domingo, 27 de março de 2011

Liz Taylor Fala Sobre Homens, Dinheiro e Michael Jackson (Talk, Outubro 1999)

Talk, Outubro de 1999
Por Paul Theroux

A Srta. Taylor irá recebê-lo agora.

Eu podia ouvir claramente a muito criticada voz de Elizabeth Taylor em meio a barulheira do helicóptero durante o nosso vôo ao pôr do sol no rancho de Michael Jackson, Neverland. Menina, implorando e gritando, ela segurava o seu cachorro, um maltês chamado Sugar, e dizia: "Paul, diga ao piloto para voar em círculos, assim podemos ver o rancho inteiro!"

Neverland, a cidade de parques de diversões, casas de boneca, animais de zoológico e imensos jardins estava caindo abaixo de nós enquanto Elizabeth, caracteristicamente, pedia para subirmos mais.

Mesmo com os ouvidos abafados pelos fones, o piloto ouviu. Ele subiu o helicóptero o suficiente para vermos o brilho rosa-ouro que faz Neverland parecer ainda mais como um brinquedo - muitas luzes piscando em vão porque, com exceção do pessoal da segurança, não havia seres humanos a vista, apenas girafas ariscas; e sapos em formato de frisbee e gordas cobras na casa dos répteis, onde uma cobra e uma cascavael batiam seus dentes contra o vidro da jaula tentando me morder; "A.J.", o grande, eriçado chimpanzé no santuário dos macacos, que cuspiu na minha cara, e Patrick, o orangotango que tentou torcer a minha mão; as lhamas e os cisnes agressivos no lago; Gypsy, o elefante mal-humorado de cinco toneladas que Elizabeth havia dado a Michael; os brinquedos do parque vazios - o Dragão do Mar, os carrinhos de bate-bate, o carrossel tocando a canção Childhood de Michael ("Have you seen my childhood...?"); a enorme e bem iluminada estação de trem, os gramados e canteiros de flores onde auto-falantes disfarçados como grandes pedras cinzentas tocavam músicas de parque, abafando o barulho das aves selvagens. No meio delas, um JumboTron exibia um desenho, duas criaturas de caras estranhas grasnando miseravelmente uma para a outra - tudo muito brilhante na escuridão sem nuvens.

"Este é o mirante, onde Larry e eu nos casamos," disse Elizabeth, movendo a cabeça e sendo irônica. Sugar brilhava com sua bela e bem penteada pelagem branca, que se assemelhava um pouco ao belo cabelo branco da própria Elizabeth. "A estação ferroviária não é uma graça? Michael e eu fazemos piqueniques ali," ela disse, apontando para uma touceira de mato em um precipício. "Podemos dar a volta mais uma vez?"

Elizabeth está em sua forma mais elisabetana ao fazer o pedido ao piloto. Mais uma vez, o vale de Neverland, todos os seus 2,700 acres, girava lentamente abaixo de nós, as sombras alongando.

"O cinema de Neverland... flores... Michael adora flores," disse Elizabeth. "Olhe para os cisnes no lago! Whee!"

Com cisnes assim você dificilmente vai precisar de rottweilers, eu pensei. Os acres de gramado regados por aspersores subterrâneos eram verde-escuro. Aqui e ali, como soldados de brinquedo, estava a equipe de segurança uniformizada, alguns a pé, outros em carrinhos de golfe, alguns de sentinela - porque Neverland também é uma fortaleza.

"Por favor, podemos dar apenas mais uma volta?" implorou Elizabeth.

"Para quê serve aquela estação de trem?" eu perguntei.

"Para as crianças doentes."

"E todos esses brinquedos?"

"Para as crianças doentes."

"Olhe para todas essas tendas." Foi o meu primeiro vislumbre da coleção de tendas altas, escondidas na floresta.

"A aldeia indígena. As crianças doentes adoram aquele lugar."

Mesmo a esta altura, lembrei-me de que este rancho da infância está repleto de estátuas, que formam a estrada para os carrinhos de golfe: tocadores de flauta pouco cativantes, crianças sorrindo, aglomerados de crianças dando as mãos, algumas com banjos, algumas com varas de pesca. Há estátuas de bronze de porte grande, também, como a peça central do disco circular na frente da casa principal de Neverland, com a sua zona escura e janelas quadriculadas, uma estátua de Mercúrio (deus das mercadorias e comerciantes), com cerca de 30 pés de altura equilibrado na ponta do pé, seu traseiro como um bolinho com manteiga apontado para o último pôr do sol.

"Diga ao piloto que queremos descer um pouco! Descer!"

Era uma voz diferente novamente, ainda mais jovem. O piloto ouviu. Ele nos trouxe para o vale seguinte, repleto de vacas, então passando ao centro de Santa Bárbara e ao longo da costa, até quase o nível das ondas quebrando.

Elizabeth começou a gritar com voz esganiçada, "Whee! Que pressa! Whee!"

Nossa proximidade com o oceano amplifica o barulho do motor, mas Elizabeth ainda está faladeira. Ela inclinou-se e gritou no meu ouvido: "Você já fez isso antes?"

"No Vietnã!" Eu gritei. "Não, aqui!" Ela parecia irritada, como se eu a contradissesse deliberadamente. "Algumas vezes voamos tão baixo que nos molhamos! Whee!"

O helicóptero retornou para os campos de morango e árvores de fruto, e então voou para o leste, sob um céu escuro, em direção ao aeroporto Van Nuys com uma limusine à espera.

Mas Elizabeth estava olhando para o céu e sua luz duradoura.

"É como uma Whistler Nocturne," ela disse calmamente. A voz da menina tinha ido embora. Este era um tom diferente: pensativo, adulto, um pouco triste. E o que me impressionou foi a sua caracterização precisa do céu, perfeitamente Whistlerish, com luzes redondas e sombras pairando sobre Neverland.




