quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Nos Bastidores de Beat It (Creem, Junho 1983)

Creem Magazine, junho de 1983
Por Sylvie Simmons

No centro da cidade, entre a Pacific American Fish Co. e o Hotel St. Agnes, há um beco. Carros se bloqueiam e não há como escapar. E as silhuetas emitidas pelo farol dos carros indica duas gangues rivais de L.A. chegando próximas uma da outra. Duas pessoas colocam suas cabeças para fora da janela do hotel, resmungam algo incompreensível e voltam a dormir. Junto à fumaça, as gangues se aproximam.

Então, você olha melhor e vê pessoas de pé com câmeras. O que é isso? Eles começaram a colocar a Pacific American Fish Co. nesses mapas que dão para turistas japoneses? Você sabe, Disneyland, Marineland, Gangland? Então você percebe metade das câmeras escondidas na fumaça. Ah, você entende. Uma seqüência de "That's Incredible", certo? Ok, Skip, você irá nos contar sobre pessoas reais que batem pra valer umas nas outras TODOS OS DIAS!

Eu não gostaria de mexer com esse pessoal. Essas gangues parecem más. Esses caras, os com as bandanas azuis, eles parecerem realmente maus. E então CORTA! Ok, de volta aos seus lugares. AÇÃO! Alguém coloca uma fita com Beat It, que incendeia a noite. Uma mulher diz algo desagradável em um balcão. O homem com um look Jordache e uma lata de cerveja ignora a atmosfera e traz mais caras ao beco. As gangues começam a brigar novamente.

"Mágica," diz Michael Jackson, que fala muito sobre mágica, "é fácil se você coloca o seu coração nela." Não deve haver coisa mais mágica do que ficar em uma rua do centro em L.A., no meio da madrugada, assistindo duas gangues brigando por atenção com alguém de sotaque britânico dando ordens. Esse relato será, quando você o ler, o vídeo de Beat It, o novo single de Michael Jackson. Você sabe, aquele com a guitarra do Eddie Van Halen. O sucessor daquele sobre processos de investigação de paternidade. Esse é sobre machismo; o vídeo também. Michael acorda em algum quarto mal-arrumado com suor frio; ele teve um sonho sobre uma briga e tem de impedí-la. Ele pula da cama, colocando em sério risco a vida de uma família inteira de baratas, e segue para o centro do Depósito Sem Comida para o grand finale.

Ao qual nós estamos indo agora; a equipe de gravação, os turistas japoneses, os sotaques britânicos, as gangues rivais e as estrelas. Todo mundo está lá; até as baratas. Alguém está nos acompanhando e explicando como Michael irá encontrar as gangues bem aqui para uma coreografia matadora. "É difícil olhar para caixas de papelão e ser criativo" - e parecia ótimo nos ensaios.

Mas primeiro eles tem de filmar as gangues saindo de trás das caixas, parecendo más. Eles fazem isso várias milhões de vezes, as gangues (com um look de "dar porrada": casacos de couro, tênis, bandanas e gorros) parecendo mais más com o tempo. Eles estão quase conseguindo, mas tem que parar quando um trem passa. Hora da parada para o chá. Eles têm mesas cheias de comida lá fora (comida favorita dos gângsteres: salada de fruta, drinques leves - afinal, o vídeo está sendo feito por pessoas que fizeram os comerciais do Dr. Pepper) e bebidas. As gangues se alinham e conversam durante o banquete. Caras civilizados; um deles me disse que era apenas membro temporário; ele queria ser ator; outro jurou que eles eram sérios, me mostrou marcas e me disse que eram mais bem pagos esta noite como extras do que em uma noite de crime.

De volta no armazém, eles estão treinando a coreografia da seqüência de luta. Os gângsteres reais ficam do lado enquanto uma dúzia de imitadores de gangster - dançarinos profissionais - dançam e acenam com facas. Parece perfeito na primeira vez, mas eles querem que o façam de novo.

Em todo esse tempo, um homem magro com dedos grandes, em uma jaqueta marrom de couro muito grande para ele, está bebendo suco de laranja, olhando interessado e curioso pelos monitores, balançando sua cabeça ao ritmo, seu pé em batida automática. Michael Jackson parece fascinado com tudo.

São três da madrugada quando chega a vez dele entrar. Ele vai entrar, terminar a briga e ensiná-los a dançar fora do armazém. O Flautista de Hamelin encontra Peter Pan. O dia nascia quando eles terminaram; Michael Jackson não terminava. Ele é brilhante.

