sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Gilberto Gil e Tom Jobim Falam Sobre Michael Jackson (Veja, 1988)

Revista Veja, edições de 20 de janeiro de 1988 e 23 de março de 1988

Gilberto Gil, em entrevista à Revista Veja, edição de 20 de janeiro de 1988

Veja - O que você acha de artistas negros que procuram assimilar os padrões da raça branca - Michael Jackson, por exemplo, que fez plástica para afinar o nariz e alisou os cabelos?

Gil - O caso de Michael Jackson é uma exigência técnica, prática. É a adoção de um esquema de enriquecimento. Na sociedade americana, racista como é, o fato de ele ter ascendido à posição de um grande ídolo criou, nos vários interesses que cercam a carreira dele, uma vontade expansionista de ser aceito por maior número de pessoas, de ser uma coisa legitimada pela totalidade da sociedade americana. E para isso, nos Estados Unidos, a adoção de certos traços de branco é necessária, para vender, para sair do mercado de música negra, pura e simplesmente, e cruzar por cima de todo o mercado americano e internacional. É até uma vitória para o negro americano, do ponto de vista econômico - ser um ídolo, vender tanto quanto Elvis Presley, ser querido tanto quanto ele. É a opção de uma rejeição de um passado, de uma herança racial.

Veja - A música de Michael Jackson é branca ou negra?

Gil - A música de Michael Jackson não é negra nem branca. É esse filão novo saído dessa junção de um tremendo tecnichs propiciado pelo mundo branco. O Michael Jackson é um bonequinho programado, mas cheio de alma.


Tom Jobim, em entrevista à Revista Veja, edição de 23 de março de 1988

Veja - O Michael Jackson ganhou 10 milhões de dólares para fazer anúncio da Pepsi-Cola, não é?

Jobim - Eu fico muito satisfeito com isso porque o Michael Jackson comprou os direitos dos Beatles. Isso é uma coisa fantástica. O Michael Jackson deve ser fã dos Beatles e vai cuidar bem da obra. Eu, se ganhasse um dinheiro desses, não 10 milhões de dólares que é muita coisa para mim, mas 5 ou 4 ou 3 ou 2 ou 1 milhão de dólares, compraria a obra do Tom Jobim, a minha própria obra. Não quero terras nem fazendas. Dinheiro é muito bom quando você não tem de pensar nele. Eu compraria minha obra e iria editá-la toda direitinho porque está toda escrita errada, iria corrigir as letras, as harmonias e as melodias e até o ritmo. Faria isso para poder morrer em paz. Se eu morresse agora, neste minuto, iria ficar um rastro de besteira incrível. No mais das vezes, esses editores nunca se preocuparam em editar música nenhuma, eles sempre quiseram foi ficar com os direitos autorais.

Veja - Está acontecendo uma renovação na música brasileira?

Jobim - O Brasil é um país maravilhosamente musical, bem-dotado. Fala-se muito aqui da influência americana. Mas tenho ouvido Michael Jackson e aquilo está cheio de samba. Aliás, a música latina sempre fez parte da música americana. A música cubana toda foi assimilada pelos Estados Unidos. O Dizzy Gillespie ia a Cuba estudar pistão. Eles vêm aqui e ficam encantados. Mas é difícil ouvir músicas brasileiras porque aqui só se escuta rock.