quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A Turnê, o Dinheiro, a Magia (Newsweek, Julho 1984)

Newsweek, 16 de julho de 1984
Por Damien Shields

Após meses de espera, a problemática e polêmica turnê de Michael Jackson finalmente começou em Kansas City e o enigmático astro está fazendo jus à sua reputação como o relutante 'Flautista de Hamelin' do pop.

Era a típica plateia de Michael Jackson - mães com crianças, adolescentes com pais, negros e brancos juntos, tímidos, sóbrios e amigáveis. Eles haviam pago caro pelos ingressos e aqui estavam, preenchendo quietamente o estádio Arrowhead em Kansas City na última noite de sexta-feira para a estreia da mais alardeada e debatida turnê dos últimos anos - a turnê Victory de Michael Jackson, sua última com seus irmãos, os Jacksons. Enquanto o sol se punha e as luzes diminuíam, a excitação crescia. Quando os Jacksons finalmente apareceram, em frente a um set de luzes ofuscantes, Michael concedeu a bênção com sua marca-registrada, a luva de lantejoulas, e a plateia de 45.000 pessoas gritou em aprovação. Correndo a todo vapor, a banda começou a tocar Wanna Be Startin' Somethin' - e Michael se lançou a quase duas horas do exibicionismo vertiginoso que o tornou talvez o músico mais popular no mundo hoje.

Após meses de confusão, polêmicas e explosões esporádicas de histeria popular, frequentemente espalhadas pela cobertura frenética da imprensa, a turnê dos Jacksons - anunciada como o show de rock and roll mais lucrativo já montado - estava finalmente a caminho. A turnê está atualmente agendada para visitar cerca de 13 cidades, com mais alguns locais a serem anunciados. A maioria das datas - cerca de 50 ao todo - serão em grandes arenas como o Arrowhead. É esperado que a turnê gere cerca de U$50 milhões - embora estimativas variem - talvez quebrando recordes dos Beatles, Rolling Stones e Who. "Até a minha mãe está falando sobre o show," ri Bob Case da estação de rádio de Seattle, KUBE. "Este vai ser O evento dos próximos 10 anos. É como o Super Bowl - você não se importa com quem está tocando, você só quer assistir."

Em muitas cidades, o show dos Jacksons será o ápice de meses de uma espera febril - e, em alguns casos, de notórias reclamações. Todos presumiram que a turnê apresentaria complicados problemas logísticos e de segurança - particularmente porque a maioria das preparações foi arruinada por tumulto nos bastidores. Antes da última quinta-feira, quando Michael anunciou novos planos para a venda de ingressos e a doação de sua parte para a caridade, relatos de ganância e incompetência ultrajaram alguns fãs e provavelmente contribuíram para as lentas vendas nas bilheterias de Dallas. Mas outros fãs demonstraram seu entusiasmo com lealdade. Em Kansas City, a comoção teve início em junho. Quando os jornais contendo os primeiros formulários oficiais para pedido de ingressos saíram da impressão nas primeiras horas de 19 de junho, os fãs já faziam fila para comprá-los. "É ridículo!" disse o DJ Roy Leonard, que tem acompanhado a mania por Jackson para a estação de rádio WGN em Chicago: "As pessoas estavam roubando jornais dos quintais das outras."

Big Brother: Como cada ladrão de jornal logo se deu conta, o show de Michael não era um alvo fácil. Fãs ansiosos eram instruídos a enviar um vale postal (quatro ingressos por U$120), sem garantia de uma data específica, um bom lugar - ou sequer ingressos. Apesar do preço inflexível e da entrega incomum (os ingressos deveriam ser entregues aleatoriamente), compradores de Kansas City lotaram os correios atrás de vale-postais - 15.000 em um dia. No restante do país, líderes civis e mídia local faziam abaixo-assinados para que Michael visitasse a cidade deles em uma de suas paradas. Na séria Boston, o tablóide local promoveu um cupom que gerou 30.000 assinaturas, e uma estação de rádio organizou um rally de 5.000 fãs, que se amontoaram na Boston Common entre um outdoor gigantesco de Michael - um Mago do Funk de 25 anos, que olhava de forma desconfortável feito o Big Brother. Na cidade nativa de Jackson, Gary, Indiana, cerca de 30.000 cidadãos peticionaram para que Michael, sob a ordem do prefeito Richard Hatcher, voltasse para casa - pelo menos por uma cerimônia. Até o presidente entrou na onda; quando Jackson visitou a Casa Branca em maio, Ronald Reagan pessoalmente insistiu a ele que se apresentasse em Washington. Para não ser ultrapassado, o candidato à presidência Jesse Jackson fez questão de ressaltar que iria encontrá-lo sábado passado em Kansas City.

