos os arranjos. Mas naquela manhã uma das crianças foi mal numa prova e não havia terminado alguma lição, então ele cancelou. Estávamos lá embaixo, os carros prontos para ir e Prince saiu e falou, “O papai disse que não podemos ir.” Você vê esses filhos de celebridades na TV o tempo todo, malcriados e mimados e arrogantes. Os filhos do Michael Jackson eram o oposto. Eles nunca pediam muito, e quando pediam, era sempre “por favor” e “obrigado” para tudo. E quando um deles se comportava mal, não era necessário muita disciplina para endireitá-los. Uma pequena conversa ou um tempo de castigo e eles aprendiam sua lição. 

Bill: Quando o Prince ganhou o cachorro, ele não sabia como cuidar dele, como levá-lo para fazer as suas necessidades e catar depois e etc. Então nessas primeiras semanas, o cachorro pegou o hábito de usar a garagem para ir ao banheiro – a garagem em que nós trabalhávamos.

Javon: E fedia. O lugar cheirava a merda. E tínhamos que cheirar aquilo durante nosso horário de trabalho. Estávamos com ternos novos e tudo e cheirávamos a merda. Nós tínhamos o trailer, mas a garagem era nosso posto também; era o nosso local de trabalho. Era onde lavávamos e fazíamos a manutenção dos veículos. A gente não queria acabar atropelando a merda quando voltássemos.

Bill: A gente pensou que em algum momento o Prince ia limpar a merda. Não. Ele vinha até a garagem, pisava perto da pilha de merda, ia até o cachorro, pegava um biscoito, dava o biscoito para ele, voltava, pulava por cima da pilha de merda e corria de volta para a casa. Deixava a merda lá.

Javon: Nós pisamos nela algumas vezes. O Bill nos mandava limpar. Ele dizia, “Quem pegar o turno agora tem que limpar.” Então nós limpávamos. Eu reclamava o tempo todo. “Não me comprometi com nada disso.”

Bill: Em alguns momentos virou um impasse. “Eu não vou limpar a merda”. “Bem, eu não vou limpar a merda. Você limpe a merda.” “Não, você limpe a merda.”

Javon: Então algumas vezes a merda apenas ficava lá. Mas quando o Sr. Jackson pisou naquela merda? Aí foi quando a merda ficou séria. 

Bill: Nós íamos levá-lo a uma reunião. Reunião importante. Ele estava todo vestido, terno bonito, seus sapatos de designer, e ele veio andando da garagem até o lado do carro e pisou com tudo.

Javon: Ele deu um sermão bravo no Prince. Deu o discurso de responsabilidade. “Você queria o cachorro, Prince. É o seu cachorro. É sua responsabilidade. Não é responsabilidade dos caras.” Depois daquilo, o Prince andou na linha. Aonde quer que o cachorro fosse, na garagem ou na propriedade, o Prince vinha atrás com uma vassoura e uma pá de lixo para limpar a sujeira. O problema foi resolvido.

Traduzido por Bruno Couto Pórpora