"Então você é Wendy e Michael é Peter?" Eu havia perguntado um mês antes, em sua casa em Bel-Air.

"Sim. Sim. Há uma espécie de magia entre nós."

"Magia" tinha um som estranho neste cenário. Sentada ereta, sua face lisa em seu pequeno corpo frágil, ela parecia uma peça perdida de um tabuleiro de xadrez. Ela tem pouco mais que 1,50m. Um problema nas costas, três operações no quadril, um tumor cerebral, uma lesão no tornozelo ("Eu caí 17 vezes. Eu era como a Noviça Voadora!"). Em meados de agosto, ela esteve no hospital Cedars-Sinai em Los Angeles por conta de um dente impactado. Uma semana depois, em casa, ela tropeçou, sofreu uma fratura em uma vértebra torácica e teve de voltar para o Cedars-Sinai para um mês de recuperação (Seu relações públicas informou que ela estava em "ótimo espírito".)

Elizabeth estava bebendo água encostada em almofadas, para descansar as costas. Seus pés, em finos chinelos, descansavam sobre uma mesa de centro na qual havia uma massa de pedaços de meteoritos - ou eram geodos? - 40 ou mais deles, cristais roxos brilhantes em seu interior. Atrás dela havia uma parede de obras de arte lado a lado: Van Gogh prensado contra Monet, Rouault contra Cassatt, Matisse em cima de Modigliani, três Utrillos lado a lado - e, depois do abajur da Tiffanny e da mesa de vidro e cristal, o que parecia ser um diamante do tamanho de um côco. "De Michael," Elizabeth explicou depois. "Ele disse que queria me dar o maior diamante do mundo. É um cristal - não é divertido? Vá e frente, levante-o." Devia pessar uns 9 kilos, e seu brilho chegava até o Frans Hals pendurado sobre a lareira. Havia prateleiras de cavalos de bronze esculpidos por sua filha Liza Todd, uma dos seus quatro filhos. O quadro do Picasso estava sobre o aquário de peixes. O tapete era branco, da mesma brancura do pêlo de Sugar, assim como o cabelo de Elizabeth, seus chinelos e a maioria dos móveis. A sala de troféus era na porta ao lado, o quadro de Michael Jackson no salão ("Para o meu verdadeiro amor, Elizabeth, eu te amarei para sempre, Michael"), um quadro de Hockney e três Warhols (um ícone de uma serigrafia de Elizabeth) na biblioteca, e quatro obras de Augustus John no banheiro.

Era fim de tarde. Elizabeth, uma coruja da noite e uma famosa insone, não havia saído da cama há muito tempo, onde ela estava escutando o álbum Romanza do cantor italiano Andrea Bocelli. Seria um dia normal em ascensão ao meio da tarde, com muita música, alguns programas de TV; uma volta ao redor da casa. Um encontro estava planejado para mais tarde, mas nada especial. Rod Steiger era esperado. Durante o último ano e meio, ele levava Elizabeth em sua pequena Honda para comer hambúrgueres e frango frito.

"Eu fui agorafóbica por cerca de dois anos, ela disse.

"Não saía de casa, mal saía da cama. Rod Steiger me tirou daqui. Ele disse que eu estava deprimida. Então, nós namoramos."

"Namorar" é uma palavra extremamente opaca. Além de Steiger, que nega que haja qualquer romance envolvido, ela também está saindo com outro homem, Cary Schwartz, um dentista de Beverly Hills com pouco mais de cinquenta anos, que a acompanhou ao seu aniversário no Bellagio Hotel em Las Vegas (para assistir a Bocelli) com seus filhos adultos; José Eber, seu cabelereiro; Dr. Arnie Klein, dermatologista de Michael Jackson; e o próprio Jackson.

Tanto Klein como Eber haviam me mostrado a foto comemorativa do aniversário - todos eles sorrindo à mesa do restaurante, Michael de forma bem distinta ao presentear Elizabeth: uma bolsa com um elefante do tamanho de uma bola de futebol coberto de jóias, inspirado em Gypsy.

"Já aconteceram algumas coisas na minha vida que as pessoas não acreditariam," conta Elizabeth, a propósito de me dizer que ela não suportava olhar para o passado e por isso nunca contemplaria uma autobiografia séria. "Porque alguns momentos da minha vida foram muito dolorosos, eu não poderia revivê-los. É um dos motivos pelos quais eu evito a psicologia. Eu não poderia voltar a alguns desses lugares e revivê-los. Eu acho que ficaria louca."

Mas Elizabeth Taylor, a imaginação que se fez carne, foi além de seus desejos em uma série de vidas sobrepostas com um elenco de milhares. Ela alega até mesmo que já morreu.

"Eu passei por aquele túnel," ela conta, falando da traqueotomia que fez em 1961, durante a qual ela disse ter sido declarada morta. "Eu vi a luz branca e ela dizia, 'Você tem de voltar'. Isso realmente aconteceu. Eu não falei sobre isso porque eu pensei: isto é loucura!"

Ela admite que é o oposto de reflexiva. Talvez seja essa falta de vontade de olhar para o passado que explica o seu otimismo.

Ela reconheceu que, como Sra. Larry Fortensky, ela teve de ranger os dentes para ir a um conselheiro matrimonial. "Mas eu pensei, por que não? Eu vou tentar qualquer coisa."

Como Larry havia frequentado o conselheiro antes no decurso de um ou de ambos os seus casamentos anteriores, Elizabeth disse: "Eles tiveram uma conversa que se tornou uma espécie de código. Senti-me deixada de fora. Mas fizemos isso. Entrávamos no carro e íamos para o conselheiro. E então não nós falávamos até a próxima sessão."