Tal é a magia do novo 'Flautista de Hamelin' do pop americano. O fenômeno mais explosivo desde os Beatles, ele desafia fácil categorização. Como James Brown, ele é o proeminente músico pop negro de sua era, um mestre do canto soul e da dominação apaixonada do palco, capaz de dançar com uma precisa fúria que é inovadora, mas ainda mergulhada na tradição negra. Como os Beatles em seu início, ele é uma mestre de confecções musicais otimistas, às vezes criadas em colaboração com o mais popular de todos os ex-Beatles, Paul McCartney. Como Pat Boone, o protótipo dos ídolos adolescentes do rock, ele é fofo, saudável e religioso. Ele é um virtuoso dos estúdios modernos; mas como Fred Astaire e Frank Sinatra, ele aspira ser um entertainer dos velhos tempos. Ele é um deslumbrante performer ao vivo, mas também um notório recluso com uma mística de outro mundo - imagine Howard Hughes e E.T. em um só. Como Judy Garland ou Johnny Ray, seu encanto é bizarro - ele é completamente diferente de você e de mim, com um traço de fogo que imprevisivelmente acende seus olhos.

Em Kansas City, a primeira parada da turnê que agora segue para o estádio do Texas fora de Dallas (13-15 de Julho), o Gator Bowl em Jacksonville, Fla. (21-23 de Julho), e o Madison Square Garden em Nova York (2-5 de Agosto), Michael presidiu um dos mais espalhafatosos e grandiosos espetáculos na história da música pop. O show abriu com um curioso aparato envolvendo enormes e pesados monstros à-la Muppets, uma mágica espada incandescente, e um cavaleiro em viseira e armadura brilhante - King Arthur encontra Luke Skywalker. (O cavaleiro era Michael, é claro.) Havia lasers, luzes estroboscópicas e bombas de fumaça. Havia uma aranha controlada eletronicamente que quase comeu Michael. (Ele escapou). Havia mágica, ilusão e fogos de artifício - labaredas e explosões no palco durante o show e no céu, ao final dele.

Mas foi a música, afinal de contas, que levou a plateia ali - e o set inteligentemente bem estruturado incluiu um pouco de todo. Havia algo antigo: o clássico funk-pipoca de I Want You Back, o primeiro hit do Jackson 5 na Motown, há 15 anos atrás. Havia algo novo: quatro canções de Thriller, o álbum-solo arrasa-quarteirões de Michael. Em meio à toda pompa, teve até algo mais "blues": uma versão extendida com toque gospel de I'll Be There, cantada acapella por Michael - uma tocante lembrança de suas raízes no estilo soul de Jackie Wilson. Michael se movia sem esforços de baladas (a luminosa Human Nature) e rock (uma feroz Beat It) para funk nervoso (a salsa-apimentada Lovely One). Em Working Day and Night, o grupo apresentou uma coreografia rodopiante, enquanto no finale do show, Shake Your Body, Michael se transformou num ato livre de rodopios, paradas e body-popping. Não foi apresentado nenhum material do novo álbum dos Jacksons, Victory - talvez porque, lamentavelmente, seja um disco irregular. Jermaine Jackson, como artista solo em seu próprio méito, apresentou três de suas músicas; mas ele não estava com boa voz, e em muitos momentos parecia desafinar.

Do começo ao fim, há apenas um real estrela no show; pode ser apresentada como uma turnê dos Jacksons, mas ela é de Michael o tempo todo. Quando ele canta uma lacrimosa balada como She's Out of My Life, ele faz tolices sentimentais parecem paixão honesta. E quando ele apresenta Billie Jean, ele parece deslizar sem peso algum. Ele dança com a verve de tirar o fôlego de seu predecessor, James Brown, a fragilidade sedutora de Diana Ross, a paixão desajeitada de Charles Chaplin, a alegria nervosa de um homem, assustado por estar vivo. A plateia suspira e grita não pelo espalhafatoso e tecnológico cenário, mas pela graça e beleza de um brilhante entertainer.

