sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Na Sauna com Michael Jackson (NME, Março 1979)


NME, 3 de março de 1979
Por John Hamblett

Se lembra quando você tinha 13 ou 14 anos e os astros internacionais da Tamla Motown, os Jackson 5, estavam na TV?

E a sua cara estava talvez há apenas alguns centímetros de distância da televisão, com seus olhos revirados e sua mãe gritava com você para sair da frente da TV porque ninguém conseguia ver nada com sua cabeça no caminho e, além do mais, você poderia ficar vesgo vendo TV de tão perto.

Você estava se concentrando na música, e nos pés de Michael, tentando fazer exatamente o que fazia aquele menino com suas pernas.

Mais tarde, no quarto, você nunca conseguia fazer igualzinho, porque o carpete atrapalhava e além do mais, havia algo no jeito daquele menino se mexer que era simplesmente inimitável.

Cerca de nove anos depois, eu estava no balcão de um teatro típico do norte, momentos antes das cortinas subirem, me perguntando se a magia ainda estaria lá, afinal, o jovem Michael já está crescido (não está?), assim como todas as crianças que dançaram ao som de ABC, I Want You Back e Little Bitty Pretty One.

A banda começou a tocar e uma nuvem de gelo seco surgiu por trás da bateria, escondendo a entrada da atração principal.

Gradualmente, os Jacksons apareceram pela nuvem dispersa, pulando até os holofotes mostrando grande atitude.

A formação original rompida, com apenas quatro Jacksons - dizem que o irmão Jackie está gripado - e MJ assumindo imediatamente o controle total, cantando, dançando e trabalhando duro, muito duro, para uma platéia que teria aceitado virtualmente qualquer coisa. Pregando aos convertidos com uma elegância compromissada e arrebatadora.

Isto graças há 15 anos de total dedicação desde o seu difícil início de carreira. Dez anos de vendas milionárias de discos, todo um estilo de vida, uma visão linda. Um excelente show.

As meninas ainda gritam por Michael Jackson, ainda ficam histéricas quando ele canta I'll Be There e Ben, mesmo que a maioria delas mal tivesse saído do maternal quando as músicas foram lançadas.

Escrito, isso pode soar um pouco confuso. Afinal, Michael não é mais o bebê do show. O jovem Randy é três anos mais novo do que ele e, presumivelmente, muito mais perto da idade das garotinhas bonitas que dão escândalos histéricos quando eles se apresentam.

Mas quando você assiste ao show e escuta Michael cantar - sua voz, mais pura e brilhante do que nunca - as coisas parecem fazer sentido.

Veja, o ponto é que aquele Michael Jackson parece não ter crescido nenhum pouco. O que eu não digo sugerindo como se ele fosse fisicamente retardado ou tivesse algum tipo de doença mental - longe disso - mas simplesmente que Jackson parece absolutamente intocado pela desilusão da vida adulta.

Peter Pan, em uma casca de noz, de um modo que você pode até entender. Desde os cinco anos, Michael Jackson canta e viaja com sua família. Desde os dez anos, sua voz e presença somaram milhões de discos e singles vendidos. Todo o seu estilo de vida foi orientado pelo ritmo do show business. Por três quartos de sua vida, ele foi confinado ao surreal e brilhante mundo do entretenimento de primeira classe.

Michael Jackson evoluiu como um trovador moderno, dedicado à sua profissão, porque ele nunca conheceu nenhum outro estilo de vida. Ele amadureceu em um meio completamente manufaturado, tão completamente enclausurado por este meio que ele pode apenas considerar esta falsa situação como a realidade.

Simplesmente, Michael Jackson nunca teve permissão para crescer. Ele não fuma. Ele não bebe. Ele não usa drogas de nenhum tipo. Ver ele no palco, ver ele fora do palco, e ouvindo àqueles que são próximos dele você não pode evitar mas ter a impressão que ele aborda o entretenimento como um dedicado esportista; constantemente em treino, persistente.

Sob estas circunstâncias, seria compreensível se Michael Jackson tivesse crescido e se tornado um jovem precoce, egoísta e arrogante.

Eu estou prestes a descobrir que isto não aconteceu, o que me foi uma surpresa agradável.

Depois do show em Birmingham a banda, como de costume, se enrola em seus cobertores brancos enquanto esperam, do lado de fora, o mini-ônibus de volta para o hotel.

As pessoas pagas para abrigarem os irmãos de todo tipo de atrito desnecessário fazem seu trabalho de forma eficiente. Talvez até muito eficiente.

Por conta do zelo excessivo desses cães de guarda, realizar uma entrevista minimamente decente com Michael Jackson se prova uma tarefa quase impossível. Jackson vale muitos milhões e é protegido como tal.

Na hora em que a equipe principal volta ao hotel, Randy e Michael já se trocaram e estão na piscina.

A piscina deveria estar fechada a esta hora da noite, mas não está. Não está porque Michael quer nadar com seus amigos. Seus amigos são dois de seus irmãos e sua irmãzinha.

