Entertainment Weekly, 23 de outubro de 2009
Por Josh Rottenberg
Michael Jackson não conseguia dormir. Sempre que ele tentava, novas idéias para seus shows de retorno o ocorriam: vinte e dois cenários diferentes. Um coro infantil. Dança aérea. Imagens em 3D projetadas no maior telão do mundo. Elaborados números de mágica ao estilo de David Copperfield. Com um contrato de 50 shows para a O2 Arena de Londres, ele queria dar aos seus fãs sua derradeira apresentação nos palcos, um espetáculo para acabar com todos os outros. Tudo isto estava bem no nome: This Is It. Mas aos 50 anos, Jackson não fazia maratonas de shows há mais de uma década, e enquanto ele ensaiava o show no Staples Center em Los Angeles, seus colaboradores às vezes se preocupavam com a exigência de Jackson consigo mesmo: não comendo o suficiente, não descansando o suficiente. "Não se preocupe," Jackson disse ao diretor Kenny Ortega. "Apenas coloque todas as pessoas perto do palco. Elas são meu combustível. Elas são a minha comida. O amor delas me levará até o fim."
Em 25 de junho, tudo estava quase acertado quando a morte inesperada de Jackson pôs a produção - e, sem dúvida alguma, o mundo todo - em uma pausa dramática. Parecia que a ambição de Jackson para This Is It - revigorar sua carreira, rejuvenescer sua base de fãs, reorganizar suas finanças e espalhar mensagens de paz, amor e responsabilidade ecológica - nunca seria realizada. Mas, na verdade, algo foi deixado para trás. Câmeras haviam filmado durante estes quatro meses de ensaios, captando o cantor enquanto ele e seus colaboradores criavam o show. A filmagem - cerca de 120 horas - era crua. Foi filmada principalmente para o uso pessoal de Jackson e seu time, para analisar e criticar enquanto o processo se encaminhava. Embora algumas partes fossem consideradas material de bastidores em potencial para um possível filme sobre os shows, a maior parte das filmagens nunca foi realizada com a intenção de ser exibida ao público. Repentinamente, ela se tornou a última documentação existente de um dos maiores artistas da história em momento de criação.
Após meses de espera, o mundo finalmente terá a chance de assistir às filmagens quando This Is It estrear mundialmente em 28 de outubro. Em um momento onde praticamente tudo que vem de Hollywood parece ser uma refilmagem de outra coisa, This Is It, que a Sony Pictures lançará nos cinemas limitadamente por duas semanas, é um filme sem reais precedentes e, julgando pelas vendas antecipadas de ingressos, pode se tornar também uma nova espécie de fenômeno da cultura pop. Fãs começaram a fazer fila por ingressos dias antes deles começarem a ser vendidos - em 27 de setembro - e nas primeiras 24 horas, centenas de exibições ao redor do mundo já estavam esgotadas - sem ninguém saber ao certo o que ao menos era This Is It. Um filme musical? Um documentário? "Está em um espaço entre os dois," diz o co-presidente da Sony Pictures, Amy Pascal, que pensa em estender o período de exibição do filme. "É um filme sobre ensaiar para um show que nunca aconteceu. É de quebrar o coração o coração e inspirador ao mesmo tempo. Você pensa, Jesus, ele queria tanto isso. Te deixa arrepiado."
This Is It será abraçado pelos fãs de Jackson como uma prova do tremendo talento artístico dele. Inevitavelmente, alguns discutirão se foi apressado demais aos cinemas, e por motivos menos do que puros. E alguns argumentarão que é meramente uma curiosidade fantasmagórica. Mas até mesmo um executivo cinematográfico rival vislumbra o potencial do filme: "Quando eu assisti ao primeiro comercial na televisão, chorei. Vai gerar um trilhão de dólares. As pessoas vão querer assistí-lo para processar a morte de Michael Jackson, pagar seus respeitos do modo que eles acham que ele gostaria que eles pagassem. Já existiu algo assim antes? São os Últimos Passos de Michael Jackson (Dead Man Moonwalking).
Em um telão de cinema num prédio do lote da Sony, Michael Jackson aparece sozinho no meio do palco, usando óculos escuros e uma jaqueta com uma lapela adornada por jóias, e quietamente começa seu sucesso Human Nature. Cantando acapella de início, ele balança os ombros, bate os pés e aponta seus dedos enquanto começa a desenvolver a coreografia para a música. "Você soa ótimo, MJ," o diretor musical Michael Bearden diz, encorajando-o. Enquanto a música continua, o filme corta para outros ensaios. Uma banda inteira começa a tocar. A voz de Jackson se fortalece, seus movimentos se tornam mais precisos. Partes das filmagens são hiper-nítidas, enquanto outras estão um pouco desfocadas e em baixa resolução. Mas ao longo do filme, nós vemos como tudo - os vocais de Jackson, o palco, os arranjos musicais - está sendo criado.