Se tudo der certo, a turnê dos Jacksons deve apenas intensificar a tempestade de interesse costa-a-costa no mais famoso Jackson de todos. No Celebrity Look-Alikes de Ron Smith em Los Angeles, o dono Smith relata que a mania - e o número limitado de concertos - significa trabalho dobrado para os seus 20 covers - escolhidos a dedo - de Michael Jackson. "Isto me lembra da época de Elvis Presley," diz Smith. "Só que Jackson é maior. É como Marilyn Monroe, os Beatles." Em Miami, a dona da livraria Downtown, Raquel Roque, cobriu a porta de sua loja com capas de livros sobre Jackson. "A coisa engraçada sobre ele," conta Roque, "é que quanto mais novas as crianças - quatro ou cinco anos de idade - mais elas gostam dele." Por todo o país, crianças podem comprar buttons, posters, bonés de Thriller, chaveiros, mochilas, chicletes, luvas brancas com lantejoulas, e até um boneco de Michael Jackson.

Tais acessórios não são considerados triviais. Quando funcionários da Bound Brook, em Nova Jersey, tentaram banir a luva em março passado, alunos armaram um protesto - e conseguiram uma assembleia para decidirem se poderia continuar a usá-la. (Eles perderam.) Ou considere o caso de Lillie Frierson, 13, de Los Angeles. Michael Jackson não come carne. E tampouco Lillie. Michael dorme em um colchão no chão. Assim fazia Lillie, até sua mãe ordenar para que voltasse à cama. Michael usa jaquetas decoradas. Assim como Lillie, uma vermelha de U$350 que sua mãe, Doris, comprou para o seu aniversário. "Eu devo ser quase tão louca quanto ela," suspira Doris. "Eu espero que nada ruim aconteça com ele um dia, porque se acontecer esta criança vai precisar de ajuda."

Nos dezenove meses desde que a Newsweek (10 de janeiro de 1983) fez o perfil de Michael Jackson pela primeira vez, ele, acima de tudo, se provou um gênio no marketing de alta tecnologia da música - levando sua fortuna pessoal a estimados U$75 milhões. Desde seu lançamento em dezembro de 1982, Thriller, seu mais recente álbum solo para a Epic Records, vendeu cerca de 35 milhões de cópias no mundo todo - fazendo dele o disco mais vendido na história da indústria fonográfica até o momento. Jackson lançou sete singles do álbum, e colocou seu estilo vocal único em quatro duetos que entraram para a lista dos mais vendidos, o mais recente, State of Shock, sendo uma gravação dos "Jacksons" com participação de Michael e Mick Jagger dos Rolling Stones. Um inovador no uso de videoclipes do rock, Jackson se tornou um permanente na MTV, o canal do rock na TV à cabo.

Um documentário de 60 minutos sobre a criação de Thriller, seu grandioso vídeo de rock de U$1.2 milhão, já se tornou um dos videocassetes mais rentáveis já lançados, vendendo 750.000 cópias no mundo todo em menos de sete meses. Criando uma aura de excitação contínua, os clipes de Jackson o ajudaram a conseguir um feito sem precedentes: por cerca de um ano, quase sem novas músicas, poucas aparições públicas e sem nenhuma performance ao vivo que tradicionalmente afetasse a fusão simbiótica entre plateia e artista, o interesse nele não apenas se sustentou, mas intensificou.


(Parte 2) 

Paradoxo: O que isso sugere, é claro, é que não é apenas a habilidade inegável de Jackson como showman que manteve o interesse do público; é também o impressionante ar de mistério e paradoxo que o envolve, mesmo com os seus clipes sendo exibidos em todos os lugares. E, talvez acima de tudo, há também a fascinação pela sua curiosa voz ajuda. Desde o auge de Presley, o público questiona a virilidade de certos astros do rock. Mas nunca antes tais perguntas foram feitas tão abertamente, persistentemente e de forma tão explícita, na face de tantas negações. Até uma revista familiar como a Parade encampou estas perguntas e tentou dissipar os rumores: estaria Jackson tomando hormônios para manter sua voz afeminada? Teria sido castrado? Estaria ele passando por cirurgias de mudança de sexo? (Michael ouviu pela primeira vez este boato em 1977 quando, como ele descreveu em uma entrevista da época, uma fã correu para ele e exclamou, "Não é verdade, não é verdade!" "O que não é verdade?" perguntou Michael. Soltou a fã: "Você não é uma menina!").