Eu não trouxe nenhum traje de banho, então ele me empresta um, e eu aceito porque obviamente este é o único modo que vou conseguir falar com ele. E além do mais, parece que será divertido.

A água está morna como água de banho.

Michael está ensinando à garotinha o primeiro verso de Blame It On The Boogie, o restante ela tem na ponta da língua! Eles cantam e eu parabenizo a jovenzinha pela sua linda voz e rapidamente começo uma série de louvações com MJ.

A garotinha não está impressionada.

"Oh, eu tenho filhos. Eu tenho sobrinhos e sobrinhas em casa e estou sempre os levando ao cinema, ou à Disneylândia," conta Michael.

Jogar papo fora é fácil, mas diante das circunstâncias uma conversa séria é compreensivelmente difícil - uma situação que não é ajudada pelos dois meninos pequenos que insistem em travar uma batalha na água - uma brincadeira que Michael está muito tentado a participar.

Eventualmente um representante do hotel aparece e informa aos desapontados brincalhões que a piscina será fechada. Michael tem um seguro muito caro para se arriscar nadando à noite.

Ele aceita a situação com bom-humor, mas relutante, e sugere com alegria que fôssemos para a sauna.

"Cara, eu adoro o calor".

Eu faço o jogo, diante das circunstâncias é melhor dizer a ele que sauna é exatamente a minha praia: justamente o que o médico recomendou. Nunca estive numa em toda minha vida mas ah, pros diabos..

O problema com a sauna é que a luz não funciona, o que significa que estamos sentados em uma semi-escuridão em condições semi-tropicais.

Há um tipo de estranheza desesperada na situação. Todo aquele ar depressivo dá um clima inerte que não é nem um pouco convidativo para qualquer conversa séria.

Mas este parece ser o único jeito de conseguir entrevistá-lo. Sou forçado a perseverar.

Michael, no entanto, acha tudo maravilhoso. Ele quer deixar a sauna ainda mais quente. Eu suo e faço algumas perguntas.

"Nós nos divertíamos muito nas turnês quando éramos jovens, de verdade, muito. Nós ficávamos umas duas semanas no Havaí, de férias.... eu amo o Havaí, é como o paraíso... Você já esteve no Havaí? Não? Você realmente deveria ir, é lindo."

"Ah sim, o show desta noite foi muito bom.... o som estava muito ruim no entanto, não estava? Eu gosto muito de fazer shows onde têm pista, embora mesmo quando tocamos em teatros - onde foi que tocamos na noite passada? Manchester - as pessoas geralmente se levantam e dançam. Eu gosto disso.

"Na verdade, eu acho que prefiro fazer shows em lugares pequenos, porque o som é sempre muito melhor e as coisas ficam melhor organizadas. Mas nos Estados Unidos nós temos que tocar nesses espaços enormes. Sabe? Tipo o Madison Square Garden - você já esteve lá? É enorme - e o Astrodome no Texas.

"De fato, nós temos o recorde de audiência no Astrodome - há uma placa na parede com o nosso nome. Eu espero que esse recorde se mantenha. Eu me sinto muito bem quando outras bandas com quem já tocamos nos encontram e dizem que viram a nossa placa."

Em Manchester, foi a vez do Teatro Apollo. Hoje os garotos estão no Bingley Hall, cuja capacidade oficial é para 3,000 - mas números indicam que 6,000 ingressos foram vendidos - embora não pareça estar lotado para mim.

O som não é nenhum pouco limpo como o de Manchester, e as pilastras tampam insistentemente a minha visão. Há um odor desagradável de gás no ar e o chão é de puro concreto.

Mas não há assentos. A banda cria mágica de verdade, e as crianças são verdadeiras fãs. O clima para a música é perfeito - da pegajosa Let Me Show You The Way à alegre Enjoy Yourself e o soul pra cima de Destiny.

Música dançante moderna; disco profunda e quente.

Até a infelizmente corrida medley de seus sucessos antigos consegue causar um furor apesar - ou talvez por causa - de tudo.

Às vezes eu gostaria de poder capturar para sempre aquele sentimento, a imagem, o som, tudo. Capturar apenas uma vez, o momento certo... Ao invés de escrever sobre o assunto, ser capaz de mostrar exatamente o coração do show, expôr a alma: poder dizer como é que foi isto e aquilo. Tocar. Sentir. Ver. Porque então, e só então, alguém poderia entender o que os Jacksons em geral, particularmente Michael, representam para milhares de crianças, eu entre elas.

Michael Jackson foi o primeiro performer de uma geração inteira a quem os fãs de soul conseguiram se identificar. Ele não era apenas outro astro, ele não era um astro ao estilo antigo - não era tão bom quanto eles, era simplesmente melhor.

Ele era melhor porque ele era um de nós, não de um modo tosco, pretensioso, mas simplesmente porque ele era jovem e se divertia, com inesgotável entusiasmo, em fazer o que fazia de melhor: cantar e dançar.

Para milhares de jovens, os Jackson foram o começo, o fim e o meio. E julgando pelos shows que eu presenciei, não mudaram muito em dez anos.



Traduzido por Bruno Couto Pórpora