quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Coroado na África (Ebony, Maio 1992)

Ebony Magazine, 1º de maio de 1992.
Por Robert E. Johnson. Traduzido por Bruno Pórpora.

Quando Michael Jackson era o vocalista e líder de 14 anos do grupo Jackson Five, ele visitou a África pela primeira vez.

"Quando nós saímos do avião na [Dakar, Senegal] África", ele relembra, "nós fomos saudados por uma longa fila de dançarinos africanos. Os tambores e sons enchiam o ar com ritmo. Eu ficava louco, eu gritava, "É isso mesmo! Eles têm o ritmo" É aqui. É aqui de onde eu vim. Aqui é a origem.'"

Dezenove anos depois, quando Michael, agora 33, saiu do avião em Gabon - uma nação do oeste africano vizinha à Senegal - ele foi saudado por uma platéia excitada e gritante de estudantes que carregavam um banner proclamando: "Bem-vindo ao lar Michael". Sons de tambores enchiam o ar novamente com ritmo que fluía dos fãs que se reuniram no aeroporto e se alinharam nas ruas em ansiedade de ver o "rei do pop, rock e soul," que mais tarde seria coroado "Rei Sani" no vilarejo do oeste africano.

Na chegada ao aeroporto em Gabon, o megastar é saudado por crianças alegres e dignitários.

Apesar de ou talvez por causa desse aclamação, o ídolo pop quase que imediatamente se tornou o centro de uma controvérsia internacional baseada na campanha negativa da mídia. O golpe da mídia incluía as seguintes mentiras:
Esta viagem foi um "desastre de relações públicas para Michael." Verdade: Foi um triunfo no qual ele atraiu mais espectadores em Gabon do que Nelson Mandela e mais do que o Papa no Ivory Coast, de acordo com relações públicas africanos.

"O cantor parou logo sua turnê africana depois de que uma parada gerou o tipo errado de animação." Verdade: Os patrocinadores queriam que ele estendesse sua turnê por causa da procura por sua aparições em todo lugar.

Ele ficou com a mão no nariz porque as nações africanas cheiravam mal. Verdade: Ele algumas vezes tocou o nariz, um hábito nervoso que lhe deu o apelido de "Smelly", dado originalmente por Quincy Jones porque Michael tocava seu nariz em Los Angeles.

Ele teve um colapso por causa do calor e foi para Londres para uma consulta médica. Verdade: Ele nunca se preocupou com o calor. O médico pessoal dele, Dr. R. Chalmers, acompanhou Jackson na viagem. Jackson não foi a Londres para uma consulta médica.

Ele recusou apertar a mão dos africanos. Verdade: Ele apertou a mão de centenas de pessoas, abraçou-as e beijou crianças nos hospitais e instituições para retardados mentais.

Ele não é "negro nem branco" e não é um bom modelo para as crianças. Verdade: Depois de Michael ler uma oração na basílica de Nossa Senhora da Paz no Ivory Coast, um garoto de 9 anos exclamou: "Michael é amor, amor, amor! Eu quero ser como ele."

Porque ele é bem conhecido por sua humanidade e filantropia, o organizador da turnê Charles Bobbit refletiu sobre a turnê africana e disse: "Eu fiquei impressionado pela interação entre Michael e as crianças. Ele sentou na cama com crianças que estavam deformadas e crianças que estavam doentes" Ele sentou e conversou com elas, abraçou-as, acariciou-as. Ele apertou mãos e não usou uma máscara cirúrgica como ele às vezes usa na América. Isto qualifica ele como um modelo para as crianças; suas ações e não sua aparência."

Enquanto a controvérsia internacional movimentava-se, Michael se manteve à distância, recusando-se a ler as estórias e dizendo que ele preferia deixar suas ações e suas canções falaram por ele. Estranhamente e significantemente, ele já havia previsto isto e outras críticas na canção Why You Wanna Trip On Me, no álbum Dangerous. A canção diz, em uma parte:

Eles dizem que eu sou diferente
Ele não entendem
Mas há um problema maior
Que é muito mais exigente
Você tem a fome mundial
Sem o suficiente para comer
Então realmente não há tempo
Para viajar em mim...


Estava claro desde o começo que os africanos concordaram com Michael. E desde o momento de sua chegada, o nativo de Gary, Indiana, foi bem-vindo como um grande dignitário e um filho perdido há muito tempo.

Ele havia vindo à terra de seus ancestrais para participar de uma cerimônia histórica conduzida abaixo de uma árvore sagrada no vilarejo de minas de ouro, Krindjabo, onde vivem a tribo Agni e fica próximo a Abidjan, Ivory Coast. Enquanto as pessoas do vilarejo olhavam com admiração, Amon N'Djafolk, o tradicional chefe tribal do Krindjabo, colocou uma coroa de ouro na cabeça do monarca musical e o proclamou "rei de Sani."