Já que Michael se recusou a dar entrevistas no último ano e meio, as histórias recentes tiveram de depender de citações antigas, relatos de segunda mão e, às vezes, aparições surreais do recluso. Um repórter de uma proeminente publicação nacional, reduzido a aceitar uma entrevista com os pais de Michael e uma visita guiada à mansão do cantor em Encino, Califórnia, por acaso flagrou Michael e um colega em seu quarto - "eles estavam próximos" ele escreveu, com insinuações típicas: as luzes estavam diminuídas, o aperto de mão de Michael parecia como "sentir uma nuvem", a mão de seu amigo estava "úmida".

A briga da mídia por historinhas tão lamentáveis é compreensível. Colocar Jackson como manchete se tornou uma forma certa de conseguir atenção. Muitos jornais locais, em cidades como Ornaha e Dallas, na esperança de aumentas as vendas, imprimiram com alegria os formulários oficiais para os pedidos de ingresso para a turnê dos Jacksons - e de graça. Três biografias sobre Michael já venderam mais de 1 milhão de cópias cada. "Para biografias de um rock star, elas têm sido fenomenalmente bem-sucedidas," afirma William Goldstein da Publisher's Weekly. "A única analogia recente são livros ligados a filmes como 'E.T.' ou 'Star Wars'."

Sobriedade: Nestas biografias, libertinagem e fofocas são colocadas de lado. Em lugar destas, após recontar sua saga - da fria Gary, Indiana, para a ensolarada Hollywood, um astro aos 11 anos - cada livro simpaticamente peneira alguns dos tópicos incompreensíveis que tornaram Michael um assunto de conversa nacional. Alguns exemplos: ele fez cirurgia cosmética para dar a seu rosto, "um aspecto europeu." Ele é visto frequentemente com os amigos Brooke Shields e Emanuel Lewis, o astro anão da TV. Ele leva uma vida de notável sobriedade e jejua todo domingo - "muito longe do estereótipo da vida glamurosa de um superastro." Sua vida é retratada com reverências - como um conto de fadas edificante: "Onde termina Michael Jackson e começa Peter Pan? Suas semelhanças são inquietantes!"

Em uma cultura popular onde crescer há muito é considerado uma faca de dois gumes, não é surpreendente que um homem-criança de bom coração ressoe o mesmo acorde. Mas nos últimos meses, uma maré de divergência engoliu Jackson no tipo de polêmica que nenhum pop star experimentou desde que John Lennon declarou que os Beatles eram mais populares que Jesus. Sobetskaya Kultura, o jornal cultural soviético, denunciou "O Thriller" como "um grande vigarista do show-biz", hipnotizando os jovens e mantendo suas mentes fora da política. O colunista "T.R.B." no The New Republic e Boston Globe questionou em um editorial se é saudável endeusar alguém que parece viver em uma bolha de fantasia infantil. "Você disse que quando Thriller entrou no Guinness Book of Records você sentiu que havia conquistado algo," o crítico de rock Dave Marsh escreveu recentemente em "Carta Aberta Para Michael Jackson": "Michael, isto é assustador. Você está tão desligado do prazer e inspiração que você emprestou a todos nós do mundo real? Os números são mais importantes que a alegria?"

Modelo: O fato de Jackson ser o ídolo internacional negro mais famoso desde Muhammad Ali deu ao debate uma reviravolta incomum. Embora o presidente Reagan tenha enaltecido Jackson como um modelo de moderação para a juventude da América e a NAACP tenha homenageado os Jacksons em sua convenção em Kansas City na semana passada, outros ídolos negros são abertamente hostis. Louis Farrakhan, o polêmico muçulmano negro, declarou que Jackson é uma influência "feminina e maricas" para a juventude negra. Em uma conferência nacional em maio sobre a família negra, a sociologista urbana Asa Hilliard perguntou "por que o modelo de Michael Jackson é Peter Pan; por que ele faz as sombrancelhas e fez plásticas no nariz. Então devemos nos perguntar, é este o modelo que queremos para nossos filhos? Michael Jackson com sua luva de lantejoulas? Michael Jackson que não quer crescer?"

