quinta-feira, 15 de maio de 2014

O Retorno do Rei (Slate)

Slate, 13 de maio de 2014
Por Joseph Vogel (autor de Man In The Music)

Um produtor ressuscita - e transforma - uma canção de Michael Jackson para Xscape

Quando uma versão da faixa título do álbum póstumo de Michael Jackson, Xscape (lançado na terça), apareceu na internet no início de Abril, o produtor Rodney "Darkchild" Jerkins ainda trabalhava nela. Enfurnado no Larrabee Studios em North Hollywood - onde Jackson gravou as faixas para o seu álbum de 1991, Dangerous - ele escutava à procura de detalhes. Sendo o único produtor de Xscape a ter trabalhado com Jackson em um álbum anterior, Jerkins conhecia por experiência pessoal a busca incessante do artista pelo perfeccionismo.

"Esse era o nosso processo," conta Jerkins. "Esta era a forma como nós trabalhávamos. Trabalhávamos na faixa até estar pronta. Tínhamos ideias, acrescentávemos isto e aquilo ao mix final." Jerkins podia ainda escutar a suave, mas insistente voz de Jackson pressionando-o, dizendo-lhe para "cavar fundo" e encontrar sons que ninguém havia escutado antes. Voltando à música quase uma década desde que trabalharam nela (e quase cinco anos após a morte do cantor), ele tentava de alguma forma canalizar "o que MJ me diria se ele estivesse aqui trabalhando comigo."

A faixa é uma das 8 canções quase-finalizadas dos arquivos de Jackson e "contemporizadas" por um time de produtores-estrela, escolhidos a dedo pelo CEO da Epic Records, L.A. Reid (além de Jerkins, Reid chamou Timbaland J-Roc Harmon, Stargate e John McClain). O conceito de Xscape, obviamente, não vai agradar os puristas. Mas o álbum recebeu críticas surpreendentemente fortes dos críticos, e o single de estreia, Love Never Felt So Good, está fazendo mais sucesso do que qualquer outro single de Jackson nas paradas desde 2002. Isto, é claro, tem tanto a ver (se não mais) com a qualidade dos vocais inéditos de Jackson quanto com a nova produção.

Quando a faixa-título vazou em abril, a resposta foi extrememante positiva. O Huffington Post a chamou de "vintage MJ". A Spin a classificou como "funk-pop cromado com brilhantes". E o BuzzFeed a elogiou como "a melhor nova canção de Michael Jackson de todos os tempos." Mesmo assim, como nota Forrest Wickman da Slate, aquela versão de Xscape não era a produção na qual Jerkins estava trabalhando. Era a versão que Jackson e Jerkins gravaram pela última vez, de 1999 a 2001. A nova versão, no álbum, nos permite ouvir Jackson de forma nova e revigorada. O trabalho de Jerkins é emblemático nas transformações em Xscape; a faixa não substitui, porque ela complementa a faixa original de Jackson, acentuando diferentes características, texturas e possibilidades inerentes à música.

Jerkins compôs a música em parceria com os criadores de sucessos do R&B, Fred Jerkins III e LaShawn Daniels (o trio compôs clássicos do final dos anos 90, como The Boy Is Mine e Brandy e Say My Name de Monica). Xscape foi primeiramente apresentada a Jackson em forma de esqueleto (com letras parciais) em 1999, ao telefone, durante os estágios iniciais do projeto Invincible. Quando Jackson ouviu a música, "ele ficou louco," relembra Jerkins. "Ele ficou tipo, 'É disto que estou falando! É disto que estou falando!' Fez ele querer dançar." Qualquer um que já trabalhou com Jackson sabia que ele era o barômetro final para uma faixa dançante.

Jackson ficou tão animado com a música que insistiu que a gravação começasse imediatamente. Já que Jerkins estava em Nova Jersey e Jackson em Los Angeles, eles utilizaram a mais recente tecnologia da EDNet - uma empresa que se originou dentro das instalações de pós-produção de George Lucas, a Skywalker Sound, e se tornou popular na indústria da música após seu equipamento ter sido utilizado no álbum de Frank Sinatra lançado em 1993, Duets - para permitir que Jerkins escutasse e gravasse Jackson através de uma linha telefônica - com fidelidade quase perfeita - enquanto trabalhava em diferentes estúdios. Jackson cantou todos os seus vocais de background naquele dia na Record One, enquanto Jerkins os gravava direto de Nova Jersey. O produtor voou para Los Angeles logo depois e gravou o vocal principal de Jackson.