Onde esse homem arranja tanta energia ninguém sabe. Certamente não é das drogas - ele não toca nelas e raramente bebe. Certamente não é da carne - Michael é um vegetariano sério e não come carne de forma alguma; ele jejua e dança todo domingo e consegue sobreviver para começar outra semana. De qualquer forma, Michael Jackson consegue fazer mais em uma semana do que muitos conseguem em uma década. No tempo em que Supertramp levou para conseguir o som certo do piano, Michael cantou com Donna Summer, fez backing vocals para Joe King Carrasco, escreveu e produziu Muscles para Diana Ross, escreveu e cantou The Girl Is Mine com Paul McCartney, fez uma canção para o álbum narrado do E.T., juntou todo mundo, desde Vincent Price a Eddie Van Halen ("Eddie foi uma ótima escolha, porque ele é brilhante") para ajudá-lo com seu álbum solo, e ainda teve tempo para seus animais - cobras, papagaios, entre outros.

Há pouco na Inglaterra (mais duas canções com Macca, quem ele encontrou numa festa de Hollywood para o comediante Harold Lloyd e trocou números de telefone: "Eu amo muito Paul, Linda e toda a família."), ele já está planejando projetos com Gladys Knight, Jane Fonda, Barbra Streisand, Katharine Hepburn, e - vamos nos ater às garotas! - Freddie Mercury do Queen, seu antigo amigo. Sem mencionar seu futuro filme com Steven Spielberg ("uma aventura futurista com música") e um álbum com os Jacksons. Lembra-se dos Jacksons? Michael tem sido seu líder desde que seu pai Joe Jackson - no passado, líder de uma banda cover do Chuck Berry em Indiana, the Falcons - notou as imitações de James Brown no garoto de cinco anos. Quero dizer, ele tinha 11 anos quando lançou seu primeiro single número um...!

É um mistério para Michael também. "Mágica. As músicas, idéias e energia vêm de Deus", ele diz - o homem é um devoto das Testemunhas de Jeová. Ele irá acordar na noite e lá estarão. Dezenas de milhões de cópias vendidas. Seu primeiro álbum solo, Off The Wall, vendeu sete milhões de cópias. Thriller não está exatamente perto de sair das prateleiras agora. O primeiro disco na história a ser #1 nos charts de pop e r&b de álbuns e singles ao mesmo tempo...

Nós não conversamos durante o vídeo. O homem da Epic me ameaçou com todos os tipos de violência caso eu chegasse perto de Jackson durante as filmagens, e com esses armários atrás dele, quem está brigando? 

E nós conseguimos conversar no ano passado, em um condomínio no Vale de São Fernando - onde Michael estava, e ainda está, com sua família enquanto eles reconstroem a casa - cheio de livros, plantas, quadros, animais, sucos orgânicos e muitos sobrinhos e primos e parentes da família Jackson. La Toya estava com um chapéu de cowboy. A pequena irmã Janet estava lá para me ajudar a fazer minhas perguntas a Jackson num tom mais simpático. Oh, eu esqueci, e havia uma coleção de discos, desde Smokey Robinson (o primeiro disco que ele comprou foi "Mickey's Monkey") a Macca, com paradas no funk, new wave, clássico e tudo mais. Hmm. As influências dos Jacksons, não?

"James Brown, Ray Charles, Jackie Wilson, Chuck Berry e Little Richard - eu acho que eles tiveram uma forte influência em muitas pessoas, porque esses foram os caras que fizeram o rock 'n' roll deslanchar de verdade. Eu gosto de começar com a origem das coisas, porque as coisas mudam quando continuam. É tão interessante ver como era realmente no começo." Michael tem uma voz fina de outro mundo. Você já ouviu ele ser chamado de ingênuo e angelical. Você irá ouvir novamente. Ele é dolorosamente tímido, olha para suas mãos, seus sapatos, sua irmã, qualquer lugar aonde ele possa esquecer que há um entrevistador à volta. Ele continua: "Eu gosto de fazer isso com arte também. Eu amo arte. Sempre quando vamos a Paris, eu corro para o Louvre. Eu nunca me canso dele! Eu vou em todos os museus do mundo. Eu amo arte. Eu amo muito, porque eu acabo comprando tudo e você fica viciado. Você vê uma obra que gosta e diz, oh meu Deus, eu tenho que ter isso..."

"Eu amo música clássica. Eu tenho tantos álbuns. Eu acho que quando eu era bem pequeno, no jardim de infância, e escutava Peter and the Wolf e músicas assim - eu ainda ouço, é ótimo, e Bostom Pops e Debussy, Mozart, eu compro tudo isso. Eu sou um grande fã de música clássica. Nós somos influenciados por todo tipo de música - clássica, r&b, folk, funk - e eu acho que todos esses ingredientes se uniram para fazer o que temos agora.