Ela ria, com um tipo peculiar de alegria zombeteira que a torna simpática. Esta risada fatalista a custa de si mesma vem depois da menção de qualquer coisa absurdamente catastrófica - desastres conjugais ou hospitalização ou acidente, ou sobre voltar dos mortos. Ela te deixa à vontade - o seu subtexto é "Eu devo ser louca." É também uma atividade de deslocamento, porque a possibilidade de perceber pena ou arrependimento em alguém, ela diz, pode reduzi-la à lágrimas indefesas.


(Parte 2)

O que começou como uma amizade com Michael Jackson se transformou em uma espécie de causa, onde ela se tornou praticamente sua única defensora.

"E quanto à…" – eu pescava palavras – "excentricidade dele? Isto te incomoda?" "Ele é mágico. E eu acho que todas as pessoas verdadeiramente mágicas têm que ter essa excentricidade genuína." Não existe um átomo em sua consciência que permite a ela a menor negatividade sobre o tema MJ. "Ele é uma das pessoas mais amorosas, meigas e verdadeiras que eu já amei. Ele faz parte do meu coração. E nós faríamos qualquer coisa um pelo outro."

Esta Wendy-com-um-sentimento-de-vingança, uma vez a pré-adolescente mais famosa do mundo, diz se identificar facilmente com Michael, que também foi um astro infantil e que também teve sua infância negada.

E Michael, que se entrega na iconografia, colecionou por anos imagens de Elizabeth Taylor, assim como colecionava de Diana Ross - e, aliás, também de Mickey Mouse e Peter Pan - a maioria dos quais, ao longo dos anos no que é menos uma vida do que uma metamorfose, ele chegou ao ponto de lembrar fisicamente. Elizabeth, em quase 60 anos de estrelato, esteve em uma metamorfose semelhante: a menina encantadora se transformou de Velvet Brown a Pearl Slaghoople (e mais recentemente como Sara, a namorada de Deus, em um novo desenho da NBC), em Cleópatra e Maggie, a gata. Cada filme (foram 55, mais nove filmes para TV), cada casamento (oito), cada romance (cerca de 17 noticiados) produziu um novo rosto e figura, uma nova imagem - enquanto a mulher se mantém inalterada: simples, engraçada, verdadeira, impulsivamente voltada para o exterior e, de alguma forma, ainda com fome por mais.


Quando, do nada, Michael lhe ofereceu 14 ingressos para um de seus shows no Dodgers Stadium no início dos anos 80, ela os agarrou. O dia era propício, 27 de fevereiro, seu aniversário e também o do seu filho, Christopher Wilding. Mas os assentos eram na área VIP, longe do palco. "Eu poderia estar vendo pela TV," ela disse. Ela levou seus convidados de volta para sua casa.

"Michael ligou no dia seguinte em prantos e disse, 'Eu sinto muito. Eu me sinto tão mal.'" Eles conversaram por duas horas. "E então passamos a conversar todos os dias." Meses passaram; as ligações continuaram. "Realmente," ela disse, "nós conhecemos um ao outro pelo telefone, num período de aproximadamente três meses."

Um dia, Michael perguntou se podia aparecer lá. Elizabeth disse que tudo bem. Ele disse, "Posso levar meu chimpanzé?" Michael apareceu de mãos dadas com o chimpanzé, Bubbles.

"Somos amigos desde então," disse Elizabeth. "Era para eu ir com ele naquela viagem à África do Sul."

"Para encontrar o Presidente Mandela?" "Eu o chamo de Nelson," disse Elizabeth. Porque ele me disse para chamá-lo assim. Nelson me ligou e pediu para que eu fosse com o Michael. Nós conversamos pelo telefone. 'Oi, Nelson!' Ha-ha!"

"Você vê muito o Michael?" "Mais do que as pessoas percebem - mais do que eu percebo," ela disse. Eles vão ao cinema disfarçados em Westwood e em outros lugares, sentados no fundo, de mãos dadas. Antes que eu pudesse moldar uma pergunta mais específica, ela disse, "Tudo em Michael é tão verdadeiro. E há algo nele que é tão doce e ingênuo - não infantil, mas ingênuo - que ambos tempos e nos identificamos."

Ela disse isto do modo mais adorável à lá Wendy, mas há na forma aparentemente doce algo da criança tomando comando - um pouco desafiadora, quase despótica. "Nós nos divertimos tanto juntos," disse Elizabeth. "Apenas brincando."



"SIM, nós tentamos escapar e fantasiar," Michael Jackson me disse. "Fazemos grandes piqueniques... eu posso realmente relaxar com ela; porque nós vivemos a mesma vida e passamos pelas mesmas coisas."

"Que são?"

"A grande tragédia dos astros infantis. E nós gostamos das mesmas coisas. Circos. Parques de diversões. Animais."

Ele havia me ligado, sem a apresentação de um secretário. Meu telefone tocou e eu escutei, "Aqui é o Michael Jackson." A voz era ofegante, ininterrupta, de um menino. Trêmula e ansiosa, mas densa em substância, como uma criança cega lhe dando instruções explícitas na escuridão.

"Como você descreveria Elizabeth?" eu perguntei.

"Ela é um cobertor quente e fofo com o qual eu amo me aconchegar e me cobrir. Eu confio nela. Neste negócio, você não pode confiar em ninguém."

"Por que isso?"

"Porque você não sabe quem é seu amigo. Porque você é tão popular; e há tantas pessoas ao seu redor. Você está isolado, também. Se tornar bem sucedido significa também se tornar um prisioneiro. Você não pode sair e fazer coisas normais. As pessoas estão sempre olhando."

"Você já teve essa experiência?"