"Os intelectuais negros suspeitam de qualquer figura negra abraçada pela América branca," retalia Nelson George, o autor de "The Michael Jackson Story" e provavelmente o melhor autor negro a escrever sobre música popular negra na América. "O que é importante sobre Michael," diz George, "é a sua dedicação. Ele tem um dom natural, mas também é totalmente disciplinado. Além disso, o que é o Super-Homem além de uma fantasia infantil de onipotência? As crianças sempre gostaram desse tipo de coisa. Stephen Spielberg e George Lucas prosperam com isso. Michael é apenas sintomático de uma fase adolescente na cultura popular americana."

Isto é verdade. Mesmo assim, apesar de seu real talento - e sua insistência na perfeição - há algo deprimente sobre o fenômeno Michael Jackson, bem distante das polêmicas da turnê e debates sobre sua adequação como modelo. Apenas compare Jackson com seus antecessores. Elvis Presley e os Beatles em seu auge excitaram seus fãs e os levaram a descobrir neles mesmos novos desejos, novos sonhos, um mundo de novas possibilidades. Com Elvis, era uma questão de se sentir livre. Cortar os cordões das pálidas apirações da Guerra Fria americana, uma geração de crianças suburbanas descobrindo um novo tipo de sensualidade e energia compartilhada. Os Beatles, é claro, levaram outra geração a uma turnê mágica e misteriosa que celebrou a ironia, inteligência, experimentação e abertura para se aventurar a novas experiências.

O quão diferente é o fenômeno Michael Jackson. Nunca antes um ídolo rock and roll pareceu são completamente definido por medo e evasão. Está lá no conteúdo das melhores canções de Jackson: Billie Jean, afinal, é sobre um homem em plena luta contra uma mulher predatória, que o falsamente acusa de engravidá-la. Está lá em seus clipes: no roteiro de Billie Jean, Michael escapa da vigilância de um detetive sinistro com sua habilidade de desaparecer no ar. Está lá, finalmente, na sua complacente atitude de pegar sua música e transformá-la para os propósitos comerciais mais grosseiros: os temas de perseguição e falsas acusações em Billie Jean podem revelar algo dos pesadelos particulares de Michael, mas ao deixá-la se transformar em comercial de vendas da Pepsi-Cola, ele a drenou de todo o seu sentido pessoal para se tornar um jingle vazio.

Desajeitado: O comportamento evasivo de Michael, entretanto, não é meramente uma questão de manipular sua imagem para criar uma mística marqueteira. Em público, especialmente em ocasiões de cerimônias, quando ele veste um de seus figurinos espalhafatosos com lantejoulas e dragonas, ele parece, apesar de sua fachada soturna criada pelos óculos escuros, incrivelmente estranho, desajeitado, oprimido. Quando ele visitou o presidente em maio, Jackson se escondeu brevemente em um banheiro da Casa Branca - a perspectiva de encontrar tantos estranhos aparentemente o enervou. Tal comportamento gera simpatia; se ele pudesse ser comprado, como uma boneca Cabbage Patch, os fãs correriam para adotá-lo. Estas são as mesmas pessoas que são intensamente curiosas sobre sua vida interna: suas esperanças, seus hábitos, sua identidade sexual. Ele escolhe guardar tais coisas para si mesmo, e sua reserva sugere uma fragilidade inacessível. Como uma miragem, ele parece pronto para evaporar diante de nossos olhos.

Não é à toa que a plateia em Kansas City berra em gratidão simplesmente por observá-lo dançar e se aquecer em sua presença corpórea: as pessoas querem uma prova de que ele não é simplesmente um truque de magia - feito de pó de fadas e fogo. Sim, Virginia, há um Michael Jackson. Ele é um incrível cantor, um excelente dançarino, um hipnotizante performer. Ele está no palco agora, deslizando pelo seu palco de Star Wars, transitando em seus passos de dança. Como Michael diria, "É mágico." Em alguns minutos, ele será transportado de volta à segurança e ao casulo no qual ele se sente confortável, esperando para ser levado de helicóptero para a próxima parada desta incrivelmente peculiar odisséia do rock and roll. Talvez a sua cidade seja a próxima.

