quarta-feira, 29 de agosto de 2012

"Gone Too Soon": As Muitas Vidas da Elegia de Michael Jackson

The Atlantic, 25 de Junho de 2012
Por Joseph Vogel

A balada foi escrita para lamentar ícones falecidos, gravada por Michael Jackson para lamentar a morte de um amigo, e revivida há três anos atrás para lamentar a morte do Rei do Pop.

Quando Michael Jackson morreu há três anos atrás, entre as muitas canções de seu catálogo que ganharam novo significado estava a balada de 1991, Gone Too Soon. Cantada por Usher no memorial de Jackson, a faixa havia fascinado Jackson por anos antes dele gravá-la - e foi finalmente colocada em fita após circunstâncias trágicas. Aqui está a história por trás da canção, que já foi revivida várias vezes em tempos de luto do público.

Passava da meia noite de um domingo quando o telefone tocou na casa dos Kohan. "Desculpe, eu acordei você?" uma voz sussurrou ao outro lado da linha. "O Buzzy está por aí?"

Era Michael Jackson que, no momento, estava vivendo uma das maiores ondas de sucesso que a música popular já havia visto. Naquele mês (Fevereiro, 1983), Jackson havia sido capa da Rolling Stone; Beat It se juntou a Billie Jean no topo das paradas; seus clipes tocavam incessantemente na MTV; e Thriller voava das prateleiras como pão na padaria.

"Buzzie" era Buz Kohan, renomado produtor de televisão e escritor (mais conhecido por seu trabalho em premiações e programas de variedades, incluindo o especial de 25 anos da Motown). Jackson havia conhecido ele quando tinha apenas 12 anos de idade. Buz vivia perto de Encino na bela rua Beaumont. Ele era um veterano muito conhecido na indústria do entretenimento, e os dois se tornaram bons amigos. Jackson fazia a Buz infinitas perguntas sobre figuras lendárias como Bing Crosby, Gene Kelly, Sammy Davis e Fred Astaire - os "grandes", como ele os chamava. Mais tarde eles trabalharam juntos em Las Vegas no programa de variedades da família Jackson.

"Nós deveríamos escrever algumas músicas juntos," um adolescente Jackson sugeriu um dia. Eles começaram a co-escrever logo depois e suas colaborações, que incluem canções como Scared of the Moon e You Were There continuaram ao longo das próximas duas décadas.

Dionne Warwick havia cantado Gone Too Soon durante um tributo na TV para artistas que morreram jovens. Assistindo, Jackson chorou. A esposa de Buz, Rhea, já havia se acostumado às ligações noturnas de Jackson. "Só um momento," ela disse, passando o telefone para o seu marido. Jackson estava ligando naquela noite por causa de uma música em particular. Mais cedo, ele havia assistido Dionne Warwick (uma boa amiga) apresentar um tributo em um especial de TV, "Here's Television Entertainment." Ele foi dedicado para muitos artistas cujas vidas foram cortadas cedo demais - John Lennon, Janis Joplin e Sam Cooke, entre outros - mas seu significado foi sentido especialmente por conta da morte de Karen Carpenter, há apenas alguns dias atrás, aos 32 anos.

"Certos cantores carregam com eles a energia do seu tempo," Warwick havia dito. "Eles se transformam em símbolos ou em placas de sinalização. Eles são lembretes de nossas fragilidades e necessidade de comunicação... [Nesta noite] nós somos deixamos com perguntas sem respostas quando qualquer grande talento é consumido antes do seu tempo: Por que? Mas e se? E o que poderia ter sido?"

Warwick prosseguiu cantando uma emocionante versão da canção co-escrita por Buz Kohan e Larry Grossman. Era chamada Gone Too Soon.

Jackson disse que chorou enquanto assistia. Ele havia crescido com a música dos Carpenters. Suas músicas eram parte do seu DNA. Mas aquela música - havia algo mais profundo nela que ele podia se conectar.

Naquela noite, Jackson disse à Buz que sentia que ele tinha de gravá-la algum dia. "É sua quando você quiser," disse Buz. Nos meses seguintes, no entanto, outros projetos se fizeram necessários, incluindo os videoclipes de Beat It e Thriller. Aqui e ali, Gone Too Soon re-aparecia como número de tributo em eventos de caridade ou cerimônias. Em acréscimo à apresentação de Dionne Warwick, ela foi cantada mais tarde por Patti Labelle e Donna Summer. Mas nunca foi gravada em estúdio.

Anos depois, em 1990, Buz e Jackson estavam falando ao telefone quando Jackson comentou sobre um jovem menino de quem ele era amigo, chamado Ryan White. "Ele não vai viver para sempre," disse Jackson. "Eu quero fazer algo especial para ele." Ryan havia se tornado o rosto nacional da AIDS naquele momento quando a doença ainda era severamente incompreendida, estigmatizada e temida.

Uma criança normal de Kokomo, Indiana, Ryan contraiu o vírus da AIDS através de uma transfusão de sangue contaminada (Ryan era hemofílico). Ele então foi vítima de bullying, evitado e ameaçado com violência pelos seus colegas de classe e comunidade. Os estudantes o chamavam de "viado" e o tratavam como um leproso. Membros de sua igreja local se recusavam a apertar a sua mão. Vizinhos na rota de sua entrega de jornais cancelaram suas assinaturas. Eventualmente, ele foi forçado a deixar a sua escola.