"Oh, muitas vezes. Eles tentam ver o que você está lendo e todas as coisas que você compra. Eles querem saber tudo. Sempre há paparazzis. Eles invadem a minha privacidade. Eles distorcem a realidade. Eles são o meu pesadelo. Elizabeth é alguém que me ama - realmente me ama."

"Eu sugeri a ela que ela era Wendy e você o Peter."

"Mas Elizabeth também é como uma mãe - e mais do que isso. Ela é uma amiga. Ela é a Madre Teresa, Princesa Diana, a Rainha da Inglaterra e Wendy."

Ele voltou ao assunto da fama e do isolamento. "Muitos dos nossos grandes famosos ficam intoxicados por causa disso - eles não conseguem lidar com isso. E a sua adrenalina está no auge do universo após um show - você não consegue dormir. É talvez duas da manhã e você está desperto. Depois de sair do palco, você se sente flutuando."

"Como você lida com isso?"

"Eu assisto a desenhos animados. Eu amo desenhos. Eu jogo video-game. Às vezes eu leio. Eu adoro ler contos e coisas do tipo."

"Algum em particular?"

"Somerset Maugham," ele disse rapidamente e, em seguida, pausando em cada nome, "Whitman. Hemingway. Twain."

"E quanto aos video-games?"

"Eu amo X-Men. Pinball. Jurassic Park. Os de artes marciais - Mortal Kombat. Eu geralmente levo alguns deles comigo nas turnês."

"Como você consegue isso? As máquinas de video-games são bem grandes, não são?"

"Oh, nós viajamos com dois aviões de carga."

"Você já escreveu alguma música com Elizabeth em mente?"

"Childhood".

"Esta é aquela com o verso 'Have you seen my childhood?'"

"Sim. É assim..." - ele cantou para mim - "Before you judge me, try to..."

"Eu não a escutei no seu carrossel em Neverland?"

Animado, ele disse, "Sim! Sim!"

Nós falamos sobre o famoso casamento em Neverland, sobre Larry Fortensky - quem Michael disse gostar. Sobre Elizabeth como inspiração, e sobre como ela sustentou sua família desde os nove anos de idade.

"Eu fiz isso também. Meu pai pegou o dinheiro." Há uma máquina a vapor chamada "Katherine" e uma "Rua Katherine" em Neverland. Katherine é a mãe de Michael; parece não haver nada lá com o nome de seu pai. "Parte do dinheiro era guardada para mim, mas a grande parte foi voltada para sustentar minha família. Eu trabalhava o tempo todo."

"Se você tivesse de fazer tudo novamente, como você mudaria as coisas?"

"Apesar de eu ter perdido muitas coisas, eu não mudaria nada."

"Eu consigo escutar os seus filhos aí no fundo." O borbulho deles se tornou insistente, como as últimas gotas de água descendo pelo ralo. "Se eles quiserem ser artistas e levar a vida que você levou, o que você diria?"

"Eles podem fazer o que quiserem. Se eles quiserem fazer isso, tudo bem."

"Como que você irá criá-los de forma diferente da que você foi criado?"

"Com mais diversão. Mais amor. Não tão isolados."

"Elizabeth diz que acha doloroso olhar para o passado. Você também acha doloroso?"

"Não, não quando pertence a um panorama da sua vida ao invés de um momento particular."

Mais uma surpresa de Michael Jackson; ele me fez pausar com "intoxicados" e "auge do universo" também. Eu disse: "Eu não estou muito certo sobre o que você quer dizer com 'panorama'".

"Como a infância. Eu posso pensar nela. O arco da minha infância."

"Mas há momentos na infância quando se sente particularmente vulnerável. Você se sentia assim? Elizabeth disse que sentia que era propriedade do estúdio."

"Às vezes, bem tarde da noite, nós tínhamos que sair - poderia ser três da manhã - para fazer um show. Meu pai nos obrigava. Eu tinha sete ou oito anos. Alguns desses lugares eram boates ou festas particulares em casas de pessoas. Nós tínhamos de cantar." Isto foi em Chicago, Nova York, Indiana, Filadélfia, por todo o país. "Eu estaria dormindo e ouvia meu pai. 'Levante! Temos um show!""

"Mas quando você estava no palco, não sentia um tipo de emoção?"

"Sim. Eu amava estar no palco. Eu amava fazer os shows," Michael disse, acrescentando, "Eu nunca gostei do contato pessoa-a-pessoa. Até hoje, após um show eu odeio isso, conhecer as pessoas. Eu fico tímido. Eu não sei o que dizer.

"Mas você fez a entrevista com a Oprah, certo?"

"Com a Oprah foi difícil. Porque estava passando na TV, estava fora do meu domínio. Eu sei que todo mundo está olhando e julgando. É tão difícil."

"Isto é um sentimento recente, de que você está sendo examinado minuciosamente?"

"Não," ele disse com firmeza. "Eu sempre me senti assim.

"O que, suponho eu, é o motivo pelo qual falar com Elizabeth por um período de dois ou três meses no telefone foi a maneira perfeita de se conhecerem."

"Sim."

(Parte 3)

Dado o passado de Elizabeth, sua insistência em dizer para Oprah Winfrey que "Michael é o homem menos estranho que já conheci" não é a declaração hiperbólica que parece ser. Ela já foi considerada ingênua, mas é fato que ela conheceu - e já casou, teve casos e se envolveu - com alguns dos homens mais estranhos, abusivos, viciados, perdulários e polimorficamente perversos possíveis - até mesmo brutos.

Ela apanhou de Nicky Hilton, foi traída por Richard Burton. Ela disse que vendeu um diamante de 69 quilates e seu Rolls púrpura para ajudar John Warner a entrar no Senado (um grande sacrifício o qual Warner não me ligou para confirmar ou negar). E então houve Larry Fortensky - pobre e bêbado Larry, quem Elizabeth levou para uma viagem de avião pela primeira vez. E também teve os amantes, que supostamente variaram de Max Lerner a Carl Bernstein a um ex-embaixador do Irã, também.