Quase tomado pelas emoções, o tímido, sensível filho de Joseph e Katharine Jackson sorriu e disse, "Merci Beaucoup," para os espectadores franceses e repetiu em inglês, "Muito obrigado."

Ele então se juntou aos anciãos do trono do rei, assinou documentos oficiais e sentou no trono de ouro enquanto dançarinas, revestidas em roupões brancos, deram uma encantadora performance de danças do ritual. Estas anciãs são as guardiãs do vilarejo, e suas danças cerimoniais deram suas bênçãos ao "Rei Sani" e pediram a Deus por proteção na árvore que simboliza a essência do poder.

O mensageiro musical, que viajou do oeste para o leste africano como um auto-proclamado embaixador da paz, amor, e boa vontade, atingiu um sucesso que foi além de suas expectativas.

De sua chegada ao pôr do sol em Gabon, onde mais de 100,000 pessoas o saudaram, à sua parada no Cairo, Egito, país que ele prestou homenagem em seu mais novo álbum, Dangerous, com o single best-seller e clipe Remember The Time, Michael foi pego em um furacão de acontecimentos felizes.

Na rica Gabon, ele recebeu a Medalha da Honra das nações do oeste africano pelo presidente Omar Bongo, que foi o anfitrião oficial da turnê "Come Back To Eden" do performer.

O presidente Bongo disse a Jackson que ele foi o primeiro entertainer a receber a medalha, que até então tinha sido apenas dada para governadores e diplomatas - incluindo Nelson Mandela.

Durante suas visitas a Gabon, à Ivory Coast, Tanzânia, e Egito, ele encontrou a "Michael Mania" em todos os lugares. Sua imagem estava em posters, camisetas, outdoors, um selo de postagem (na Tanzânia), e banners nas ruas. Sua música era tocada no rádio, em hotéis - Okume Palace em Libreville, Gabon; Hotel Ivoire em Abidjan, Ivory Coast; e o Hotel Kilimanjaro em Dar es Salaam, Tanzânia.

Energético e intensamente interessado em seus fãs, ele andou 30,000 milhas em 11 dias; passou por 11 zonas de horário, dormiu em cinco zonas de horário e aterrisou em quatro continentes: América do Sul, África, Europa, e América do Norte. Sua equipe de 26 pessoas viajou em um Boeing 707 executivo com quartos, banheiro privado, bar, sala de estar, áreas de jantar, equipamento de video e de áudio, telefones, e máquinas de fax.

E quando acabou, o entertainer, ao contrário de boatos falsos, tinha dado um novo giro à pessoa diplomática Michael Jackson e tinha tocado as vidas de centenas de milhares de orgulhosos africanos.

MICHAEL FALA


EBONY: Você tem algum sentimento especial sobre este retorno ao continente da África?

MICHAEL JACKSON:
 Para mim, é como o "amanhecer da civilização." É o primeiro lugar onde a sociedade existiu. É visto muito amor. Eu acho que tem esta conexão por ser a origem de todos os ritmos. Todos. É o lar.

EBONY: Você visitou a África em 1974. Você pode comparar o contraste entre as duas visitas?

MICHAEL JACKSON:
 Eu estou mais atento às coisas desta vez: as pessoas e como elas vivem e o seu governo. Mas para mim, eu estou mais atento aos ritmos à música e às pessoas. É o que eu tenho notado mais do que qualquer outra coisa. Os ritmos são incríveis. Você pode dizer exclusivamente pela maneira que as crianças se mexem. Até os pequenos bebês, quando eles ouvem a bateria, eles começam a se mexer. O ritmo, a maneira como ele afeta a alma deles e eles começam a se mexer. As mesma coisa que os negros têm na América...

EBONY: Como é se sentir como um verdadeiro rei?

MICHAEL JACKSON: Eu nunca tento pensar sobre isso porque eu não quero que entre na minha cabeça. Mas é uma grande honra...

EBONY: Falando em música e ritmo, como você produziu as canções gospel no seu último álbum?

MICHAEL JACKSON: Eu escrevi Will You Be There? na minha casa, "Neverland" na Califórnia... Eu não pensei muito para escrevê-la. É por isso que é difícil levar os créditos para as músicas que eu escrevo, porque eu sempre sinto que elas são feitas por uma força superior. Eu me sinto afortunado por ser o instrumento pelo qual a música corre. Eu sou apenas a fonte da qual ela vem. Eu não posso tomar crédito por ela porque é trabalho de Deus. Ele está apenas me usando como mensageiro...