Quando ouviu a história, Jackson procurou Ryan para oferecer sua amizade e apoio. Eles rapidamente ficaram próximos. Ambos estavam acostumados a se sentirem diferentes, eles diziam, e era um alívio se sentir "normal" por algumas horas na companhia um do outro. Ao longo dos meses, eles se falaram no telefone muitas vezes. Ryan era um adolescente incrivelmente pensativo, eloquente e maduro. Ele entendia porque ele era odiado e temido por tantos; ele entendia que havia sido colocado em um papel muito público; e ele entendia que iria morrer logo.

Jackson se lembrou uma noite ao ouvir Ryan White, na mesa de jantar, dizendo para sua mãe como ele deveria ser enterrado. "Ele disse, 'Mãe, quando eu morrer, não me coloque em um terno com gravatas,' Jackson relembrou em uma entrevista com Shmuley Boteach. "Eu não quero ficar em um terno com gravatas. Me coloque comum jeans OshKosh e uma camiseta.' Eu disse, 'Eu tenho de usar o banheiro,' e eu corri para o banheiro e chorei muito, ouvindo este menininho dizer para sua mãe como ela deveria enterrá-lo."

Jackson sabia que ele não podia mudar o destino de Ryan, mas ele esperava dar a ele algum escapismo e alegria antes da sua hora chegar. White e sua família fizeram inúmeras visitas ao rancho Neverland, onde eles andaram de kart, comeram pizza e assistiram a uma exibição privada de Indiana Jones: A Última Cruzada. "Estas viagens para Califórnia me fizeram seguir em frente," disse Ryan.

Jackson mais tarde comprou para Ryan um conversível vermelho Mustang, seu carro dos sonhos, para o seu aniversário. Apenas meses depois, no entanto, em 8 de abril de 1990, Ryan morreu.

No dia seguinte, Jackson chegou em Indiana. Ele sentou no quarto vazio de Ryan por horas, olhando para os seus souvenirs, roupas e fotos. "Eu não entendo quando uma criança morre," Jackson disse mais tarde. "Eu realmente não entendo." A mãe de Ryan, Jeane, disse a Jackson que ele poderia levar o que quisesse como recordação, mas ele disse para ela manter o quarto de Ryan exatamente como estava.

No jardim estava o Mustang vermelho que Jackson havia dado para Ryan, coberto de flores. A irmã de Ryan, Andrea, subiu no carro com Jackson. Quando ele ligou, Man In The Mirror começou a tocar. Foi a última música que Ryan havia escutado.

Quando Buz Kohan soube da morte de Ryan, ele pediu ao arquivista Paul Serrat (que havia compilado e catalogado vídeos para Jackson) montar imagens de Jackson e Ryan juntos ao som da versão de Gone Too Soon de Dionne Warwick.

Jackson ligou para Buz logo depois. "Está perfeito," ele disse. "Eu amei." Jackson havia prometido a Ryan que ele estaria no seu próximo videoclipe, mas eles não tinham mais tempo. Este seria o vídeo, Jackson pensou. Ele criaria um vídeo e uma canção dedicadas a Ryan e sua causa. Eu quero que o mundo saiba quem você é, ele prometeu.

"Tem uma coisa, no entanto," Jackson disse a Buzz. "Eu não faço covers. Alguém já a gravou?"

"Não," disse Buzz. "Já foi cantada, mas não foi gravada. O meu pessoal tem uma palavra para isso. Predestinação. Foi feita para você. Ela estava esperando por você."

Meses depois, Buzz estava no estúdio em Ocean Way quando Jackson gravou a música. Como sempre, Jackson cantou no escuro para imergir completamente. Sentado ao lado do engenheiro de som Bruce Swedien na mesa de controle, Buz sentiu arrepios enquanto escutava. A letra era sobre a beleza, a transitoriedade e a fragilidade da vida. As palavras poderiam facilmente cair no clichê e sentimentalismo nas mãos de um cantor comum, mas Jackson não era um cantor comum. "Ele colocou sua alma nela," relembra Buzz. "Não havia exagero ou afetação. Era emoção pura."

Gone Too Soon foi a faixa No. 13 das 14 no álbum Dangerous. Foi lançada como single no Dia Mundial da AIDS, em 1 de dezembro de 1993. Jackson também cantou a música no baile de inauguração do mandato do Presidente Bill Clinton, para contar ao mundo sobre Ryan White e conseguir apoio político e arrecadação para a pesquisa da AIDS. Antes de cantar, Jackson falou diretamente com a platéia:

Eu gostaria de tomar um tempo desta cerimônia muito pública para falar de algo muito pessoal. Trata-se de um querido amigo meu que não está mais conosco. Seu nome é Ryan White. Ele era um hemofílico que foi diagnosticado com o vírus da AIDS quando ele tinha onze anos. Ele morreu pouco depois de completar 18, no momento em que a maioria dos jovens está começando a explorar as maravilhosas oportunidades da vida. O meu amigo Ryan era era um jovem muito inteligente, corajoso e muito normal que nunca quis ser o símbolo ou porta-voz para uma doença mortal. Ao longo dos anos, eu partilhei muitos momentos bobos, felizes e dolorosos com Ryan e eu estava com ele ao fim de sua breve porém florescente jornada. Ryan se foi e assim como qualquer um que perdeu uma pessoa querida para a AIDS, eu sinto profundamente e constantemente a sua falta. Ele se foi, mas eu quero que sua vida continue tendo significado.

Gone Too Soon ganhou nova relevância em 25 de junho de 2009, quando Jackson morreu inesperadamente em sua casa em Los Angeles. Ele tinha 50 anos de idade. Três anos depois, as palavras que um dia ele animou com sua voz inimitável e seu espírito, ainda ressoam. As chances são grandes delas serem cantadas novamente.


Traduzido por Bruno Couto Pórpora