Próximo a este grupo, Michael - que não fuma, bebe ou usa drogas - deve realmente parecer Peter Pan para ela. Ele é famoso por seu sussurro. Whee! é uma de suas expressões mais usadas, também. Sua generosidade para com esta mulher, que adora receber presentes, faz dele o seu padroeiro e seu camarada.

Parece-me que todos os relacionamentos dela envolveram uma espécie de jogo de papéis; olhando ao longo das décadas de fotografias existe uma dissemelhança surpreendente nas Elizabeths, como se um criativo diretor de arte tivesse uma mão no projeto: a jovem e americana Sra. Hilton, a inglesa Sra. Wilding, a judia Sra. Todd, a esposa dos palcos - Sra. Fisher, a gritante Sra. Burton, a política em campanha - Sra. Warner, e finalmente a esbelta Sra. Fortenskty em jaqueta de couro e jeans, famosa por aparecer, absolutamente maravilhosa, nas construções onde Larry trabalhava.

Alguns dos casamentos foram melodramas; alguns foram tragédias. Nicky Hilton - jovem, rico, embriagado, um desperdício - algo saído de um livro de F. Scott Fitzgerald. O esforço em Michael Wilding - ator transplantado da Inglaterra para Los Angeles - foi um choque cultural anglo-americano. O curto e intenso casamento com Mike Todd, tragicamente terminado em um acidente de avião, teve uma sequência com música: o casamento com o amigo de Todd, Eddie Fisher, que se transformou em um filme burlesco sobre fracasso e pílulas. O caso com Burton foi dividido em duas partes, com muitas bebidas e gastos; altamente emocional, complexo e apaixonado, provou a máxima de Freud de que em todos os casos de amor quatro pessoas estão envolvidas. Um dos quadros de Elizabeth retrata um castelo na Suíça perto de um lugar aonde ela diz ter se encontrado secretamente com Burton após as filmagens de Cleópatra; ela valoriza a pintura menos como uma obra-prima do que como a cena do que ela diz ter sido um dos momentos mais românticos em um dos seus dois grandes amores (o outro foi Todd). O último par de casamentos - do político em ascensão John Warner, ao trabalhador de construção Larry - elevaram-se a comédias, envolvendo toda a dor excruciante que a verdadeira comédia exige.

Uma noite, pouco antes de encontrar Elizabeth, eu vi Warner na televisão, falando sobre a guerra em Kosovo. Ele pode ser o presidente do Comitê de Serviços Armados do Senado, mas seus olhos muito pertos um do outro e seu crânio estreito lhe dão um insinuante look de cocker spaniel.

Falando sobre o casamento com Warner, Elizabeth disse, "Parecia para mim que se eu não saísse logo dele, eu enlouqueceria - sair daquela situação onde você não tem opinião própria, apenas como a esposa do candidato."

"É como um nome de filme - A Esposa do Candidato", eu disse. Eu perguntei a ela se seus próprios casamentos pareciam assim, tão específicos e irreais ao mesmo tempo.

Elizabeth pensou nisso, então disse, "Você não começa a fazer um filme esperando que ele fracasse. Você se casa esperando que seja para sempre. É por isso que você se casa."

Elizabeth era, claro, a pessoa errada para se perguntar sobre isso, e mesmo assim tudo o que ela me contou me pareceu como se seu casamento como A Esposa do Candidato (1976-82) fosse infinitamente mais agradável do que os filmes que ela fez neste período. A Little Night Music (1977), Return Engagement (1978), Winter Kills (1979), e The Mirror Crack'd (1980).

"Eu tive que seguir a linha do partido," conta Elizabeth. "Me disseram para não usar roxo. O Comitê das Mulheres Republicanas disse, 'Denota a realeza.'

"Eu disse, 'E daí?'

"E denota paixão.

"Eu disse, 'Qual o problema com isso?'

"Elas disseram, 'Você é a esposa do candidato!'"

Corte.

Elizabeth comprou um terno conservador - "Eu odeio ternos!" - e fez campanha pelos próximos dois meses, cinco ou seis lugares por dia, sem tempo para comer, o candidato freneticamente pedindo por votos, a esposa do candidado sorrindo corajosamente. Um dia, correndo para um evento republicano, o candidato Warner - cujo apelido para sua esposa era "Pooters" - disse, "Tem frango frito aqui, Pooters. Pegue um peito de frango ou algo para colocar no estômago. Esta é a nossa última chance no dia para comermos!"

"Então eu peguei um peito," disse Elizabeth, "e de repente - aaargh! Você sabe esses ossos de duas polegadas e meia? Um deles ficou preso na minha garganta. John Belushi fez todo um sketch sobre isso no Saturday Night Live, aquele bastardo! Me engasgando com um osso de galinha em Big Stone Gap, Virginia!"

Se aquecendo para o tema enquanto contava a história, ela descreveu como o doutor do hospital usou uma longa mangueira de borracha para tirar o osso. "Para tirar o osso do meu estômago - sem anestesia, não mais do que uma aspirina. Mas as piadas! Eu fui piada por um ano!"

Depois que Warner se elegeu, um almoço foi realizado para Elizabeth pelas senhoras republicanas,  para lhe agradecer por sua contribuição para a vitória de Warner.

"Para a ocasião, eu tirei a naftalina do meu terninho roxo Halston - deixei ele todo enfeitado - e usei com toda a minha glória.

"Eu disse, 'Judy...' - ela era a gerente do escritório da campanha - "Eu estou usando isto em sua homenagem!"

Com Warner no Senado, Elizabeth ficou redundante. "Washington é a cidade mais cruel para uma mulher no mundo," ela disse. Ela ficou ociosa; ele estava, ela disse, obcecado em aparecer para a votação nominal. Com seu trabalho no Senado, ele retornava exausto para casa.