Kenny Ortega, o diretor de ambos o show e agora filme This Is It, senta do lado de fora da sala de projeções, parecendo cansado mas satisfeito após semanas de trabalho sem descanso. Esta é a primeira vez que ele exibirá estas imagens a alguém da imprensa. Nem a família de Jackson assistiu à versão final. "Alguns deles assistiram a alguns trechos," diz Ortega. "Eu quero que eles possam assistir juntos em uma sessão privada. Eu espero que o filme os agrade." (Através do seu porta-voz, a família Jackson recusou comentar para esta matéria.)
Pelas duas últimas décadas, Ortega foi um dos colaboradores mais próximos de Jackson. Ele dirigiu as turnês mundiais Dangerous e HIStory do cantor nos anos 90, e estava entre as primeiras pessoas a quem Jackson ligou quando se sentiu pronto para emergir de seu recente isolamento auto-imposto, durante o momento onde sua vida privada havia se tornado matéria para escândalos nos tablóides. "Durante os últimos anos, Michael dizia 'Vamos achar algo para fazer," conta Ortega. "Mas ele negava muitas propostas. Ele negou um convite para fazer uma produção em Vegas. Ele disse, 'Tem de ser importante. Nós não podemos fazer uma coisa simplesmente porque podemos fazê-la.' Eu nunca havia ouvido ele falar daquele modo antes. Agora ele queria fazer por motivos mais profundos, razões mais maduras."
O anúncio dos shows de Jackson em Londres em uma estranha e breve conferência de imprensa em 5 de março foi recebido tanto com excitação como com ceticismo. Muitos especularam que após anos de gastos multimilionários e caras batalhas nas cortes, Jackson simplesmente necessitava do dinheiro, mas Randy Philips, presidente da empresa promoter de shows AEG Live, diz que haviam outros motivos. "Depois da conferência de imprensa, eu perguntei a ele, 'Por que agora?' Ele disse, 'Porque eu passei 12 anos e meio criando os meus filhos, e agora eles têm idade o suficiente para apreciarem o que eu faço - e eu ainda sou jovem o suficiente para fazê-lo.' Sim, ele tinha que limpar suas dívidas. Mas dinheiro não era a principal motivação."
Enquanto a produção se encaminhava, rapidamente se tornou claro que as ambições criativas de Jackson para o show estavam além de qualquer coisa que ele já tivesse feito. "Michael não estava brincando desta vez," conta o coreógrafo Travis Payne, que trabalhara com Jackson desde o início dos anos 90. "Ele não estava brincando mesmo." Com um orçamento de mais de $24 milhões, Jackson contou ao seu time que ele queria re-criar uma das maiores cataratas do mundo - Victoria Falls ao sul da África - no palco. "Eu estava pronto para pular da sacada do meu escritório," disse Philips. "Nós fomos nos encontrar com Michael e Kenny disse, 'Michael, você precisa parar. Nós temos um show incrível, não precisamos de mais atrativos." Michael disse, 'Mas Kenny, Deus mostra essas coisas pra mim de noite. Eu não consigo dormir porque estou cheio de energia." Kenny disse, "Mas Michael, nós precisamos terminar. Deus não pode tirar umas férias?" Na lata, Michael disse, 'Você não entende - se eu não estiver aqui para receber estas idéias, Deus pode acabar as dando pro Prince.'"
Muitas pessoas questionaram se Jackson seria capaz da desgastante tarefa física de realizar 50 shows. Seus colaboradores se tranquilizaram ao assistirem aos melhores dançarinos jovens do mundo se esforçarem para igualar os passos do cantor. Ainda assim, Jackson parecia terrivelmente magro. "Eu estava sempre dando a ele bebidas energéticas e coisas para repor as refeições," diz Payne. "Nós o incentivávamos a comer o quanto pudesse. Mas ao mesmo tempo, eu entendo: quando você come muito e então você dança, machuca. Era tudo pela arte dele, eu acredito." Havia um limite para qualquer um influenciar Jackson, diz Ortega. "Ele era amoroso e gentil. Eu disse a ele que me preocupava com ele. Mas nós não estávamos lá como enfermeiros. Éramos seu time criativo. Ele estava no comando de sua vida. Ele era dono de si mesmo."
Jackson havia insistido em contratar um médico particular, Dr. Conrad Murray, que estaria na lista de pagamentos do orçamento do show para supervisionar suas necessidades médicas. Murray é agora o foco de uma investigação por homicídio involuntário. "Michael confiava muito no médico," diz Philips. "Na verdade, eu tentei dissuadí-lo de contratá-lo. Eu não queria gastar $150,000 por mês em um médico, já que iríamos tocar em Londres, que tem recursos médicos fenomenais. Foi a primeira vez que Michael e eu discordamos. Ele afirmou que precisava de um médico 24 horas por dia, 7 dias por semana, da mesma forma que Barack Obama tinha, porque seu corpo era o combustível de todo esse negócio. Michael prevaleceu nesta. E eu acho, pensando naquele momento, que sabemos porque."
Recontando a cena no Staples Center quando surgiram as notícias da morte de Jackson, Ortega não consegue conter as lágrimas. "De vez em quando eu ainda tenho um momento onde isto tudo continua sendo muito difícil pra mim," ele diz, sua voz quebrando. "As pessoas caíam de joelhos, andavam em círculos, agarravam umas as outras, lamentando. Foi como se uma bomba tivesse sido jogada."