"Eu não ficaria feliz em fazer apenas um tipo de música ou me etiquetar. Eu gosto de fazer algo para todo mundo... e eu não gosto que minha música seja etiquetada. Etiquetas são como... racismo."

Uma boa razão para cantar com Streisand e também com Freddie Mercury, não querer se tornar uma figura líder de apenas um grupo de pessoas. Como ele escolhe com quem trabalha? Qualquer um que peça?

"Eu escolho por sentimento e instinto," é a resposta de Michael. "Eu sinto que vai ser... mágico." Então novamente, você tem que manter em mente que o homem vive para seu trabalho.

"Minha carreira é o que eu penso em primeiro lugar... há tantas coisas. É difícil manter suas responsabilidades - minha música aqui, minha carreira solo, meus filmes ali, TV e tudo mais."

É isso que faz você feliz, apenas trabalhar?

"Sim. É para isso que eu estou aqui. É como Michelangelo ou Leonardo da Vinci," sua voz suaviza, ele parece envergonhado entre soar arrogante e dizer a verdade da qual, como ele vê, é que o talento vem de Deus, então não vá dar tapinhas em suas costas. "Ainda, hoje, nós podemos ver o trabalho e deles e nos inspirar."

Então, enquanto houver rádios, Michael Jackson viverá nelas?

"Sim. Eu apenas gostaria de continuar e inspirar as pessoas e tentar coisas novas que não foram feitas."

Até que ponto sua crença na divindade influenciou sua vida?

"Eu acredito em Deus. Nós todos acreditamos. Nós gostamos de ser corretos, não sermos loucos nem nada. Não ao ponto de perdermos nossa perspectiva na vida, do que você é e de quem você é. Muitas celebridades ganham dinheiro e gastam o resto de suas vidas celebrando aquela uma meta que conseguiram, e com essa celebração vem as drogas e o álcool. E então eles tentam voltar a si e se perguntam, 'Quem sou eu? Onde estou? O que aconteceu?' E eles se perdem, e estão falidos. Você tem de ter cuidado e ter alguma disciplina."

Ele é uma pessoa muita disciplinada?

"Eu não sou um anjo, eu sei. Eu não sou como um Mórmom ou um Osmond ou alguém todo certinho. Isso pode ser bobo às vezes. Vai longe demais."

Deve ser difícil ser um anjo quando você é visto como um dos performers mais sexies, tendo garotas acampando no seu quintal e coisas do tipo.

"Eu não diria que sou sexy! Mas tudo bem se é isso que dizem. Eu ouço isso nos shows. É legal."

O que não é legal é "quando você encontra todas essas garotas, o que acontece comigo o tempo todo, você sai de casa e essas garotas estão esperando por você e começam e correr e gritar e pular. Isso acontece o tempo todo... todo mundo sabia onde nós morávamos antes, porque estava no mapa das casas das estrelas, e eles vinham com câmeras e sacos de dormir e pulavam a cerca e dormiam no quintal e entravam na casa - nós achávamos pessoas em todo lugar. É uma loucura. Até com guardas 24 horas por dia elas acham uma forma de entrar. Um dia, meu irmão acordou e viu essa garota em pé na porta do quarto dele. Essa mulher de 30 anos, que é louca, e ela disse que Jesus havia mandado ela ali... as pessoas vêm de carona até a nossa casa e dizem que querem dormir com a gente, ficar com a gente, e geralmente termina que um dos vizinhos os acolhe. Nós não deixamos eles entrarem. Nós não os conhecemos."

"É difícil algumas vezes. É difícil dizer, e às vezes eu entendo errado. Se as pessoas são legais por saberem quem você é, ou só por serem gentis."

Solitário no topo? "Nós conhecemos muitas e muitas pessoas porque nós temos uma família bem grande. Mas [eu tenho] talvez dois, três bons amigos."

As coisas não eram muito diferentes quando ele estava crescendo em Gary, Indiana. Ele recorda: "Uma grande quadra de basquete atrás da casa onde morávamos e as crianças brincavam e comiam pipoca e tudo" e ele não podia jogar, mas ainda diz "eu não me sentia realmente excluído. Nós ganhamos muito em troco por não jogar beisebol no verão. Meu pai sempre foi muito protetor conosco, cuidando dos negócios e tudo...