"E ele dizia 'Porque você não toma um Jack Daniels, Pooters, e vai para cima assistir TV. Então Pooters se enchia de Jack Daniels e subia para assistir TV e esperar pelo próximo dia," disse Elizabeth.

"E assim por diante, eu pensei, os meus copos de Jack Daniels estão ficando maiores e maiores, e se eu não me controlar vou acabar bebendo até morrer ou chegar a um estupor onde não haverá mais vida para mim."

Contra o conselho de todos que ela conhecia, ela aceitou o papel principal na peça da Broadway, The Little Foxes. "Eu fui para um spa, para perder peso e recuperar minha energia - parar de beber, me sentir bem comigo mesma. Levei o roteiro comigo."

Tennessee Williams apareceu no seu teste para a peça em Fort Lauderdale; ele disse para Elizabeth que sempre pensou nela como uma "heroína de Tennessee Williams", e ela provou isto interpretando suas heroínas em Gata em Teto de Zinco Quente, De Repente, no Último Verão e Doce Pássaro da Juventude. Ela disse que se sentiu libertada com The Little Foxes: ela gostava das pessoas do teatro, dos aplausos e da atmosfera familiar de um show. A peça seguiu na estrada e Elizabeth também - em todos os sentidos. Ela logo se divorciou de Warner, mas continua com a fase londrina da peça.

É o final perfeito para A Esposa do Candidato: a estrela que abandonou a atuação para assumir o papel da vida real de esposa de um político em ascenção - e que descobre que é desnecessária após as eleições. Ao perceber que está morrendo enquanto esposa do candidato, ela escolhe a liberdade ao conseguir para si um papel em uma peça, outro papel-dentro-de-um-papel. Ela só pode ser ela mesma e "se sentir livre e alegre" quando está atuando.

E, em seguida a atriz, libertada pela peça, se apaixona por Tony Geary, um astro de telenovelas, e faz uma série de aparições especiais na série de TV General Hospital.

Vida à vida, papel a papel. Dez anos se passam e o próximo filme é A Esposa do Trabalhador de Construção (1991-96). As jóias se foram e Elizabeth está de jeans, a adorável esposa de um monossilábico trabalhador de colarinho azul chamado Larry. "Eu fiquei tão feliz em poder levá-lo a lugares que eu nunca havia ido, para que eu não tirasse vantagem dele e pudéssemos conhecer novos lugares juntos." Ela o leva para passear de avião - para o Marrocos, Tailândia. Porque eles são convidados da família real tailandesa, eles têm escolta de motocicletas. Nunca existem outros carros à vista quando eles estão na estrada; todo o tráfego é esvaziado para eles. Larry, em sua inocência, pensa que em todas as viagens ao exterior se é saudado por policiais. Mas ele odeia a comida estrangeira. Ele está entediado. "Ele queria ir ao McDonald's, onde quer que estivéssemos."

De volta ao lar em Bel-Air, "Eu costumava levantar às quatro da manhã para tomar café com ele. Depois de Larry ir ao trabalho, eu voltava para a cama. Então ele chegava em casa e era maravilhoso - ele estava suado, tinha as mãos sujas, era lindo, e ele brincava com seus pombos adestrados.

"Eu ficava tão orgulhosa por ele trabalhar. Eu fiquei um pouco magoada quando ele parou."

E quando Larry, o trabalhador de construção, parou de trabalhar e começou a beber, só poderia terminar com sua partida de Bel-Air. Fim do filme.

Eu senti que Elizabeth merecia elogios por colocar seu coração e alma em todos esses amores condenados, por atirar-se no papel de esposa com tanto entusiasmo. Ao mudar de personagens, ela manteve sua vitalidade, embora um de seus biógrafos, Sheridan Morley, tenha me dito que ela era uma espécie de personagem dos romances de Henry James, "inocente, ainda que no centro da morte e destruição."

Com a exceção de Eddie Fisher ("Digamos que não somos exatamentes amigos íntimos"), ela se manteve relativamente perto de seus ex-maridos que ainda vivem. E embora ela zombe deles, ela nunca é cruel; ela simplesmente deixa que os fatos falem por si.



(Parte 4 - Final)

"É uma faca de dois gumes, descobrir os meninos," ela disse após uma agradável recordação de quando montava em seus cavalos ainda menina. No início, aconteceram dois ou três romances rigorosamente vigiados e então, após um rápido namoro, ela se casou com Hilton. "Eu era virgem e sem entusiasmo. Isso foi uma coisa tola, deixe-me contar."

Sua voz se tornou mais seca e ela tremeu um pouco, sentada no sofá. "Ele começou a beber duas semanas após nos casarmos - eu pensava que ele era o garoto mais gentil, puro, um típico americano. Duas semanas depois, bam! Todo o abuso físico começou. Eu o deixei após nove meses de casamento... depois" - ela fez uma pausa e olhou para longe - "de ter um bebê expulso do meu estômago."

"Isso é terrível," eu disse.

"Ele estava bêbado. Eu pensei, 'Não foi por isso que vim ao mundo. Deus não me colocou aqui para expulsar um bebê do meu estômago.' Eu tive dores incríveis. Eu vi o bebê no vaso sanitário. Eu não sabia que eu estava grávida, então não foi um ato malicioso. Apenas aconteceu."

Sem outra palavra, Elizabeth se levantou e deixou a sala. Alguns minutos se passaram até que ela retornasse, dizendo que a lembrança lhe dera dores físicas em seu abdômen. Ela acrescentou, "Eu nunca falei sobre isso antes," e mudou o assunto - para Montgomery Clift e como ela "arranjou" o primeiro namorado do ator.