Uma Turnê com Chefes Demais

De início, havia apenas um flash de uma luva de lantejoulas acenando acima da multidão de seguranças e conselheiros quando o magnificamente vestido Michael Jackson foi trazido para a coletiva de imprensa. Em sua voz sussurrante, com os irmãos Randy, Tito e Marlon em pé atrás dele, ele começou a ler uma declaração. Ingressos para a turnê de shows Victory dos Jacksons não teriam mais de ser pedidos em blocos de quatro a U$30 cada, com reembolsos atrasados se o comprador perdeu na loteria computadorizada por ingressos disponíveis. Este novo procedimento significa que "ninguém irá pagar a não ser que consiga o ingresso." Então ele anunciou que havia sido sua intenção doar seus lucros na turnê para instituições de caridade. Por que? alguém perguntou após Michael rapidamente deixar a coletiva. "Porque ele é um cara legal," disse Frank Dileo, o empresário de Michael. O que ele deixou de acrescentar foi que isto aconteceu apenas um dia antes do primeiro show em Kansas City e, como um candidato que subitamente sofre uma queda nas pesquisas, Michael pareceu sentir a necessidade de consertar alguns erros com seu público.

Na semana passada, quando uma das maiores - e, certamente, mais desorganizadas - turnês na história do rock and roll finalmente arrancou, ela ainda estava atolada em polêmicas. Por meses a história da turnê havia sido pontuada com interrogações. Quando começaria? Onde iriam tocar? Iria mesmo acontecer? Quando os ingressos finalmente começaram a ser vendidos, os fãs reclamaram sobre os preços exorbitantes e sobre não saber se eles iriam conseguí-los ou não até o último minuto. E notícias conflitantes amplamente divulgadas dentre o círculo interno da turnê. Um insider importante disse na semana passada, "Este é potencialmente o maior disastre que já foi enviado para a estrada."

Extravagante: Os problemas começaram antes mesmo do anúncio da turnê feito por Don King, o extravagante promoter do boxe, no último mês de novembro em Nova York. King foi escolhido para coordenar a turnê porque, de acordo com o irmão Jermaine, "ele era o único que queria envolver minha mãe e meu pai [Katherine e Joe Jackson]." A falta de experiência de King com turnês de rock - e as dificuldades esperadas desta - levaram os Jacksons a cogitar ofertas de não menos do que outros seis promoters no começo deste ano. Primeiramente, Russo da Providence, R.U., pareceu ter uma boa proposta; foi dito que ele deslumbrou os irmãos Jackson com uma garantia de U$100 milhões. Mas nenhum contato foi assinado, e ele saiu de cena.

No momento em que Chuck Sullivan, presidente da Stadium Management Corp. de Foxboro, Massachusetts, finalmente se tornou o promoter, garantindo U$38 milhões aos Jacksons com um adiantamento de U$12,5 milhões, a turnê começaria em apenas algumas semanas. Um homem com muita experiência na NFL mas pouca em eventos de rock, Sullivan negociou a turnê como ele provavelmente faria com o Super Bowl. O sistema de ingressos rígido, nacionalmente centralizado que Michael ordenou que fosse terminado, é sem precedentes na história do rock and roll. Sullivan também supostamente pediu por concessões exclusivas de possíveis cidades a serem incluídas na turnê - descontos no aluguel dos estádios, descontos parciais nos impostos locais, descontos em despesas de estacionamento - que algumas cidades, como Nova Orleans, por exemplo, se recusaram a oferecer. Ele havia conseguido, no entanto, agendar a maior parte da turnê em estádios de céu aberto da NFL, embora sem previsões firmes a respeito de chuva.