"Nós fomos à escola, mas eu acho que já éramos diferentes então, porque todo mundo do bairro sabia sobre nós. Nós ganhávamos shows de talentos e nossa casa era cheia de troféus. Nós sempre tínhamos dinheiro e podíamos comprar coisas que as outras crianças não podiam, como doces e chiclete extra - nossos bolsos estavam sempre cheio e nós distribuíamos doces. Isso nos fez populares! Mas na maior parte tivemos escola particular. Eu apenas estive em uma escola pública na minha vida. Eu tentei ir em outra, mas não funcionou, porque estaríamos na aula e então um grupo enorme de fãs invadia a classe, ou nós saíamos da escola e teria todas essas crianças esperando pra tirar fotos nossas e coisas assim. Nós ficamos naquela escola uma semana. Uma semana! Foi tudo que pudemos agüentar. O resto foi escola particular com outros artistas infantis ou filhos de astros, onde você não teria de ser assediado."

Mas passar sua vida exclusivamente com seus irmãos e irmãs - vocês não brigavam? Não é meio claustrofóbico?

"Honestamente, não, e eu não estou dizendo isso apenas para ser gentil. Graças a Deus não."

Nem quando vocês estão na estrada juntos?

"Não. Nós somos tão bobos na estrada, e ficamos mais bobos com o tempo. Nós brincamos, jogamos coisas uns nos outros, fazemos todos os tipos de bobagens. Parece que quando você está sob pressão você arranja algum tipo de escapismo para compensar aquilo - porque a estrada é muito tensa: trabalho, entrevistas, fãs te agarrando, todo mundo quer um pedaço de você, você está sempre ocupado, os telefones tocam a noite toda com ligações de fãs, então você coloca o telefone embaixo do colchão, mas as fãs batem na porta gritando, e você não pode nem sair do quarto sem ser seguido. É como se você estivesse em um aquário e todo mundo está sempre te observando."

Como você escapa da loucura?

"Eu vou a museus e aprendo e estudo. Eu não pratico esportes - é muito perigoso. Há muito dinheiro sendo investido e nós não podemos arriscar. Meu irmão machucou a perna em um jogo de basquete e tivemos de cancelar um show, e apenas por uma hora de diversão, nós acabamos sendo processados de todos os lados por causa do jogo. Eu não acho que valha à pena... eu tento ser cuidadoso."

Até quando fala com a imprensa. Outra razão pela qual ele odeia dar entrevistas é o medo de ser mal-interpretado. As revistas, ele diz, "podem ser tão estúpidas, às vezes que tenho vontade de sacudir quem as faz! Por exemplo, eu digo alguma coisa e eles mudam tudo. Eu poderia matá-los às vezes. Uma vez eu disse algo - eu me importo com a fome mundial e eu amo crianças e quero fazer algo em relação a isso no futuro. E eu disse, um dia eu amaria ir à Índia e ver as crianças famintas e sentir como é. E eles escreveram que Michael Jackson se sente bem em ver crianças com fome, para você ver que tipo de pessoa ele é!

"Ryan O'Neal mandou a ele uma tarântula uma vez," ele alfineta o autor. "Foi muito bom!"

É provavelmente a coisa mais perto de uma declaração má que este homem faz. Você se pergunta como alguém tão doce, tímido e ingênuo se transforma em um demônio no palco.

"Eu apenas faço. A coisa sexual é espontânea. Ela se cria por si própria, eu acho."

Então você não pratica olhando no espelho?

"Não! Quando a música toca, ela me cria. Os instrumentos me movem, dentro de mim, eles me controlam. Às vezes eu me sinto incontrolável e isso apenas acontece - boom, boom, boom! - quando entra em você."

Isso não significa que forças externas sejam culpadas se algo vá errado. Michael tem controle completo em todo aspecto de sua carreira. E ele critica sua própria carreira mais do que qualquer um.

"Eu nunca estou satisfeito com o que faço. Eu sempre acho que posso fazer melhor, eu acho," ele termina, "que é bom ser assim."

De qualquer forma, como nós já dissemos, ele irá trabalhar em um filme com Steven Spielberg. "Eu amo Steven," diz Michael. "Dez minutos antes de escrever isso, Steven me ligou. Ele me comprou um presente! Eu realmente não posso lhe dizer nada sobre o projeto. Eu direi que Steven é meu diretor favorito." E nós na CREEM acabamos de ouvir que Francis Ford Coppola quer fazer Peter Pan com ele no papel.

Aos 24, não irrita ele ser referido como "criança"?

"Eu não me importo. Eu me sinto como Peter Pan, como também me sinto como Matusalém, e como me sinto como uma criança. Eu amo muito as crianças. Agradeço a Deus por elas. Elas me salvam o tempo todo!

Mas que tal um filme sobre sua própria vida, então? Será que veremos um filme sobre a vida mágica de Michael Jackson?

"Não. Eu odiaria fazer um filme sobre a história da minha vida," ele diz. "Eu ainda não a vivi! Eu deixarei outra pessoa fazê-lo."


Traduzido por Bruno Couto Pórpora.