Como ela sabia que Monty era gay?

"Ninguém explicou para mim, mas eu sabia. Monty estava no armário, e eu acho que sabia o que ele passava. Ele foi atormentado a sua vida inteira. Eu tentei explicar a ele que isso não era horrível. Era a forma como a natureza o fez."

Se há uma constante em sua vida altamente mutável é sua amizade com homens gays. Maridos e amantes passaram, mas sempre houve um homem gay - e geralmente mais de um - na qualidade de acompanhante, confidente, amigo - quase irmã. Roddy McDowall foi um amigo como tal, desde 1943, quando eles apareceram em Lassie - A Força do Coração, até sua morte em 1998. Assim foram Rock Hudson, Tennessee Williams, Halston, Malcolm Forbes, Andy Warhol, Truman Capote. Atores, diretores, estilistas, cabeleireiros, escritores, quase todos eles adoráveis e - até ela admite - uma grande parte dos amigos mais próximos que ela teve em sua vida. Alguns dos seus amantes foram violentos, mas não há um exemplo registrado de sequer uma briga com um de seus amigos gays.

Quando a AIDS começou a levar a vida de alguns deles, ela chamou atenção para a doença e por ser possivelmente a primeira pessoa em Hollywood a levantar fundos para pesquisas sobre a AIDS, com a American Foundation for AIDS Research e também com a Elizabeth Taylor AIDS Foundation.

"Se você é famosa há tantas coisas boas que você pode fazer," ela me disse. "Se você faz algo que vale à pena, você se sente bem. Eu passei todos os meus últimos 50 anos protegendo a minha privacidade. Eu detestei a minha fama até perceber que poderia usá-la."

Ela foi a anfitriã de um evento para arrecadar fundos para a causa no ano de 1985, em Hollywood. Foram arrecadados 1 milhão de dólares. Muitos outros eventos seguiram este.

"Eu sou essa pessoa famosa e temida. Consigo intimidar as pessoas," disse Elizabeth. Ela sempre gostou bastante de ser classificada como uma rebelde, e agora ela pode fazer sua rebeldia funcionar. Seus esforços renderam mais de 100 milhões de dólares para pesquisas sobre a AIDS, e ela ainda está firme.

"É por isso que eu faço sessões de fotos - para manter minha fama viva. Para que as pessoas não digam, 'Quem é esta senhora?'"

Elizabeth pode ser considerada a última verdadeira estrela de Hollywood. Há algo que falta na Hollywood de hoje. Não é o declínio dos estúdios e a ascensão dos cineastas independentes. Nem os escândalos ou os casamentos loucos e os assassinatos - ainda há quantidade o suficiente desses.

"Não se tem mais peitos," disse Elizabeth. "E se os temos, eles são balões falsos. Digo, você pode identificá-los à distância. Não é muito sexy."

"Então Hollywood está sem peitos ultimamente - esta é a mensagem?" eu disse. "Mas eu não quero colocar palavras na sua boca." Rindo, ela falou, "Eu não te disso isso?"



Como era seu hábito, Rod Steiger apareceu uma noite dirigindo a sua pequena Honda. De cabeça raspada, de ombos quadrados e vestindo preto (com tênis), ele poderia ser Mussolini em um dia de folga, fazendo uma visita a Clara Petacci. Afundado em depressão, Steiger não trabalhava há oito anos quando, com remédios e auxílio médico, ele conseguiu voltar a atuar. Um ano e meio atrás ele visitou Elizabeth, a quem ele mal conhecia, para propor que ela fizesse com ele Somewhere, um roteiro que ele co-escreveu sobre uma Oz revisitada, com todos os personagens crescidos. Nesta versão, Elizabeth faria a Dorothy envelhecida. Mas Steiger ficou chocado quando a viu - ela parecia triste e sem sair de casa, e por que ele havia passado por algumas das mesmas coisas, decidiu fazer dela a sua missão. Ele me disse, "Ela vai a qualquer lugar para tomar um ar fresco."

Michael Jackson é ar fresco. Talvez seu último filme é o que ela está encenando com ele agora - mais fiel ao espírito da sua vida do que a atualização de Steiger para O Mágico de Oz. Há dois livros na mesa de café da biblioteca de Michael em Neverland: Peter Pan e um livro de fotos, o próprio HIStory de Michael. A casa é cheia de iconografia de Peter Pan. Quase conscientemente, Elizabeth e Michael interpretam personagens em sua sequência para o livro de J.M. Barrie, mas esta versão, sobre uma Wendy crescida e um recluso Peter que se recusa a envelhecer, é mais estranha, mais colorida, e mais completa do que os casamentos cinematográficos de Elizabeth os quais já acompanhei. Não há conflito, nem sinal disto, não há sexo, não há luta, não há privações. Para os seus fins, o rancho Neverland é perfeito: a mãe-menina, o filho patrão-menino, o frisson de sexo existente nos pulsos do ar - o toque, os abraços, as provocações, as brincadeiras - a vida como brincadeira cheia de dinheiro, e até piratas! A amizade durou mais do que qualquer um dos casamentos de Elizabeth.

Elizabeth tem um apetite pela vida, e apetite foi a palavra que me ocorreu quando eu pensei nela. Uma fome, que de certa forma nunca foi satisfeita. Nesta fome, ela chega à sua forma mais elizabetana. É claro que isto é uma metáfora, mas ela não é uma pessoa metafórica - seus pés tocam o solo, ela tem uma mente rápida, e seu apetite é literalmente isso, uma desejo de devorar. Ela disse que muitas vezes quando estava gorda não foi o resultado de uma infelicidade - foi porque ela ama comer. E ela adora as comidas que mais engordam: sorvete, hamburgers, frango frito. Às vezes, Steiger trás alguns cachorros-quentes de uma lanchonete em Malibu; seu dentista a leva para comer hambúrgueres.

