quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Explorando o Rancho Neverland (Vice, Junho 2014)

Vice, 27 de junho de 2014
Por Jules Suzdaltsev

Em 18 de novembro de 2003, a residência de 3.000 acres de Michael Jackson, o rancho Neverland, sofreu uma busca por 70 policiais do Departamento do Xerife de Santa Bárbara após acusações de que Jackson havia molestado crianças. Após isto, Jackson abandonou seu lar, dizendo que ele havia sido "violado", e três anos depois a propriedade foi tomada pela Colony Capital.

Enquanto o rancho flutuava num limbo imobiliário, um grupo de fotógrafos invadiu e explorou o rancho abandonado, retornando diversas vezes entre dezembro de 2007 e março de 2008. Eu conversei com os fotógrafos para saber o que eles viram. (Porque invadir propriedade privada é ilegal e eu estava me sentindo meio nostálgico por conta das Tartarugas Ninja, eles serão chamados de Leonardo, Raphael e Donatello. Um quarto membro contribuiu com as fotografias e não foi entrevistado.)

VICE: O que inspirou vocês a explorar o rancho Neverland?
Leonardo: Foi uma coisa meio espontânea. Eu estava ciente de que o parque tinha sido abandonado há um tempo, e eu sabia que Jackson estava em Dubai na época e que ele não conseguiu pagar suas contas de luz. Então, o meu entendimento foi de que seria uma breve oportunidade. Eu costumo dirigir ao longo da estrada 101, e então decidi, eu tenho algumas horas extra, eu só vou dar uma olhada. Aconteceu que o dia em que eu fui, estava ventando muito. Foi uma boa cobertura, porque havia guardas no local e o vento meio que bloqueou o meu barulho. Eu consegui entrar sem ser percebido. Eu não tinha expectativas de fazer isso, mas eu só queria ver.

VICE: Qual foi a coisa mais estranha que você viu?
Raphael: *Ri*
Leonardo: Raphael está rindo porque tudo que nós vimos nos pareceu estranho. Para ser sincero, eu não era um grande fã de Michael Jackson, mas eu sabia que ele era uma importante figura histórica dos Estados Unidos. Naquela época, a maioria das pessoas provavelmente não perceberam que ele era parte da história, e eu sabia que havia o potencial de tudo o que estava associado a ele se perder rapidamente. Sem a nossa documentação, eu acho que teria sido uma grande perda. Então, eu pensei que era importante fazer isto o mais rápido possível, antes que desaparecesse.
Raphael: Estamos falando sobre entrar em sua casa? É esta a parte da história?

VICE:
Por favor.
Raphael: Nós realmente não contamos a ninguém sobre isso... OK, a coisa mais estranha para mim foi o menininho de pijamas sentado no logotipo da lua, em todos os lugares. Tipo, me supreendeu como se parecia com o logo da DreamWorks. Estava pintado nos chãos, em placas, nos carrinhos de bate-bate, no trem.
Donatello: Outra coisa era que ele colecionava sua própria memorabilia. Ele tinha garrafas de Pepsi e livros e outros materiais promocionais em caixas. Ele também tinha pilhas e pilhas de cartas de fãs, e algo que realmente me chamou atenção foi a imagem do promotor do seu caso de abuso sexual [Tom Sneddon] com dois chifres de demônio desenhados na cabeça. Estava na mesa dele - talvez uma mesa do Pac-Man?
Raphael: Você leu as cartas dos fãs dele?
Donatello: Nós demos uma olhada em algumas.

VICE: Como vocês entraram na casa dele?
Raphael: Nós não queremos falar sobre os detalhes de como entramos.

VICE: Foi difícil?
Leonardo: Nós não tivemos de quebrar nenhuma lei, porque estava aberta. Estava tudo aberto. A casa estava aberta.

VICE: Uou.
Raphael: Uma coisa que realmente ficou na minha memória foi beber seu refrigerante de uva daquela dispensa da cozinha e então cuidadosamente remover as impressões digitais da garrafa e escondê-la nos arbustos.

VICE: Espera, você bebeu o suco dele?
Raphael: Eu estava com sede e ele tinha um monte de refrigerantes de uva, então pensei em beber.

VICE: Era refrigerante de uva de verdade?
Raphael: Sim! Era refrigerante de uva mesmo. Na cozinha, havia esse menu chamado "Crianças do Mundo". Tudo ali era voltado para as crianças. Aquele menu, impresso e emoldurado com manteiga de amendoim e sanduíches de geléia e macarrão com queijo, isso se destaca na minha lembrança. E a estranha mistura de coisas que ele tinha comprado e que não tinham relação alguma com sua casa. A casa estava cheia dessas coisas caras, estranhas, semi-artísticas.

VICE: Semi-artísticas?
Raphael: Estes espelhos estranhos em plataformas de um metro e meio. E ficavam do lado de uma estátua meio romana. E junto a isso uma pintura de 2 metros de altura do próprio Michael Jackson. Havia todas essas pinturas no interior da casa.
Donatello: Há uma em que ele está liderando uma procissão de crianças.

VICE: Qual era o clima na casa?
Donatello: Eu estava realmente apreensivo e desconfortável, principamente porque eu estava preocupado que alguém pudesse nos encontrar, pela violação de privacidade. Foi tão sedutora a  oportunidade de ir; eu não podia deixar de ir porque a oportunidade estava lá. Mas, ao mesmo tempo, me senti mal. Foi esse atrito constante entre fascinação e "eu deveria dar o fora daqui, eu não deveria estar aqui".
Leonardo: Isto é verdade. Todos nós nos sentimos assim. Nós [como exploradores urbanos] normalmente não entramos nas casas das pessoas.
Raphael: Geralmente vamos em indústrias, ou escolas velhas, ou coisas que não são residências pessoais. Em um momento, eu fiquei tão cansado de toda a estranheza do lugar que fui lá fora e tentei relaxá-los batendo na porta. Eu tinha uma lanterna na mão, e fiz parecer como se eu os tivesse pegado no ato. Nós brincamos de vez em quando um com outro, mas Donatello ficou furioso quando fiz isso.