Gigantes estádios a céu aberto também oferecem riscos de segurança, já que os fãs tendem a empurrar uns aos outros em direção ao palco, especialmente se é um "festival" sem assentos demarcados. Mas na conscientemente segura turnê dos Jacksons, todos os lugares estão reservados. Em Kansas City, aqueles sem ingresso não conseguiram nem entrar no estacionamento do estádio, e todos passaram por um dos 38 detectores de metais. Quinhentos seguranças - cerca do dobro do número comum para um show de rock no estádio Arrowhead - estavam a postos. O pesado palco, que fez os organizadores da turnê pedirem por ajuda técnica na semana passada, também causou problemas. Sem uma pessoa sequer responsável por ele por toda a primavera, ninguém pareceu notar que o cenário monolítico, construído pelos designers do próprio Michael, ameaçava sair do controle. O vasto palco de 27 por 45 metros também requer uma gigantesca superestrutura para suportar o sistema elétrico de 12.000 volts (5.000 volts é o número normal para turnês do gênero) para a luz e efeitos especiais. Cem alto falantes (64 costuma ser o número comum para shows deste porte) estão divididos entre duas torres de 22 metros. A instalação maciça não é apenas tremendamente cara, mas ela também devora um alto número de potenciais assentos. Em Arrowhead, por exemplo, o palco dos Jacksons foi projetado para uma linha de 32 metros, e deixa ainda 42% dos 78,000 assentos fora da linha de visão.

Interesses conflitantes: Na raíz dos problemas da turnê estão não apenas a inexperiência de muitos dos que tomam as principais decisões, mas divisões dentro da própria família Jackson. Joe Jackson e os irmãos querem aproveitar o máximo desta última e lucrativa turnê dos Jacksons como um grupo. Do lado deles está King e Katherine. Michael e, até certo ponto, Jermaine, diferiram de seu pai e dos irmãos em alguns aspectos da turnê. Michael, por exemplo, queria ingressos a U$20 e se opôs à escolha de King. Os aliados de Michael são Frank DiLeo, seu advogado John Branca e Irving Azoff, presidente da MCA Records e ex-empresário dos Eagles, que trabalha como consultor da turnê. "Estamos lidando com várias entidades diferentes aqui," diz Sullivan. "Há Michael Jackson, que é um astro em seu próprio mérito; Jermaine Jackson, que é um astro em seu próprio mérito; os outros irmãos; Don King e Joe e Katherine, e os empresários dos estádios." Com todos os interesses e conselhos conflitantes de baterias de advogados e contadores, cada decisão tem de ser tomada por um comitê. "Todos são chefes e não há índios," relembra um amargo Russo, que está processando os Jacksons.

Muito dinheiro está em jogo. Sullivan tomará 25% dos lucros de estimados U$50 milhões; os irmãos dividem os outros 75%. Após pagarem sua parte dos gastos, os irmãos devem repassar 15% de quaisquer lucros para Don King e seus pais. Em acréscimo, os irmãos foram pagos em U$5.5 milhões pela Pepsi-Cola, a patrocinadora oficial da turnê, e eles devem ganhar ainda mais com os souvenirs dos shows.

Lealdade Familiar: Michael não precisa do dinheiro. Ele arrecadou U$45 milhões sozinho no ano passado, e está agora, de acordo com um amigo, planejando estrelar dois filmes e gravar uma trilha-sonora. Por que então ele está fazendo esta turnê? A razão principal, de acordo com insiders, é de que ele quer ajudar sua família. Dois de seus irmãos estão supostamente em uma má situação financeira, e seu pai declaradamente o pressionou para fazer a turnê acontecer. E apesar de seus irmãos não demonstrarem ressentimento ao sucesso solo fenomenal de Michael - "Estou feliz por ser ele e não outra pessoa," diz Jermaine - nem tudo é harmonia nos círculos familiares. Michael e seu pai, de acordo com uma fonte na turnê, raramente se falam diretamente nas reuniões.

Apesar da lealdade de Michael, sua última turnê com seus irmãos (ele nunca fez uma turnê sem eles) pode acabar o distanciando de sua família. Publicamente, ele tem tentado ser apenas um dos Jacksons. Mas a adoração de seus fãs começou a azedar na polêmica que a turnê gerou. A última gota d'água foi aparentemente a carta aberta para Michael, impressa em um jornal de Dallas, na qual Ladonnia Jones, de 11 anos, dizia que não podia guardar dinheiro para comprar quatro ingressos e perguntou, "Como você, de todas as pessoas, pode ser tão egoísta?" A carta gerou em Jackson uma tomada de atitude - mesmo que isso significasse enfrentar sua família. Se você é Peter Pan, você nunca precisa crescer. Mas se você é um astro e empresário multimilionário, você precisa começar em algum momento.



 Traduzido por Bruno Couto Pórpora