Todos que a conhecem tem uma teoria sobre o modo como ela viveu sua vida. A maioria das histórias são sobre como ela é fabulosa, seus excessos, suas nove vidas, seus acidentes, suas doenças; muitas outras são sobre a estranheza dela ter estado no centro de tanta catástrofe. Mike Nichols, que a dirigiu em seu primeiro filme - e um dos melhores de Elizabeth - Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, foi o mais sucinto: "Eu nunca a vi sendo rude, mentirosa, ou chegando no horário marcado."

Embora Elizabeth diga que ela não examina sua vida ou comportamento, sua impontualidade é dos mais ricos dos muitos aspectos que mereceriam análise. Seus atrasos geraram quase um título, Sua Serenidade Atrasada. Há histórias de atrasos associadas a tudo o que ela já fez. Sua carreira cinematográfica começou quando tinha nove anos, mas este é o único exemplo em que ela não esteve atrasada em toda sua vida.

O atraso é um tema importante na vida dela, assim como sua doença, e ainda assim os temas não estão relacionados. As suas doenças não explicam sua impontualidade - impontualidade é uma palavra fraca para sua condição crônica e incurável de atraso e relutância, que beira o patológico.

No caso de Elizabeth, a espera pode ser eu sentado em sua sala de estar, ou muitas centenas de pessoas em um teatro, se perguntando quando a cortina subirá para o início de The Little Foxes, ou mil pessoas presas no set de Cleópatra, ou John Warner batendo seu pé no dia de seu casamento - porque ela esteve atrasada para aquele momento, também.

No teatro, a cortina já esperou por ela. Diretores perderam a cabeça em vão. Chefes de Estado, a Rainha Elizabeth II, o papa, seus melhores amigos - nenhum deles tiveram o privilégio de a verem na hora marcada. E os aviões? Eu perguntei a uma pessoa que às vezes viaja com ela. Muitos vôos comerciais atrasaram por esperarem por ela. O seu vôo atrasou muito ao decolar de Los Angeles? As chances são de que Elizabeth estava num assento na primeira classe.

Esse atraso revela um sentimento neurótico de direito e de um lance de poder evidente. É uma característica constante no namoro e na sexualidade - a pessoa desejada é deixada à espera, o ato é adiado até o amado aparecer - e o sétimo véu cair.

O atraso é uma característica de diva, uma que lhe permite fazer uma entrada. Também é classicamente passiva-agressiva. "Eu sempre estou atrasada," Elizabeth diz para Montgomery Clift em Um Lugar ao Sol. "Faz parte do meu charme."

Uma pessoa atrasada obviamente dá grande valor à pontualidade: tudo deve começar no momento em que o retardatário chega. O atrasado nunca deve esperar - esta é uma das exigências do atraso. Certa vez eu soube de um ditado de Elizabeth, "Se ele não chegar aqui em 15 minutos, eu não o verei novamente."

Ninguém jamais disse isso sobre ela. Ela espera que a aceitem em seus próprios termos, então seu atraso funciona como uma espécie de teste. Se você não estiver disposto a esperar por ela, ela não está interessada em você. É característico da manipuladora, obcecada por controle, alguém profundamente insegura.

O que me intrigou foi que - dado o fato de que ela não faz mais filmes, que seu trabalho é leve, que ela parece não ler, e que ela tem pouco para ocupar sua mente além de seus namoros e seu cão - o que diabos ela estás fazendo quando ela não está onde deveria estar?

Como uma garotinha, Elizabeth se desculpou pelo atraso quando nos encontramos, e eu perguntei a ela o que ela estava fazendo. "Eu estava lá em cima - cantando e dançando," levada pela música de Andrea Bocelli, ela me contou. Mas ela também troca de roupa inúmeras vezes, ajusta sua maquiagem, decide trocar seus sapatos, tem momentos de indecisão na escolha de suas jóias, faz carinhos em Sugar, fala ao telefone.



Por favor, Deus, me faça maior do que a vida, sempre foi a oração de Elizabeth, como comer também sempre foi um tema elisabetano. Há uma história sobre ela abrir sua geladeira e falando gentilmente com a comida nas prateleiras, dizendo, "Eu adoraria morder você... e você... e você..."

Em Neverland, na sala de jantar de Michael, ela estava comendo um enorme omelete de queijo com ketchup, quando ela viu alguém com um prato de batatas fritas - as congeladas Mickey D. Kind - e ela disse, com verdadeiro entusiasmo em uma voz esfomeada, "Hey! Onde você conseguiu isso?" Em alguns minutos, ela também já tinha seu prato enorme de batatas fritas.

Um dela ela estava me dizendo, muito lentamente, e com grande sentimento, sobre uma sessão de fotos que ela fez para sua nova linha de perfume, White Diamonds - uma empresa que lhe assegurou uma renda substancial, e eliminou a necessidade de voltar ao cinema.

"Eu estava com um diamante de 101 quilates," ela disse, pausando a cada palavra. Ela lambeu seus lábios e havia um sorriso de prazer em seu rosto. "Sem nenhum defeito!"

Ela apertou o dedo em que servia o anel de diamantes imaginário, e um tremor de fome acometeu seu pequeno e frágil corpo, enquanto ela erguia seu dedo até sua boca e disse que um grito: "Eu queria engolí-lo!"

Outro dia ela escutava uma balada de Bocelli e cantava junto, até virar e perguntar. "Più! Più! Eu amo 'più'! O que 'più' significa?"

"Significa 'mais'," eu disse.

"Più!"

Após uma sessão particularmente boa de conversas na casa dela, eu fui embora. Logo depois, falando com um amigo em comum, Elizaeth perguntou: "Paul é casado?"

 Traduzido por Bruno Couto Pórpora.