VICE: Isto é ridículo.
Donatello: Eu não me lembro disto. Deve ter sido uma lembrança ruim.
Raphael: Eu te assustei pra caramba.
Leonardo: Eu me lembro vividamente, na verdade. Eu não achei nada de assustador na coisa toda. Eu achei estranho e diferente, mas eu não fiquei com medo em momento algum. Eu acho que nenhum de nós estava realmente com medo. Sentíamos principalmente que não deveríamos invadir a privacidade de alguém. Mas eu nunca senti como se estivesse com medo das coisas que ele tinha lá. Tudo parecia exótico e diferente. Há coisas muito mais estranhas neste mundo do que o que Michael Jackson era.
Raphael: A coisa toda foi realmente um aventura, indo para um lugar que ninguém nunca viu, e vendo todas essas coisas, foi logo depois que ele deixou o país por causa das acusações de abuso sexual. Então, na nossa mente, era como olhar para tudo a partir desse ângulo. Havia coisas de crianças, brinquedos em todo lugar, esse fliperama enorme.
Donatello: Eu não sei. Eu não quero que a essência dessa entrevista seja para apoiar as acusações que fizeram contra o cara.

VICE: Está tudo bem. Eu ia perguntar o quanto do imóvel vocês conseguiram ver?
Donatello: Nós vimos praticamente tudo, exceto pela área do zoológico. Fomos no quarto de jogos, mansão, parque de diversões, estação de trem, todas as áreas com estátuas...

VICE: Estou chocado em como vocês não foram pegos.
Donatello: Nós somos meio que profissionais. Não quero soar arrogante, mas... fazemos muito isso. Fazemos muita investigação e reconhecimento. Mas também foi surpreendentemente discreto porque havia um caminhão de guarda à beira da estrada, e conseguimos evitar esse caminhão, e uma vez que você está além disso, você está no vale, e você está sozinho. É muito isolado.
Raphael: Surpreendentemente, apenas vagamos pela propriedade.

VICE: É uma espaço muito grande, não é?
Raphael: Realmente grande. Nós nem visitamos o zoológico, porque era muito longe.
Donatello: Outra coisa interessante - nós fomos no quarto de Michael, mas ambos os quartos das crianças estavam trancados pelo lado de fora.
Raphael: Nós decidimos não entrar nos quartos das crianças, porque não parecia certo.

VICE: E o quarto de brinquedos dele?
Raphael: Tinha provavelmente 18x9 metros, e preenchido com todos os brinquedos que você pode imaginar. Modelos de Lego em tamanho real, Darth Vader - todos os tipos de brinquedos impressionantes.
Donatello: A outra coisa que me lembro é que havia estações de jogos criadas por toda a casa. Imagine esses consoles de Super Nintendo que você pode encontrar na loja Best Buy, mas configurado com todos os diferentes sistemas.

VICE: Havia alguma coisa de adulto lá? Parece que havia mais coisas de criança. E arte estranha. [Risos]
Raphael: Havia um monte de espaços lounge, com sofás e objetos de arte estranhos.
Donatello: Lembro-me de ver coisas realmente normais, como trocados deixados em uma mesa de café e um espaço de escritório pequeno com um computador e coisas típicas de casa.

VICE: Cerca de quantos quartos ele tinha? É uma mansão. Devia ser enorme.
Leonardo: Ele provavelmente tinha dez quartos, eu diria. A mansão em si não era tão grande quanto você pensa, mas havia todos estes edifícios menores que nós não entramos.

VICE: Não há um relógio enorme no jardim?
Donatello: Oh, cara, há todo o tipo de coisa maluca no jardim.
Leonardo: Você não tirou uma foto do relógio que estava parado e então percebeu mais tarde que tirou a foto com uma diferença de três segundos de onde ele parou no ano seguinte?
Donatello: Sim! Havia este relógio que parou em cerca de 2:55, e eu tirei uma foto quase exatamente neste horário, sem ao menos perceber, até um ano depois.

VICE:
Muito acidental. Mas, como você sabia que tinha parado?
Donatello: A luz havia sido cortada, e os ponteiros não estavam se movendo.

VICE:
Não havia luz em lugar algum da casa?
Donatello: Se bem me lembro, não havia energia na mansão, mas a água estava funcionando.

VICE: Vocês usaram o banheiro?
[Risos]

Donatello:
Eu acho que verificamos a água porque estávamos curiosos para ver se funcionava. O que era estranho é que dentro da casa, não havia poeira. Estava imaculada. O tapete aspirado, e não havia pó em nenhuma daquelas esculturas ou estátuas loucas. Por isso estávamos apreensivos - tipo, tem gente aqui. Muitas coisas estavam cobertas por lonas de vinil para protegê-las. Mas era óbvia que alguém estava por lá para limpar pelo menos uma vez por semana, eu diria, pela forma como estava limpo.

VICE:
Mas ele não vivia lá já havia um tempo...
Raphael: Eu acho que foi isso que fez Leonardo sentir que não havia problema em ir lá.
Leonardo: A casa estava basicamente abandonada. Foi quando eu me liguei.
Raphael: Está provavelmente óbvio agora que nós só realmente visitamos locais abandonados.

VICE: Vocês não parecem paparazzis.
Raphael: Somos paparazzis de pontes, talvez.

VICE: Obrigado, pessoal!

 Traduzido por Bruno Couto Pórpora