Philips - que estava com os filhos e a mãe do cantor no hospital quando Jackson morreu - rapidamente percebeu a importância histórica, e o valor financeiro, das filmagens dos ensaios. Estas, assim como os figurinos e os cenários, foram colocadas sob segurança armada de 24 horas por dia. Mesmo entre a confusão sobre o testamento de Jackson e o planejamento de seu funeral, as discussões sobre o que deveria ser feito com o material começaram. "Quando nós começamos a arquivar tudo, percebemos que era maravilhoso," diz Philips. "Eu sabia que tínhamos algo, mas eu não sabia se era um especial noturno pra TV, um especial pra HBO..."
Um time de editores destilaram a gravação para três horas e meia, e Philips - em conjunção aos executores do espólio de Jackson, John Branca e John McClain - concordaram em ir atrás de um possível filme. Perguntaram a Ortega se ele teria interesse em dirigir. "Eu realmente não queria fazer," ele diz. "Eu pensei, Eu vou conseguir sentar num quarto olhando imagens do Michael? Eu vou desmoronar? Mas a pergunta que continuava me recorrendo era: Quem mais irá fazê-lo? Isto é sagrado."
Pelo curso de vários dias em meados de julho, os chefes de quatro grandes estúdios - Paramount, Universal, Twentieth Century Fox e Sony - foram trazidos à ilha de edição da AEG para assistirem a 15 minutos da filmagem. Uma intensa e prolongada guerra de ofertas começou. E no final, a Sony - cuja companhia irmã controla os direitos do catálogo de Jackson - venceu o leilão, pagando $60 milhões pelos direitos de produzir e lançar um filme. "Você não tem idéia de como foi a competição", conta Pascal. "Pessoas de outras companhias me ligavam dizendo, 'Nós deveríamos cortar essas pessoas fora e fazer uma joint venture.' As pessoas estavam enlouquecidas."
Naquele momento, a tarefa de criar um filme começou, e ninguém queria gastar um momento fora. "Primeiro eles queriam o filme lançado pelo aniversário de Michael, 29 de agosto," Ortega conta. "Eu disse, 'De jeito nenhum'. Eles voltaram no dia seguinte e me disseram, 'Nós te damos até o Dia das Bruxas' - o que estava bom. O Dia das Bruxas era o feriado favorito do Michael."
Pelas próximas seis semanas, trabalhando intensamente, Ortega, Payne, Bearden, e o resto de seu time diminuíram a filmagem para menos de duas horas. A meta, diz Ortega, era celebrar o gênio criativo de Jackson, e não fornecer material para a fascinação das pessoas com sua morte. "Já há o suficiente sobre isto aí fora," ele diz. Deste modo, um dos momentos mais emocionantes e sensacionalistas do filme - no qual Ortega notifica à sua equipe que Jackson estava no hospital, junta todos para uma oração em grupo; e então descobre sobre a sua morte - foi deixada na sala de edição; embora um breve momento da oração possa ser visto no trailer. "Nós poderíamos ter feito um filme muito mais sensacionalista," diz Philips, e nota que imagens adicionais irão aparecer em um eventual DVD.
Todavia, alguns - incluindo a irmã de Jackson, La Toya, que recentemente falou ao Access Hollywood - questionaram se o cantor se sentiria confortável com platéias tendo uma visão tão íntima do seu processo criativo. Eles podem se perguntar se Jackson, que era conhecido como um perfeccionista, gostaria do lançamento do single This Is It no próximo 12 de outubro, uma balada sentimental baseada em material que ele co-escreveu com Paul Anka no começo dos anos 80. (A trilha-sonora do filme será lançada em 27 de outubro, e espera-se que seja um tremendo sucesso.) Ortega está confiante de que Jackson daria suas bençãos a This Is It: "Eu conheço Michael, e eu sei o porquê ele queria fazer isto. Contanto que o filme seja baseado nessas razões - deixando seus filhos ver o que ele amava, dando algo de volta aos fãs que foram tão leais em todos os momentos, dividindo sua preocupação sobre a saúde do nosso planeta - por que Michael não ficaria feliz? Ele não tinha a intenção de não terminar este projeto. Foi um acidente."
O último ensaio de Jackson terminou apenas 14 horas antes de sua morte. Aqueles que estavam lá naquele dia dizem que três semanas para a noite de abertura em Londres, Jackson deixou o Staples Center naquela noite se sentindo forte e confiante. "Nós estávamos nos dirigindo aos nossos carros cerca de meia noite e meia," diz Philips. "Ele colocou seus braços ao meu redor, e naquela voz fina, melódica dele, ele disse, 'Obrigado por me deixar chegar até aqui. Eu posso seguir a partir daqui. Agora eu sei que posso fazer isto.' Eu acho que aquela foi a primeira vez que, em sua alma e coração, ele aceitou que podia retornar, e que ele poderia ser grande novamente."
Traduzido por Bruno Couto Pórpora.