EBONY: Qual foi o conceito para o álbum Dangerous?

MICHAEL JACKSON: Eu queria fazer um álbum que fosse como Nutcracker Suite de Tchaikovsky. Para que em cem anos a partir de agora, as pessoas estivessem ainda o escutando. Algo que viveria para sempre. Eu gostaria de ver crianças e adolescentes e pais e todas as raças em todo o mundo, centenas e centenas de anos daqui, ainda ouvindo as canções deste álbum e dissecando-as. Eu quero que ele viva.

EBONY: Eu notei nesta viajem que você fez um esforço especial para visitar crianças.

MICHAEL JACKSON: Eu amo crianças, como você pode ver. E bebês.

EBONY: E animais.

MICHAEL JACKSON: Bem, há um certo senso que animais e crianças têm que me dá uma certa corrente elétrica de criatividade, uma certa força que mais tarde na vida adulta é perdida por causa do condicionamento que acontece no mundo. Um grande poeta disse uma vez. "Quando eu vejo crianças, eu vejo que Deus ainda não desistiu do homem." Um poeta indiano da Índia disse isso, e seu nome é Tagore. A inocência das crianças representa para mim e fonte de criatividade infinita. Este é o potencial de todo ser humano. Mas quando você se torna um adulto, você está condicionado; você está tão condicionado pelas coisas que acontecem com você e isto se vai embora. Amor. Crianças são amáveis, elas não fazem fofoca, elas não reclamam, elas têm apenas o coração aberto. Elas estão prontas para você. Elas não julgam. Elas não vêem as coisas pela cor. Elas são bem ingênuas. Este é o problema com os adultos, eles perdem sua ingenuidade. E este é o nível de inspiração tão necessário e é tão importante para criar e escrever canções e para um escultor, um poeta ou um escritor. É o mesmo tipo de inocência, aquele mesmo nível de consciência, que você cria. E as crianças o tem. Eu sinto isso facilmente em animais e crianças e na natureza. É claro. E quando eu estou no palco. Eu não posso me apresentar se eu não tenho esse tipo de sentimento com a platéia. Você sabe o tipo de ação causa e efeito, reação. Eles estão me alimentando e eu estou apenas agindo à partir de sua energia.

EBONY: E para onde está tudo isso indo?

MICHAEL JACKSON: Eu realmente acredito que Deus escolhe pessoas para fazerem certas coisas, da maneira como Michelangelo ou Leonardo da Vinci ou Mozart ou Muhammad Ali ou Martin Luther King foram escolhidos. E esta é sua missão. E eu acho que ainda não penetrei na superfície da qual está meu propósito real de estar aqui. Eu estou compromissado com a minha arte. Eu acredito que toda arte tem seu objetivo de união entre o material e o espiritual, o humano e o divino. E eu acredito que esta é a verdadeira razão para a existência da arte e do que eu faço. E eu me sinto afortunado por ser aquele instrumento do qual a música jorra... Bem dentro de mim eu sinto que este mundo do qual vivemos é uma grande, enorme e monumental orquestra sinfônica. Eu acredito que em sua forma primordial de criação é som e não apenas som, é música. Você já ouviu a expressão, "música das esferas"? Bem, esta é uma frase literal. Nos Evangelhos, nós lemos, "E o Senhor Deus criou o homem da areia da terra e respirou dentro de suas narinas a respiração da vida e o homem se tornou uma alma viva." Esta respiração da vida para mim é a música da vida e ela penetra cada fibra da criação.
Em uma das canções do álbum Dangerous, eu digo: "Life songs of ages, throbbing in my blood, have danced the rhythm of the tide and flood." Esta é uma declaração literal, porque a mesma música que governa o ritmo das estações, o pulsar dos nossos corações, a migração dos pássaros, o andamento dos oceanos, os ciclos de crescimento, evolução e dissolução. É a música, o ritmo. E minha meta na vida é dar ao mundo o que fui sortudo em receber: os êxtase da união divina pela minha música e dança. É o meu propósito, é o porquê estou aqui.

EBONY: E sobre política?

MICHAEL JACKSON: Eu nunca entro em política. Mas eu acho que a música acalma a besta da floresta. Se visualizar células num microscópio e colocar música, você verá que elas irão se mexer e dançar. Afeta a alma... eu ouço música em tudo. [Pausa] Sabe, isso foi o máximo que eu disse em oito anos. Você sabe que eu não dou entrevistas. Mas porque eu conheço você, eu confio em você. Você é a única pessoa em quem eu confio para dar entrevistas.

África, 1992.