Sonoramente, a faixa combinava versos de percussão cortada com a harmonia arejada do coro. Jackson gostava de contar histórias em suas músicas, então ele e Jerkins vieram com uma introdução para a faixa ("ele as chamava de 'vinhetas', eu as chamava de 'interlúdios'," conta Jerkins) de uma fuga da prisão. As primeiras versões da canção começam com o som de porta de cela sendo destravada; os guardas da prisão chegam para verificar o preso, mas sua cela está vazia. Para Jackson, a introdução - como a própria faixa - era uma metáfora para sua própria vida incomum, preso atrás de portões, ridicularizado, perseguido, encurralado e rotulado por um público que exigia que ele fosse tudo, menos humano.

A dupla continou a mexer com a faixa mesmo após ela não ter sido incluída em Invincible. Ela vazou na internet em 2002 e rapidamente se tornou uma favorita entre os fãs (apesar da qualidade de som relativamente baixa). No entanto, Jerkins sempre se sentiu mal pela faixa nunca ter tido seu momento para brilhar. Quando o CEO da Epic, L.A. Reid, abordou Jerkins sobre Xscape em 2013, o produtor se sentiu pronto para enfrentar a música novamente. Se Jackson estivesse vivo, ele raciocinou, ele gostaria que soasse atual. Ele não ia jogar seguro ou nostálgico; ele ia querer que a música soasse fresca e fosse ouvida. O próprio Jackson frequentemente retornava a canções nunca lançadas por anos e até mesmo décadas após terem sido gravadas, e tentava novas produções, arranjos e letras. Earth Song foi primeiramente concebida em Viena durante a Bad Tour em 1988, mas não foi lançada até HIStory em 1995.

A meta de Jerkins para a nova versão de Xscape, então, foi levar a produção até o presente, da maneira que ele sentiu que Michael faria. Seu novo mix acrescenta um baixo vibrante, instrumentos de sopro com sabor de discoteca e acordes cinemáticos que aumentam o drama e a intensidade da faixa. Ele queria que a faixa capturasse elementos do passado e presente, mas sem parecer excessiva ou exibida; ele queria que fosse mais limpa. "Eu queria que ela batesse de imediato," diz Jerkins. "Só para sentir a energia da música". No lugar da introdução original, Jerkins permitiu que Jackson mostrasse seu beatbox único e sincopado e suas conhecidas exclamações bocais. Há também a voz de Jackson a partir de uma gravação antiga, entoando "Darkchild", o apelido de Jerkins. A sensação eletrônica da versão de 2001 é suplantada por um equilíbrio de batidas hip-hop e instrumentação ao vivo.

A canção sucede em grande parte por sua sutileza, permitindo ao ouvinte espaço para se concentrar nos detalhes, desde as contrastantes mudanças de tom nos versos (escute à transição na marca de 1:40, quanto a bateria cede, e Jackson se lança sobre uma onda de instrumentos de sopro) às harmonias isoladas na ponte. Talvez o momento mais impressionante seja na segunda ponte, na marca de 2:50, depois de Jackson cantar "This problem world won't bother me no more", quanto o momentum da música de repente pára. Há uma espécie de tranquilidade sublime enquanto as harmonias se repetem, como em um transe. Jerkins nos deixa escutar os estalos de dedos de Jackson, dando ao momento uma qualidade íntima. Então a música se intensifica: a guitarra funky entra, o baixo profundo re-emerge e Jackson prossegue com ad-libs até o final.

"Estou orgulhoso dela," fala Jerkins sobre o produto final. "Os ritmos, os 808s, e os instrumentos de corda contra os vocais de MJ. É intenso. É a tempestade perfeita." E certamente, Jerkins deixa o virtuoso vocal de Jackson comandar: urgente, implorando, ofegante - desejando escapar um "sistema em controle, controlado como manda as regras."

Tanto esta versão atualizada como a versão vazada que Jackson e Jerkins gravaram juntos estarão na edição de luxo de Xscape. Jerkins não sabe exatamente o quão perto chegou do que Jackson teria gostado se estivesse vivo. Mas à medida que o prazo de entrega do álbum se aproximava, ele trabalhou dias inteiros - como Jackson teria feito, escutando por alguma mudança de última hora. Novos versos de rap foram testados, incluindo um incrível mix com Tupac, que foi tocado na festa de audição do álbum no Top of the Rock em Nova York. (De acordo com a executiva da Epic Records, Lauren Ceradini, esta versão não estará no álbum.)

Depois da festa, enquanto descíamos o iluminado elevador do Rockefeller Center, Jerkins parecia tanto animado quanto aliviado. Quando ele começou a trabalhar com Jackson em Invincible, no final dos anos 90, o artista pintou uma visão do que eles conquistariam com o álbum. Aquela visão - e aquele álbum - foi prejudicada em muitas formas por uma disputa (pública) de acusações entre Jackson e o então presidente da Sony, Tommy Mottola. Vendo Xscape - e Jackson - de volta aos holofotes após todos estes anos, ofereceu uma espécie de redenção. "É incrível," disse Jerkins, balançando a cabeça. "Você não pode matar a grandeza."




 Traduzido por Bruno Couto Pórpora